Em um mundo inconstante de polarizações políticas, guerras e ameaças de armas nucleares, conflitos étnicos e religiosos, novas doenças e pandemias, existem poucas certezas.
A mudança do clima é uma delas. Um planeta em aquecimento ameaça a estabilidade financeira, econômica e social. Assim, é certo que políticas públicas, leis e comportamentos de mercado serão ajustados em resposta, buscando estabelecer uma transição climática ordenada, com o objetivo de promover a estabilidade do clima. Se essa transição climática é uma certeza, deveríamos apostar nosso dinheiro nisso.
O termo “transição climática” vem sendo repetido com frequência em diferentes contextos, entre discursos políticos, estudos acadêmicos e notícias de jornal. Às vezes vem junto com a ideia de justiça e equidade – “transição justa” –, ou então num contexto setorial específico – “transição energética”.
As duas ideias podem aparecer juntas – “transição energética justa”. A constante aqui é a transição (com o perdão do trocadilho): sair de um lugar para outro. Transição climática é sair de um modelo econômico, produtivo, estrutural, baseado em emissões de gases de efeito estufa (GEE) e ao mesmo tempo exposto a impactos negativos da mudança do clima, para outro que seja menos dependente do carbono e mais resiliente ao clima.
Fazer a transição climática energética é migrar de um lugar em que a geração de energia e eletricidade é intensiva em carbono para outro baseado em fontes não fósseis. Fazer a transição climática justa significa que esse processo de ir de um lugar para outro seja feito com equidade, ou seja, com respeito às circunstâncias, vulnerabilidades, direitos e capacidades daqueles envolvidos no processo: ninguém deve ser deixado em uma situação de injusta desvantagem e desigualdade.
As diferentes faces da transição
Mas por que não falar também em transição agrícola justa? Produzir alimentos emite GEE, mas essa atividade é o único meio de sustento ancestral de pequenos agricultores em todo o mundo.
Estudo da CPI/PUC-Rio ressaltou que regiões rurais e mais pobres do Brasil como o Nordeste serão afetadas pelo clima de forma desproporcional, sendo que grande parte da produção agrícola está concentrada em um pequeno número de produtores, com 4% das propriedades rurais cobrindo 63% das terras agrícolas.
É importante que estratégias para reduzir as emissões agrícolas não aumentem distorções entre os diferentes grupos de produtores rurais e evitem a exclusão dos mais vulneráveis. Não há soluções imediatas e fáceis para o problema do clima: há um processo de transição.
Os governos têm um papel importante nessa transição climática, com o desafio de implementar políticas estruturantes que tragam segurança jurídica e previsibilidade na trajetória para a economia de baixo carbono.
O Acordo de Paris da ONU é uma plataforma para orientar e monitorar os governos, com base na melhor ciência e nos princípios de equidade; a cada ano as decisões das COPs ajudam a implementar essa agenda.
Depois de análises e recomendações da Agência Internacional de Energia, na COP28, realizada no ano passado em Dubai, os 194 países membros do Acordo concordaram em iniciar um processo de “transição que se afaste dos combustíveis fósseis”. Transição é ir de um lugar para outro, e na COP 28 se decidiu que este outro lugar é bem longe dos combustíveis fósseis.
O papel do setor privado
Enquanto governos gradualmente vão criando políticas para lidar com a transição climática, empresas começam a se ver compelidas a olhar para esses riscos de transição, inclusive a possibilidade concreta de precificação das suas emissões de carbono, seja por exigências domésticas, seja por barreiras comerciais.
Quem diz isso é também o FMI, que chegou a propor um Piso Internacional de Preço do Carbono (International Carbon Price Floor, “ICPF”) de US$ 75/tonelada de CO2eq. Hoje mais de 60 jurisdições no mundo todo ou já possuem ou estão em fase de implementar alguma política de precificação de carbono, por meio de tributação ou comércio de emissões.
Além disso, cada vez mais empresas vêm sendo alvo de litígios climáticos que buscam exigir corte de suas emissões de GEE ou visam compensar e reparar perdas e danos associados às mudanças climáticas. No Brasil, a Plataforma de Litigância Climática do JUMA PUC-Rio já registra mais de 80 casos.
