Na Raiar, o ovo é orgânico e ponto

Com R$ 150 milhões em investimentos, empresa verticalizou operação com fábrica de ração orgânica e chega aos mercados em abril

Caixas de ovos da granja orgânica Raiar
A A
A A

Ciscando em terreiros já conhecidos, como os da Korin e da Fazenda da Toca, a novata Raiar começa a botar seus primeiros ovos orgânicos nas próximas semanas.

Detalhes do lançamento são mantidos em segredo, mas os fundadores da empresa entregam a chave do seu posicionamento: os ovos chegarão ao consumidor em versão única – inicialmente numa loja online e em alguns supermercados de São Paulo.

“Não acreditamos em ofertar ovos caipiras, cage free, com ômega-3. Raiar é orgânico e ponto”, diz Marcus Menoita, um dos sócios-fundadores da Raiar.

Traduzindo: criação livre de gaiolas, sem antibióticos, sem hormônios, com ração orgânica e, um ponto importante, com certificação. 

A leitura é que existe um problema de rotulagem de ovos no país. Assim como o ovo convencional, o orgânico é regulamentado. Entre esses dois extremos, vale tudo. O consumidor na maioria das vezes não sabe exatamente o que está comprando. “Queremos clarear o entendimento.”

Além do varejo, o segmento de foodservice também está nos planos e fazem parte da costura parcerias com chefs renomados adeptos da gastronomia natural, como Bel Coelho, do Cuia Café e Clandestino.

Fundada há apenas dois anos, a Raiar ainda é uma granja pequena, com 20 mil galinhas – mas foi concebida para ser grande. 

A ideia saiu da cabeça de executivos que fizeram carreira no segmento de comércio e logística de grãos no país e perceberam um grande vazio a ser ocupado no segmento de orgânicos.

Menoita foi CEO da NovaAgri, empresa de logística agrícola do Grupo Toyota, de onde também veio Leandro Almeida. Luis Barbieri comandou o setor de grãos da trading Louis Dreyfus, onde esteve por 16 anos. Completam o time de cinco fundadores Filipe Rinaldi, da RK Partners, e Rafael Bomeny, vice-presidente da Odata, provedora de infraestrutura de data centers na América Latina.

Além da oportunidade de crescimento, um outro fator pesou na decisão de fundar o negócio. 

“Eu comprava comida orgânica para dar ao meu filho, mas no outro dia pela manhã tinha que vender veneno na cadeia produtiva da soja, afetando tantas outras pessoas”, diz Luis Barbieri. “Não tenho dúvida que os agrotóxicos serão a nova barreira não-tarifária da agricultura brasileira. Chegamos no limite e nossa empreitada tem que gerar outro impacto neste mundo.”

Os sócios não querem apenas conquistar um lugar entre os consumidores conscientes. Querem roubar o espaço dos ovos convencionais e saciar a demanda progressiva dos brasileiros.

O consumo per capita de ovos no país aumentou 70% entre 2010 e 2020. No mesmo período, o setor de alimentos orgânicos cresceu em média 20% a cada ano. Os ovos orgânicos são cada vez mais demandados pelos consumidores, mas nem sempre encontrados.

A fatia do mercado de ovos orgânicos no país está estacionada em 0,2%, enquanto nos Estados Unidos é de 7% e na Europa já chega a 25%.

“Não é arriscado trabalhar com uma previsão de share dos ovos orgânicos chegando a 5% na próxima década. O alimento orgânico precisa deixar de ser um produto de nicho para ser o padrão de consumo do brasileiro”, diz Barbieri.

Das atuais 20 mil galinhas produtivas, a Raiar pretende chegar a 160 mil até o fim do ano e 700 mil em cinco anos. 

É a ração

E não é só questão de ter mais aves. Como gosta de dizer Menoita, os ovos são o que as galinhas comem.

“Não existe ovo orgânico em larga escala no Brasil porque não existe produção de grãos orgânicos em larga escala. É uma indústria familiar e pulverizada, sem domínio de grandes players, como ocorre com outras proteínas animais”, diz Barbieri.

De toda a produção nacional de milho, cereal essencial para a alimentação das penosas, apenas 0,02% dos grãos são certificadamente orgânicos, dizem os acadêmicos da área.

A saída encontrada pelos sócios foi verticalizar o negócio. “É aí que está o grande desafio e também a grande oportunidade. Dois anos antes de termos nossa primeira galinha, investimos para ter nossos grãos”, diz Menoita.

A empresa construiu em Avaré, no interior paulista, a maior fábrica de ração orgânica do país. Sem um grande fornecedor confiável de grãos livres de agrotóxicos e transgênicos, a Raiar foi buscar parcerias com pequenos e médios produtores.

