
Enquanto a temperatura média do planeta atinge níveis recordes e a confiança nas instituições se fragiliza, cresce o número de líderes empresariais que reconhecem que a lógica de curto prazo está esgotada. O sistema de governança corporativa tradicional, embora importante para mitigar riscos e alinhar interesses de sócios e gestores, tem se mostrado insuficiente para lidar com os desafios sistêmicos do nosso tempo.
Vivemos uma era de crises interdependentes – colapso climático, perda de biodiversidade, desigualdade social, esgotamento de recursos naturais – que expõem a fragilidade de sistemas operacionais e de governança pautados por lógicas extrativistas. Para empresas que buscam relevância e longevidade em um futuro incerto, a pergunta central já não é se devem mudar, mas como.
Segundo o Institute for Policy Studies, 69 das 100 maiores economias do mundo são empresas, não países. No Brasil, dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) mostram que mais de 90% das empresas listadas ainda não integram riscos climáticos nas decisões estratégicas de seus conselhos. Isso é preocupante. Afinal, sete dos nove limites planetários já foram ultrapassados, de acordo com o Stockholm Resilience Centre (2023), colocando em risco a estabilidade dos ecossistemas, da economia e da própria sobrevivência dos negócios.
O momento atual exige mais do que ajustes incrementais. Ele exige uma transformação de mentalidade – um novo paradigma de governança que vá além da sustentabilidade tradicional. É nesse contexto que surge a governança regenerativa.
Ela propõe um sistema em que as decisões empresariais são guiadas por um propósito regenerativo comum, que valoriza a vida em todas as suas formas, respeita os limites planetários e promove impactos positivos e duradouros. Mais do que mitigar danos, trata-se de restaurar ecossistemas, fortalecer comunidades e promover prosperidade compartilhada.
Ao invés de apenas reduzir ou compensar as externalidades, a governança regenerativa busca proativamente restaurar e melhorar os sistemas naturais e sociais. É uma visão holística, em que os negócios são vistos como parte de uma rede interconectada de vida, em vez de entidades isoladas com o único objetivo de lucro.
Organizações que integram a regeneração em suas estratégias estão mais bem preparadas para gerenciar riscos relacionados a mudanças climáticas, crises sociais, regulamentações ambientais e, consequentemente, evitar crises reputacionais ou financeiras.
São empresas que investem em sistemas que vão além da neutralidade de carbono, por exemplo, procurando criar impactos positivos como o aumento da biodiversidade, fortalecimento das comunidades locais e uso de modelos de economia regenerativa que repensam as cadeias de suprimentos de forma integrada.
Trata-se de gerar externalidades positivas, pelas quais as atividades empresariais não apenas evitam danos, mas contribuem diretamente para a recuperação dos ecossistemas e para o fortalecimento das pessoas e comunidades impactadas. Isso pode envolver práticas como a recuperação de áreas degradadas, o uso de tecnologias de baixo impacto e a reinserção de recursos no ciclo produtivo de forma circular.
No âmbito social, significa investir em equidade, educação e redução das desigualdades, ampliando o acesso a oportunidades para grupos historicamente marginalizados.
Diferente de práticas tradicionais de governança que focam na mitigação de danos, a regeneração como princípio orientador de governança é o caminho para uma transformação real, que gera valor a longo prazo, tanto para os negócios quanto para o planeta.
Já há, inclusive, empresas do agronegócio utilizando práticas regenerativas no solo e na governança estratégica. Outras começam a redesenhar sua estrutura societária para colocar a natureza como “acionista principal”.
Com isso vem uma outra evolução de conceito, que dá aos stakeholders o status de careholders – uma visão ética e interdependente das relações empresariais, onde todos os impactados (inclusive os historicamente invisibilizados) são reconhecidos como partes essenciais do sistema.
É hora de repensar a governança não como um instrumento de controle, mas como alicerce de resiliência e longevidade organizacional. Conselhos de administração que adotarem essa abordagem estarão melhor preparados para lidar com riscos climáticos, pressão regulatória e demandas sociais cada vez mais urgentes.
* Gabriela Alves Mendes Blanchet é advogada especializada em governança corporativa, Mestre em Direito (FGV-SP) e sócia fundadora do Blanchet Advogados. É também chair do comitê de líderes pelo clima e embaixadora do Chapter Zero Brazil, iniciativa de Governança Climática do Fórum Econômico Mundial. Conselheira ESG certificada pelo Competent Boards (Canadá), atua como membro em órgãos de governança, como nos comitês de ética e compliance do IBGC e CEBDS (braço do World Business Council for Sustainable Development no Brasil). Professora, palestrante e autora, também atuou no B20 Brazil e foi presidente do IBDEE e curadora de conteúdo de Congressos do IBGC.