A transição climática também cria demanda por produtos e serviços que ajudem a solucionar o problema da descarbonização, inclusive dentro de um ambiente de mercado de carbono, trazendo oportunidades de criação de valor financeiro dentro da nova economia de baixo carbono.
Ignorar esses riscos legais, tecnológicos, mercadológicos e reputacionais, e não capturar as oportunidades relacionadas a eles, afeta diretamente o valor econômico das empresas. Empresas que não tiverem um planejamento para essa transição climática vão ser economicamente desvalorizadas.
A força do mercado
Mecanismos de mercado são poderosos para apoiar nesse processo e financiar essa transição, e precisam ser mais bem explorados e compreendidos. Quando a Climate Bonds Initiative começou a certificar títulos de dívida de empresas rotuladas “em transição climática”, houve críticas de que a classificação ajudaria a promover atividades que não são “verdes” por essência, uma vez que são altamente emissoras de gases de efeito estufa, como a pecuária, por exemplo.
A intenção do mecanismo é rotular as empresas que estão adotando medidas dentro de uma trajetória de transição climática, para que o mercado possa identificar e direcionar capital para elas. Sem entrar no mérito de se a certificação de fato é capaz de atestar que as medidas adotadas pela empresa são suficientes e adequadas, é inegável que essa identificação tem grande valor para o mercado.
Mas é difícil ter certeza de que uma companhia está efetivamente seguindo o caminho da forma adequada. Ainda não há leis e normas uniformes que definam o que é a transição climática ou como ela deve ser divulgada para consumidores, investidores e stakeholders. Pesquisa e metodologias, boas práticas e legislações estão se adequando. E há enormes desafios ainda também na especialização dos profissionais do mercado.
A força mais poderosa para mobilizar esse processo de transição é o capital. E por isso investidores têm um papel fundamental. Investindo apenas em empresas “verdes”? Não, investindo também nas poluidoras e buscando, por meio do seu capital, influenciá-las para que façam a transição climática adequada, por meio de mecanismos como o “stewardship” e o engajamento colaborativo, usados por investidores responsáveis para criar valor de longo prazo nos negócios investidos – e ao mesmo tempo benefícios para a sociedade.
Marrom ou verde?
Pesquisadores da Yale School of Management e do Boston College desenvolveram um estudo empírico sobre o impacto do investimento sustentável em empresas “verdes” e “marrons”. Eles concluíram que, do ponto de vista de impacto, direcionar o capital de empresas “marrons” para empresas “verdes” pode ser contraproducente, pois isso só contribui para tornar as empresas marrons “mais marrons”, sem tornar as verdes “mais verdes”.
O investimento sustentável acaba recompensando empresas verdes por reduções triviais em seus já baixos níveis de emissões de GEE. Por outro lado, o investimento responsável na transição climática de grandes empresas poluentes pode provocar impactos climáticos positivos mais expressivos, pois cada melhoria incremental é muito representativa em termos de redução de emissões e seus efeitos globais.
Estudos mostram também que engajamento de investidores faz diferença na mudança de comportamento das empresas, pois gestores respondem a esses estímulos. Investidores responsáveis, portanto, têm nas mãos a oportunidade de direcionar recursos, conhecimento e influência positiva para promover transição climática em empresas com um grande impacto de emissões de GEE, e ajudá-las na criação de valor econômico decorrente da gestão de riscos e oportunidades climáticas. Promover a transição climática é criar valor para o negócio.
É claro que o investidor precisa levar em consideração as realidades da empresa investida, sobretudo no caso de mercados emergentes – que ainda enfrentam barreiras de desenvolvimento – e adaptar sua abordagem para um formato mais colaborativo, consistente aqui também com uma visão de transição justa.
Essas transições podem ser justas se houver cuidado com a capacitação das cadeias de fornecimento e dos profissionais de indústrias altamente dependentes do carbono, e engajamento com políticas públicas que ajudem a promover diversificação econômica.
Investir na transição climática é uma aposta em certezas: que o mundo vai esquentar cada vez mais e que os modelos econômicos vão precisar se adaptar a ele. Promover essa transição climática nas organizações da forma mais ágil, justa e baseada na ciência é criar valor para os negócios e uma chance de superarmos a crise climática da melhor maneira possível, garantindo a dignidade das vidas humanas.