“Eram famílias que não tinham um comprador certo para a produção. Começamos adquirindo grãos de nove famílias, hoje estamos em 60 fornecedores e acredito que vamos chegar a 100 até o fim do ano”, diz Menoita.

Os grãos vêm de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Minas e Goiás. A Raiar oferece não apenas a garantia de compra, mas também capacitação técnica para escalar a produção e obter a certificação de produto orgânico.

Em outubro, a Raiar financiou sua rede de agricultores familiares levantando R$ 1,36 milhão através de tokens de impacto lastreados em Cédulas de Produto Rural (CPR). 

Pouco mais da metade das famílias que fornecem para a Raiar é de assentados de reforma agrária, algumas em regiões pobres como o Vale do Ribeira, entre Paraná e São Paulo. 

“Saltam aos olhos os benefícios não apenas econômicos, mas de qualidade de vida na conversão para o manejo orgânico. Essas pessoas não estão mais se expondo a herbicidas, pesticidas e fungicidas a poucos metros de casa”, diz Menoita.

No playground 

A demanda dos consumidores por um manejo ético dos animais vem forçando grandes empresas a abolir ovos provenientes de galinhas confinadas em gaiolas.

Lá fora, esse movimento começou em 2015, com o anúncio de metas progressistas por cadeias de fast-food como o McDonald’s. No Brasil, a tendência ganhou força em 2017, quando o Grupo Pão de Açúcar prometeu abandonar os ovos tradicionais. No entanto, estimativas do setor apontam que 96% dos ovos vendidos no Brasil ainda têm origem em granjas de galinhas confinadas. 

“As grandes varejistas fizeram uma grande promessa e estamos aqui para ajudá-las a cumprir. A saída da gaiola já aconteceu na Europa; nos Estados Unidos está no meio do caminho, e aqui estamos ainda dando os primeiros passos”, diz Barbieri, explicando que os protocolos de manejo de galinhas livres e orgânicas ainda não estão bem estabelecidos no país. 

Segundo os sócios da Raiar Orgânicos, as granjas brasileiras de produção alternativa ainda possuem o design de granjas tradicionais como referência. “O que não faz sentido porque a saída da galinha da gaiola subverte todos os protocolos de produção. Por isso, importamos tecnologia da Holanda, onde a referência de manejo é a da galinha solta há muito tempo”, diz Marcus Menoita. 

Na Raiar, as pintainhas da raça Lohmann Brown, de penas vermelhas, brincam em um sistema chamado jump start. É como se fosse um poleiro tecnológico de grande escala. Nele, à medida que as aves crescem, a altura das escadinhas onde estão sua comida e sua água também aumenta, de modo que as aves aprendem a pular e fortalecem os músculos.

Além disso, fendas no piso do aviário impedem que os dejetos animais se acumulem no ambiente, reduzindo a quantidade de amônia no ar.

A partir da fábrica de ração e dos espaços onde as galinhas crescem e ciscam, a fazenda da Raiar se organiza em módulos, com arruamentos que facilitam a jornada de produção, do berçário até a sala onde os ovos são empacotados.

Atualmente, a produção sustentável de cereais ainda está travada por dois fatores: a dependência de fertilizantes importados e a dificuldade de lidar com plantas invasoras.

Para driblar esses pontos, a empresa se aliou com pesquisadores do campus de Avaré do Instituto Federal de São Paulo (IFSP). “Estamos resgatando técnicas e criamos um banco de sementes para adubação verde, iniciativa premiada pelo programa de inovação social do Massachusetts Institute of Technology. Temos biofertilizantes, biodefensivos, técnicas 100% brasileiras de controle de pragas e de plantio direto”, diz Luis Barbieri.

“Ainda há quem ache improvável fazer tanto grão orgânico nascer. Mas ele está nascendo”, emenda Menoita.

Uma empresa de proteína

Para escalar o negócio até o fim deste ano, estão previstos investimentos totais de R$ 150 milhões. Mas os sócios já começam a mirar os R$ 200 milhões para as próximas etapas. 

Desse total, R$ 46 milhões em capital já foram assegurados em duas rodadas de captação, que atraíram 31 investidores. O restante tem sido financiado por meio de dívida.

Nos canais institucionais da Raiar fica claro que a empresa não se define como um empreendimento exclusivamente de ovos, mas como uma “produtora de proteínas orgânicas que inicia sua trajetória com o ovo”.

Os sócios não dão detalhes sobre qual seria a próxima proteína – mas é tentador supor, considerando os animais que já estão no seu quintal.

“Em três anos já teremos cruzado várias barreiras”, diz Luis Barbieri. “Estamos construindo dois ativos que podem ser fundamentais para o nosso próximo passo no mercado das proteínas orgânicas. Temos um conhecimento de tecnologia e de gestão de produção de ração e de manejo e conversão de animais. Será algo em torno destes dois eixos.”