A fase final de uma enorme “bateria d’água” deve ser inaugurada em março em Portugal. O nome técnico desse tipo de estrutura é hidrelétrica reversível, mas sua função é exatamente igual à de uma bateria comum.
O complexo do Tâmega, no norte do país, vai armazenar a energia excedente gerada por usinas eólicas e solares e despachá-la quando essas fontes não estão produzindo. O sistema guarda eletricidade suficiente para carregar 400 mil baterias de carros elétricos ou abastecer 2,4 milhões de residências.
Construído pela espanhola Iberdrola, o complexo do Tâmega custou € 1,5 bilhão. Duas das três usinas que compõem o sistema já estão operando. A empresa também é dona da maior hidrelétrica reversível da Europa, o de Cortes-La Muela, na Espanha.
Para entender como funcionam essas “baterias d’água”, pense em dois reservatórios de água localizados em alturas diferentes.
Durante o dia, enquanto painéis solares estão em funcionamento e há energia sobrando no sistema, a eletricidade é usada para bombear a água do reservatório mais baixo para o mais alto, carregando a bateria.
Quando a noite cai e a demanda aumenta, o processo se inverte: as portas do reservatório superior se abrem, e a água movimenta turbinas transformando em eletricidade a energia cinética acumulada.
O crescimento acelerado da geração eólica e solar, ambas fontes intermitentes, tem sido acompanhado da busca por maneiras que garantam o fornecimento sem interrupções.
As soluções vão de baterias de íons de lítio do tamanho de contêineres espalhadas em grandes áreas a soluções semelhantes à portuguesa, mas que erguem pedras em vez de água para capturar a energia.
Em 2021, o governo do Rio Grande do Norte firmou uma parceria com a startup Energy Vault, que desenvolveu uma “bateria de pedra” para armazenar energia em blocos de concreto de 35 toneladas.
China à frente
Hoje, as hidrelétricas reversíveis ainda respondem por quase a totalidade do armazenamento de energia no mundo, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE).
A tecnologia tem quase cem anos, e durante muito tempo esteve restrita aos Estados Unidos – onde foi criada a primeira estrutura desse tipo, em 1930 – e à Europa.
Nos últimos anos, a China assumiu a liderança. Hoje, os chineses concentram 30% do total da energia reversível do mundo, com uma capacidade de 50,7 GW, quantidade que equivale à de todos os países europeus juntos, de acordo com dados do Global Energy Monitor.
Em 2021, o país lançou um plano audacioso que prevê investimentos para ampliar sua capacidade de ‘baterias d’água’ para 62 GW até 2025, chegando a 120 GW até 2030. Como comparação, a hidrelétrica de Itaipu tem uma capacidade total de geração de 14 GW.
A Austrália foi outro país que também voltou suas atenções para as usinas reversíveis nos últimos anos. Em 2019, o país lançou um megaprojeto chamado Snowy 2.0, com capacidade de 2,2 GW, para ligar duas barragens por um túnel subterrâneo de 27 quilômetros.
O custo
Em tese, as baterias d’água seriam a solução ideal para um dos problemas essenciais da energia renovável. Mas elas precisam de terrenos com topografia e localizações ideais, envolvem enormes projetos de engenharia – com grande impacto socioambiental – e custam caro.
As estimativas mais recentes para o projeto australiano apontam para um custo final de US$ 12 bilhões, seis vezes maior que primeiro orçamento. A obra só deve ser concluída em 2029 – inicialmente, estava prevista para ficar pronta neste ano.
Para construir a operação do Tâmega, a Iberdrola precisou de um financiamento de 650 milhões de euros do Banco Europeu de Investimento.
Para manter vivo o limite de 1,5°C na temperatura global, serão necessários muitos novos projetos parecidos com o de Portugual, calcula a Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA, na sigla em inglês): os atuais 161 GW teriam de chegar a 420 GW até 2050.