A América Latina concentra 50% da biodiversidade global e é a região que mais exporta alimentos para o mundo, mas conta com diversos desafios nas atividades de agricultura, logística e tratamento do lixo, setores que representam 48% do total das emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global da região.
O contexto demanda soluções inovadoras, rápidas e eficientes para, ao mesmo tempo em que seguimos alimentando a população mundial, possamos preservar os recursos naturais e nos adaptar às mudanças climáticas. Essas soluções, que passam pelo uso mais eficiente dos recursos naturais e pela redução do lixo e do desperdício, são conhecidas como tecnologias verdes, ou greentechs.
Se quisermos viabilizar e facilitar a transição para uma economia mais verde, precisamos encontrar as melhores inovações para eficiência energética, gestão de resíduos, agricultura sustentável e eficiência logística.
A seguir, apresento as 9 tendências em greentech que acredito que irão ganhar muita relevância em 2024 na América Latina, gerando impacto ambiental e social significativo e moldando o futuro da economia:
Agro e uso da terra
1. Agricultura de precisão: São tecnologias que proporcionam uma gestão mais eficiente e sustentável dos recursos agrícolas, permitindo aos produtores a tomada de decisão mais fundamentada, aumentando a produtividade e reduzindo custos. Alguns exemplos de precisão na agricultura são inteligência artificial aplicada a gargalos agrícolas, sensoriamento e monitoramento remoto, previsibilidade climática e aplicação variável e precisa de fertilizantes e defensivos.
2. Biotecnologia na agricultura: A biotecnologia será cada vez mais aplicada na genética de plantas e sementes, assim como no combate de pragas e pestes. As inovações e pesquisas em biotecnologia aplicada à agricultura irão desempenhar um papel crucial, oferecendo ferramentas ainda mais específicas para melhorar a resiliência de diversas plantas e solos e encontrando novas e melhores formas de se adaptar aos desafios do clima.
3. Rastreabilidade e compliance no agro: Em diversos países estão sendo aprovadas regulamentações para pressionar e influenciar a importação de alimentos de origem mais sustentável, que poderá ser verificada com uma melhor rastreabilidade da cadeia de produção. Produtores e exportadores terão que se ajustar para cumprir a nova regulamentação para seguir atendendo esses mercados, como o da União Europeia (com lei recém-aprovada em 2023). Com um prazo curto para se adaptar, será necessário recorrer à tecnologia para digitalizar processos de rastreabilidade, incluindo monitoramento em tempo real dos estoques, coleta automatizada de dados, entre outros, a fim de minimizar perdas financeiras, aumentar a eficiência e expandir a participação de mercado. Em breve isso será um pré-requisito para todos os participantes do mercado e tais mudanças já devem ser vistas em 2024.
Energia limpa e eficiente
4. Eficiência do sistema elétrico: Melhorar a infraestrutura da rede elétrica instalada não é uma demanda recente, mas encontrou sua luz no fim do túnel com o uso de tecnologia. Temos começado a ver inovações para aumentar a eficiência da rede, por meio do uso de sensores, mecanismos computacionais automatizados e sistemas de monitoramento de dados em tempo real, ajudando a eliminar congestionamentos na rede e aumentando a estabilidade do fornecimento. Em 2024, veremos o crescimento dessas soluções que devem impactar diretamente as tarifas dos consumidores graças aos menores custos de manutenção da rede, uso otimizado da capacidade instalada e a possibilidade de faturamento variável com base na quantidade efetiva de energia transmitida e consumida.
5. Mercado livre de energia: A abertura desse mercado vem acontecendo de maneira gradual no Brasil, mas 2024 marca um grande passo desse processo. Desde janeiro, um novo grupo de 106 mil consumidores já podem migrar para esse novo ambiente de contratação livre, optando pela compra de energia elétrica de qualquer concessionário do Sistema Interligado Nacional. Até então, somente empresas de grande porte estavam autorizadas a negociar nesta modalidade. Apesar de ainda serem necessários alguns anos até que essa opção esteja disponível para todos os consumidores de baixa tensão, a abertura gradual já vem gerando um ambiente mais competitivo de oferta de energia e uma conta de luz mais barata. A tecnologia vai cumprir o papel de ajudar a remodelar a forma como a energia é gerada, transacionada e consumida.
Logística e transporte
6. Eletrificação de frota: Quase um quinto das emissões de gases do efeito estufa globais provém do impacto do setor do transporte, principalmente do rodoviário. Soluções de biocombustíveis, como o etanol, e a eletrificação ganham força nesse contexto. O cenário é positivo para o Brasil, pelo potencial de desenvolvimento de biocombustíveis e pela matriz energética que incentiva fontes sustentáveis. Este ainda será um ano de discussões sobre como essa expansão vai se dar na América Latina, dadas as necessidades de adaptação de infraestrutura e tecnologia.
7. Eficiência rodoviária: A indústria de caminhões tem um papel essencial na cadeia logística de abastecimento da América Latina, mas sofre com os altos custos operacionais, a infraestrutura precária e os desafios na cadeia de abastecimento. Todos esses problemas afetam os preços, resultando em custos logísticos mais altos no transporte de cargas entre portos, centros de consumo, centros de distribuição e instalações de produção. O cenário abre boas oportunidades de investimento em soluções integradas e digitalizadas especializadas em nichos de eficiência logística.
Economia circular e gestão de resíduos
8. Reciclagem mandatória: A Política Nacional de Resíduos Sólidos estabeleceu que 2024 será o ano para dar um fim aos lixões irregulares em todos os municípios do Brasil. Isso deve impulsionar o crescimento de ferramentas e novas soluções focadas em viabilizar esse movimento. A força da lei e a grande complexidade da aplicação da logística reversa em diversas cadeias criam um terreno propício para inovações de grande impacto. Já surgiram novos modelos como associações, marketplaces e empresas com softwares de gestão de resíduos e rastreabilidade, com modelos de negócios altamente promissores e com uma avenida enorme de crescimento pela frente.
9. De resíduo para produto: O avanço de tecnologias que ajudam a transformar “resíduo em produto” não é apenas valioso, mas crucial em um cenário em que estamos acumulando lixo em excesso sem saber como descartá-lo apropriadamente. Um destaque para este ano está em tecnologias que transformam o resíduo em energia, como o biogás, o etanol de segunda geração e o biometano. O “lixo”, ou subproduto, oferece uma solução para dois desafios ambientais significativos: reutilizar o grande volume de resíduos produzido pela sociedade e, ao mesmo tempo, reduzir a dependência de combustíveis fósseis.
* Flavio Zaclis é CEO e fundador da Barn Invest, gestora de capital de risco dedicada a investimentos em tecnologias verdes (greentechs), e tem mais de 20 anos de experiência em private equity e venture capital na América Latina. É formado em Administração de Empresas pela Goizueta Business School da Emory University.