
Há milhares de anos, um acaso da natureza criou o amendoim como o conhecemos hoje. Mas as mudanças climáticas estão ameaçando essa oleaginosa. Segundo a Mars, dona dos chocolates M&M’s e Snickers, 30% da plantação de amendoim não chega ao prato devido a extremos de temperatura e pragas.
Isso afeta diretamente os negócios da Mars, uma das maiores compradoras de amendoim do mundo – ela consome 136 mil toneladas por ano do insumo. Por isso, a multinacional americana lançou um programa para financiar laboratórios de genética agrícola em diferentes países, inclusive no Brasil. O objetivo é criar novas variedades mais resistentes à doenças e à imprevisibilidade do clima.
“Sabemos que o amendoim perfeito não será descoberto por acaso. Serão necessários investimentos de longo prazo, engenhosidade científica e a dedicação de parceiros para transformar o potencial em progresso”, disse Amanda Davies, diretora de pesquisa e desenvolvimento, compras e sustentabilidade da Mars, em nota.
O programa – chamado Plano Mars Proteja o Amendoim – vai investir US$ 5 milhões nos próximos cinco anos em ciência genômica aplicada à agricultura. Segundo a empresa, os investimentos em pesquisa na última década somaram US$ 10 milhões. No ano passado, a Mars faturou US$ 54,6 bilhões em 2024, segundo a Bloomberg.
Entre os investimentos na pesquisa do amendoim esteve o mapeamento do seu genoma, que descobriu 2,5 bilhões de pares de DNA do grão. O resultado foi compartilhado como ciência de código aberto, disponível para toda a indústria.
A empresa também tem iniciativas para o cacau, outro insumo relevante para a sua produção. Investimentos de US$ 1 bilhão foram anunciados em 2018 para a década, com destaque para uma tecnologia genética capaz de cortar e “remendar” partes do DNA, tornando a fruta mais resistente às variações do clima e a pragas.
Do laboratório ao campo
A Mars apoia pesquisas de seis universidades e instituições de pesquisa nos Estados Unidos, na Argentina e no Brasil. Aqui, a Mars tem parceria com o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para pesquisas de cruzamento com espécies selvagens.
Uma das novas variedades desenvolvidas pelo Instituto Agronômico, conhecida como IAC Sempre Verde, já é cultivada no Brasil e dispensa o uso de fungicidas. Segundo um estudo da IAC, essa nova variedade é altamente resistente à mancha preta e à ferrugem, as principais doenças do cultivo de amendoim no país. “Foi a primeira possibilidade para o cultivo de amendoim sob manejo orgânico”, dizem os pesquisadores.
A técnica aplicada no amendoim é de mapeamento do DNA e seleção assistida por marcadores moleculares. A variedade é usada por agricultores orgânicos para a confecção de produtos de grãos moídos, como paçoquinha, pé-de-moleque e pasta de amendoim, ou para a indústria de óleo.
Outras duas variedades com alta resistência à mancha preta estão a caminho para os próximos anos, e agregam à resistência a doenças, a maior produtividade e a melhor qualidade dos grãos, segundo os pesquisadores do IAC, Ignácio Godoy e Marcos Michelotto. “Esse trabalho só foi possível através da seleção assistida por marcadores moleculares”, afirmam.
No Laboratório de Amendoim Selvagem da Universidade da Geórgia, os cientistas cruzam amendoins cultivados com espécies selvagens mais resistentes a pragas e variações climáticas. A Mars estima aumentar em 30% a produção de amendoins com as novas variedades desenvolvidas neste projeto.
“O amendoim foi um acidente da natureza que acontece uma vez a cada milênio, mas não podemos nos dar ao luxo de esperar que a sorte aconteça duas vezes”, disse Soraya Bertioli, cientista da Universidade da Geórgia.
O amendoim teve origem na América do Sul a partir da união de duas espécies diferentes, resultando em uma espécie híbrida que se tornou fértil e apta para cultivo. Com sementes ricas em óleo e proteína, que podiam ser consumidas cruas, foi um alimento altamente nutritivo e de fácil digestão para o homem pré-histórico. Registros arqueológicos datados do período inicial (3.800 a 2.900 a.C.), encontrados no Peru, confirmam essa importância.
A evolução da planta está também ligada à migração humana e à troca entre diferentes culturas. Um exemplo é a espécie Arachis stenosperma, que ocorre no Brasil em duas regiões: o Cerrado (Mato Grosso) e a Mata Atlântica (São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná). Essa distribuição provavelmente é resultado da ação de povos indígenas que levaram e cultivaram a planta nesses locais.
Apesar do potencial, a edição genética levanta debates bioéticos. Os defensores apontam benefícios como menor perda de safra e maior segurança alimentar. Críticos alertam para os riscos de impactos nos ecossistemas, com necessidade de avaliar as aplicações caso a caso. A União Europeia discute novas diretrizes para cultivos com edição genética.