Na Fazenda Roncador, agro regenerativo mitiga quebra da safra de soja

Na área onde as práticas estão mais maduras, os efeitos do clima extremo foram menos sentidos e a produtividade ficou próxima do projetado

Pelerson Dalla Vecchia, CEO do Grupo Roncador
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Uma das maiores propriedades agropecuárias do país, a Fazenda Roncador, no município de Querência (MT), não ficou imune aos prejuízos da quebra da atual safra de soja.

A fazenda acaba de encerrar a colheita e os resultados mostram que o pioneirismo na implementação de práticas da agricultura regenerativa fez a diferença para mitigar os efeitos climáticos do calor extremo e da falta de chuvas sobre a produtividade.

Com 30 mil hectares plantados, a projeção inicial da Roncador era ter uma produtividade de 66 sacas de soja por hectare, estimativa que não se confirmou.

Em média, foram colhidas 53 sacas por hectare, o que não deixa de ser um resultado relativamente bom diante dos resultados vistos em Querência, de 49 sacas por hectare, mas ainda assim representa uma quebra de 20%.

Mas todas as atenções se voltaram para os 10 mil hectares em que a quebra foi mínima. Ali, cada hectare rendeu 64 sacas de soja.

Neste terço da área plantada da propriedade, a integração lavoura pecuária (ILP) já está mais desenvolvida. Nela também a Roncador já faz o plantio direto, o controle biológico de pragas e remineraliza o solo por meio da prática de rochagem – em que pedras moídas são misturadas na terra para fortalecer e rejuvenescer o solo.

“Quase não tivemos quebra nesses 10 mil hectares. Foi a confirmação de que o caminho é esse”, diz o CEO do Grupo Roncador, Pelerson Dalla Vecchia.

Ele só lamenta não ter alcançado o mesmo desempenho no restante da propriedade. Todos os 30 mil hectares já foram convertidos para a integração lavoura pecuária, mas na maior parte do território o processo é mais recente e os resultados ainda não apareceram. Mas pode-se dizer que já estão contratados.

Um longo caminho

A origem da Roncador está na pecuária. Adquirida pelo patriarca Pelerson Soares Penido – avô de Pelerson Dalla Vecchia – em 1978, a fazenda foi crescendo e se espraiando perto do Parque Indígena do Xingu, pelo interior de Querência, município situado no Vale do Araguaia.

A área total da fazenda ocupa 147 mil hectares. Desses, 66 mil correspondem às reservas legais e áreas de preservação permanente. (Há ainda uma faixa de terra de quase 20 mil hectares, em que a Roncador fez uma joint-venture com a SLC Agrícola.)

Por muito tempo, a propriedade da família Penido seguiu o receituário tradicional da pecuária: reformar o pasto, um processo custoso e que, no passado, até já foi tido como moderno, mas revelou-se danoso ao ambiente com o passar do tempo.

Na virada do século, os donos da Roncador perceberam que precisavam de uma outra saída para ter mais produtividade. “Era preciso interromper aquele ciclo. Então, começamos a plantar pensando em reformar pasto por meio do plantio de grãos”, recorda Dalla Vecchia.

“Mas numa área que não é muito boa, o plantio de grãos também dá prejuízo”, diz. Foi, então, que o grupo passou a testar formas de recuperar a fertilidade do solo.

Em 2008, pouco mais de um terço dos 60 mil hectares de pastagens estavam degradados. Dezesseis anos depois, o cenário é totalmente diferente.

Toda a área produtiva da fazenda hoje está dedicada à integração lavoura-pecuária. E, considerando soja e gado, a quantidade de alimentos aumentou consideravelmente, passando de 4,9 mil toneladas em 2008 para 235 mil toneladas em 2020.

O ciclo da integração começa em outubro de cada ano, quando a soja é plantada. As sementes vão fixando nitrogênio no solo até serem colhidas, em fevereiro do ano seguinte.

Logo após a colheita, há a plantação de milho e capim. O capim cresce em apenas 40 dias e, como o solo já está rico em nutrientes pela fixação de nitrogênio vinda da soja, a partir de abril o gado consegue comer uma gramínea de melhor qualidade em meio a um período de secas.

A palha do capim que sobra ajuda na cobertura do solo, contribuindo para a melhoria da saúde da terra, tanto para o cultivo da soja meses depois, quanto para a pastagem do gado no próximo ano. Além disso, os resíduos do gado também contribuem para a manutenção da vida na terra.

Em outubro, finalmente, o gado dá lugar à soja, quando o clima já está mais chuvoso, e assim o ciclo se completa.

“A pessoa chega lá no meio da seca e fala: ‘mas, o que aconteceu aqui na fazenda? Choveu?’ Eu chego de avião no Mato Grosso e vejo tudo cinza, mas, lá no meio, tem uma faixa verde, que é a área da fazenda. É de arrepiar”, diz Dalla Vecchia.

Melhorar o solo

Mais recentemente, outras práticas regenerativas também entraram no radar da Roncador, contribuindo para a melhoria da produtividade. 

Nos últimos quatro anos, a fazenda passou a aplicar defensivos biológicos, que fazem o controle de pragas e doenças a partir de organismos vivos.

Neste ano, a fazenda quer colocar de pé uma biofábrica dentro da propriedade e, com isso, passar a aplicar os defensivos biológicos em toda a área plantada.

A ideia não é necessariamente banir os defensivos químicos de vez, mas sim usá-los de forma localizada e apenas quando necessário.

“Vamos substituindo na medida do possível os defensivos químicos pelos biológicos. Mas sem radicalismo. Usamos os químicos também quando é preciso.”

Em outra frente, a fazenda utiliza a rochagem para adubação do solo.

A técnica ficou mais conhecida nos últimos anos, após os preços dos fertilizantes terem disparado no mercado internacional e consiste na aplicação de pó de rocha na terra para que ocorra a remineralização do solo. Na Roncador, o insumo vem da mina de calcário do próprio grupo.

A lavoura recebe ainda o que ele chama de “sopa da floresta”, um substrato feito a partir do material orgânico das folhas secas das árvores da reserva da fazenda, como forma de repovoar o solo com microrganismos. “Isso é a calda do nosso pulverizador.”

Além da produtividade

Novas oportunidades financeiras vieram a partir da transformação da fazenda. Em 2020, por exemplo, a Roncador foi a primeira no Brasil a receber um financiamento de US$ 10 milhões do &green, fundo europeu que opera com blended finance. 

Os recursos ajudaram a financiar a conversão da área remanescente para a ILP.

Toda a transformação dos processos produtivos da Roncador trouxe ainda uma mudança radical no balanço de gases de efeito-estufa. 

Se, em 2008, a fazenda contabilizou 62,8 mil toneladas de CO2 equivalente lançados na atmosfera, na safra 2020/2021 o sinal se inverteu e a fazenda passou a fixar no solo e nas plantas 61,2 mil toneladas de CO2 equivalente.

No futuro, Dalla Vecchia acredita que o carbono estocado poderá render frutos. “Hoje a metodologia ainda não é clara, mas estão aparecendo possibilidades. É uma questão de tempo.”