A startup que quer ajudar o agro a deixar de ser vilão das abelhas

GeoApis usa tecnologia para avisar apicultores quando e onde os defensivos serão aplicados, protegendo os insetos; piloto com a BASF mira em créditos de biodiversidade

A startup que quer ajudar o agro a deixar de ser vilão das abelhas
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Do Rio Grande do Sul ao Pará, de tempos em tempos as mortes de milhões de abelhas viram notícia e o prejuízo à biodiversidade com a exterminação dos polinizadores mais eficientes do mundo é relembrado. 

O uso de agrotóxicos é o principal responsável pela morte das abelhas, que tem atingido o patamar de 500 milhões de abelhas mortas em um único ano em diferentes Estados do Brasil. No início deste ano, em um passo para mudar o cenário, o  Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) restringiu parcialmente o uso de fipronil, um inseticida prejudicial às abelhas – que ainda pode ser usado no solo, mas não pulverizado. 

“O apicultor não conhece o mundo do agro e o agro não conhece o mundo das abelhas. Falta assistência técnica e sistematização”, diz Elaine Basso, fundadora e CEO da startup GeoApis, que busca resolver esse problema. 

Engenheira agrônoma e então conselheira da Associação Brasileira de Estudo das Abelhas (A.B.E.L.H.A.), há dez anos Basso começou a ser contratada por empresas do agronegócio para entender a relação entre os agrotóxicos e a mortalidade dos insetos. “O diagnóstico que fiz mostrou que a morte ocorre, no geral, quando o defensivo agrícola é usado de forma incorreta ou indevida ou comprado ilegalmente.”

Em 2019, dentro da associação, surgiu o que viria a ser GeoApis, uma plataforma que usa georeferenciamento e conecta produtores rurais com apicultores. As empresas que contratam o serviço da startup sabem onde estão os apiários próximos e podem decidir qual o melhor manejo nas áreas sensíveis – como qual o produto a ser usado, o modo de aplicação e qual o raio impactado por determinada aplicação. 

A carteira de clientes conta com mais de 20 empresas, incluindo as quatro usinas da São Martinho e o grupo Colombo Agroindústria, ambos grandes produtores de etanol. São quase um milhão de hectares monitorados em São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul.

Na outra ponta, o aplicativo é gratuito para apicultores que, ao se identificarem, passam a receber alertas de ações das empresas vinculadas à GeoApis que possam atingir suas abelhas. “Nós emitimos pela plataforma um aviso para os apicultores que ficam num raio de até seis quilômetros de que será realizado um manejo agrícola com determinado produto em tal horário e dia, com um pedido para que monitorem suas abelhas”, diz Basso. 

Sediada em Piracicaba, no interior de São Paulo, a GeoApis conta com 15 funcionários. Todo investimento foi feito com capital próprio e, por enquanto, não há uma busca ativa por investidores. 

Os desafios estão no contínuo melhoramento da tecnologia e, acima de tudo, o aumento da confiança entre as partes envolvidas. “Nosso negócio é relativamente novo, tem cinco anos, enquanto a dor é antiga e já existe muito conflito em campo”, afirma a empreendedora. 

Por trás das abelhas

A GeoApis combina tecnologia com trabalho em campo. Quando a empresa é contratada por um produtor agrícola, a equipe realiza um estudo do território para compreender a vocação apícola do local e registrar na plataforma onde há colmeias e apiários, e as espécies de abelhas. 

A startup também registra áreas de produção agrícola familiar e orgânica, assentamentos e diferentes culturas que podem ser impactadas pela produção agrícola de larga escala. 

“Atrás dos apicultores, há a agricultura familiar e pessoas com quem precisamos nos engajar. Elas precisam se sentir parte desse trabalho de prevenção e monitoramento”, diz Basso. Esse trabalho é feito por meio de relacionamento com a comunidade local, oficinas ambientais, educação técnica e trabalhos em escolas. 

A busca pelo serviço da GeoApis pelos grandes produtores se dá “tanto pela dor quanto pelo amor”, de acordo com a empreendedora. Quando empresas são diretamente responsáveis pela morte de abelhas, os apicultores denunciam na mídia e no Ministério Público, por exemplo. Ao mesmo tempo, há quem reconheça a necessidade das abelhas para o ecossistema e a importância da boa relação com a comunidade na zona rural. 

Quando o apicultor registra a morte de suas abelhas no GeoApis, a equipe analisa se há ligação ou não com o manejo agrícola realizado pela empresa-cliente. Ao longo desses anos, a mortalidade foi zero entre seus clientes, afirma Basso. 

Assim, a startup ampara os apicultores com apoio técnico e auxílio na relação com a fiscalização responsável no município. 

“Em um trabalho com pessoas e abelhas, um indicador ambiental tão importante, o projeto precisa ser contínuo. Não dá para ser pontual”, diz.

A empresa também está desenvolvendo uma solução para o ambiente urbano, o AlôBee. A ideia é proteger os produtores de abelhas em cidades, que podem ser afetadas pela aplicação do conhecido fumacê, um inseticida. 

Créditos de biodiversidade

A startup também participa de um programa piloto desenvolvido pela BASF e a ONG Solidaridad, que promove práticas agrícolas sustentáveis na América Latina. A gigante alemã, a maior empresa de químicos do mundo, quer medir o impacto da biodiversidade – neste caso, a segurança das abelhas – na produtividade da soja.

Embora a cultura na maior parte dos casos se autopolinize, a polinização realizada por abelhas e outros insetos pode aumentar a quantidade e melhorar a qualidade dos grãos.

O programa começou em janeiro, e a primeira fase vai até o fim do ano. Um dos objetivos é obter métricas e práticas produtivas que possam servir de base para créditos de biodiversidade.

A visão é que se estabeleça para a natureza um mercado semelhante ao de carbono, com empresas remunerando práticas que estimulem a proteção ou regeneração da biodiversidade.

As iniciativas desse tipo ainda são pequenas e pontuais, e existem controvérsias sobre o que significariam esses créditos. Críticos afirmam que eles não podem servir de compensação: uma tonelada de carbono é a mesma no planeta inteiro, mas a biodiversidade está diretamente ligada ao território.