Avaré (SP) – Sob um abrigo estrategicamente posicionado – e essencial sob o sol de mais de 30 graus no interior paulista –, os sócios da Raiar Orgânicos abrem um mapa da propriedade repleto de retângulos coloridos.
Os vermelhos representam os oito aviários e as duas áreas de recria já funcionando. Os azuis indicam a fase de expansão. Até o fim deste ano, a Raiar vai dobrar de tamanho.
Os sócios-fundadores da granja, que vende exclusivamente ovos orgânicos, apontam as estruturas em construção logo à frente. Com 130 metros de comprimento e 22 metros de largura, cada uma vai abrigar 20 mil galinhas poedeiras.
Do lado oposto, o terreno está preparado para receber mais aviários. A estratégia da Raiar para levar seu plantel das atuais 200 mil galinhas poedeiras para 2 milhões nos próximos cinco anos está desenhada.
Os 170 hectares da propriedade, um antigo pasto degradado no município de Avaré, comportam no máximo 700 mil animais. O crescimento vai envolver criadores parceiros nas proximidades da fazenda atual e uma nova segunda unidade própria, não necessariamente em São Paulo.
Parte do dinheiro necessário está em caixa. A companhia fechou uma nova rodada de capital, de R$ 50 milhões, liderada por Pelerson Penido Dalla Vecchia, presidente do Grupo Roncador.
Além dos cinco fundadores, o total de sócios chegou a 60, entre eles Otavio Castello Branco, um dos fundadores do Pátria Investimentos, Fabio Barbosa, CEO da Natura, e Ciro Echesortu, ex-CEO da trader Louis Dreyfus Company e presidente do Grupo Ceibos, do Uruguai. Todos são novos acionistas.
Ovos orgânicos
Junto com os uruguaios do Ceibos, o fundo suíço de impacto Sabi colocou “os primeiros dólares em uma empresa de ovos brasileira”, diz Marcus Menoita, sócio-fundador e CEO da Raiar (à direita na foto).
O investimento confirma uma das ideias originais dos fundadores da companhia. Como uma potência mundial das proteínas animais poderia ter um mercado de ovos tão disperso?
Num segmento em que os líderes somados não comandam nem 10% das vendas, haveria espaço para uma empresa focada em escala e gestão moderna, capaz de atrair a atenção do capital nacional e internacional.
Este é o “que” que justifica a existência da empresa. O “como” é a sustentabilidade: a Raiar vende apenas e tão somente ovos orgânicos.
O termo é regulamentado e significa que os ovos foram botados por galinhas criadas fora de gaiolas, que não receberam antibióticos nem hormônios e cujas condições de vida foram certificadas.
A alimentação das aves também é orgânica, claro. Com 16 anos de experiência no comércio de grãos, Luís Barbieri (no centro na foto), outro dos fundadores, é responsável por desenvolver a cadeia de fornecedores de milho e soja sem agrotóxicos ou transgenia.
Não é uma tarefa trivial. Além de encontrar, convencer e ajudar os produtores a adotar novas práticas, a Raiar precisou investir na construção de uma fábrica de ração e silos próprios, que também ficam na fazenda de Avaré.
Engrenando
As incertezas do negócio eram muitas. Quando a empresa começou, somente Korin e Fazenda da Toca vendiam ovos orgânicos. Nenhum dos sócios tinha experiência no ramo. “E se as galinhas ficassem doentes? E se a produtividade fosse baixa?”
Menoita afirma que as dúvidas duraram menos de um ano. Em maio do ano passado, quando a Raiar fez um aumento de capital com os investidores iniciais, a saúde das aves ia bem e elas produziam nos mesmos níveis das granjas que usam gaiolas.
Além de encontrar clientes em restaurantes, padarias e confeitarias, as vendas de varejo começaram a engrenar. Hoje, os ovos da empresa estão à venda em 1.250 lojas, de 12 Estados.
O número inclui as caixinhas amarelas com o logo da Raiar e bandejas com as marcas próprias de varejistas como Natural da Terra/Hortifrutti, Mambo, Taeq e Sam’s Club. Desde o segundo semestre do ano passado, a companhia também vende ovos líquidos pasteurizados, como claras e gemas em caixas longa-vida consumidas pelo setor de food service.
A ambição da companhia é provar que ovos orgânicos podem ser mais que um produto de nicho ou algo que só interessa aos “hippies da Vila Madalena”, em referência a um bairro paulistano conhecido pela inclinação natureba.
Com a ressalva de que os números do mercado brasileiro são pouco precisos, Menoita afirma que o crescimento anual composto das aves poedeiras com o selo “certified humane” é de 57,7%, contra somente 2,5% do plantel total.
“Se o país tiver 200 milhões de galinhas em cinco anos, 4% disso pode ser orgânico, ou 8 milhões”, afirma o CEO, apontando para um movimento semelhante ocorrido no mercado americano na última década.
Fase de crescimento
A expectativa é que preocupações com a alimentação saudável e com o bem-estar animal impulsionem o avanço dos ovos orgânicos. E os varejistas vêm colocando esses produtos em destaque nos supermercados – sem cobrar – porque eles atraem uma clientela desejável, diz Fernando Bicaletto, diretor que veio da concorrente Fazenda da Toca.
Para manter as prateleiras cheias, a Raiar vai replicar o aprendizado dos primeiros dois anos de vida.
O ciclo de produção tem basicamente duas fases. A primeira é a recria, ou a fase de crescimento das aves. Elas chegam à fazenda com um dia de vida e passam as primeiras 15 semanas numa área específica antes de serem transferidas para os aviários.
É nessas enormes estruturas que elas passarão as próximas 85 semanas, com liberdade para sair para a área externa cercada e oito horas de sono ininterrupto. (Por volta da centésima semana de vida, quando a produtividade cai, elas são encaminhadas a um abatedouro.)
Os cuidados, as formulações de ração e design das áreas de recria e produção são uma espécie de “propriedade intelectual” que a companhia vai propagar, afirma Leandro Almeida (à esquerda na foto), responsável pela operação da granja (e um colecionador obsessivo de indicadores de performance, segundo seus sócios).
Por enquanto, as estruturas estão sendo erguidas na fazenda da Raiar, mas já há conversas com alguns produtores da região para montá-las além das cercas da granja.
Em troca da exclusividade na compra dos ovos, a companhia vai fornecer as pintainhas, a ração e o know-how. Menoita estima que o investimento para montar um aviário no padrão da companhia fique em torno de R$ 2 milhões, dos quais mais de 80% podem ser financiados “em ótimas condições”.
As únicas exigências, afirma o CEO, é que a avicultura de postura seja apenas um complemento de renda para os parceiros e que eles não tenham experiência com criação de galinhas nessa escala, para não trazer vícios.
Luís Barbieri afirma que o suprimento de ração orgânica para alimentar um plantel várias vezes maior não será um obstáculo. Hoje a companhia compra soja e milho de produtores das redondezas, mas também processa grãos que vêm de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás.
O executivo diz que a Raiar não é uma simples “compradora”, mas sim uma “originadora” desses insumos orgânicos. “Entrego a semente, os protocolos de manejo e digo: ‘Estou te acompanhando e garanto a compra’.”
Barbieri afirma que a transição para práticas regenerativas é uma inevitabilidade. “O solo está esgotado, a produtividade está caindo. Não é questão de ser sustentável. Para o agricultor, é e sempre vai ser questão de dinheiro.”