A tempestade de sexta passada deixou sete mortos no Estado de São Paulo e milhões de paulistanos no escuro durante dias (muitos ainda seguem sem luz). O prefeito da capital, Ricardo Nunes, descreveu a situação como “excepcional, muito fora do contexto”.
De que contexto fariam parte os eventos dos últimos dias se não o da mudança do clima? Estamos em 2023. É impossível ler o noticiário sem se deparar com alguma tragédia climática, no Brasil ou no resto do mundo.
Se tivesse parado no adjetivo, Nunes estaria certo. Os ventos que acompanharam o temporal atingiram a velocidade de furacões. Quem mora na cidade sabe que isso não é normal.
Ou não era, pois os cientistas vêm avisando há décadas que as consequências do efeito estufa são eventos extremos mais frequentes e mais intensos.
Os esforços para reduzir as emissões de CO2 costumam receber mais atenção. Faz sentido. Se o mundo não parar de queimar combustíveis fósseis, o problema só vai se agravar.
Mas o enfrentamento da mudança climática não se faz só com carros elétricos, hidrogênio verde e créditos de carbono. Podar árvores também entra na lista. Contratar mais funcionários para fazer consertos emergenciais, também.
Planejar é preciso
A nova realidade climática exige mobilização em todos os níveis. O governo federal negocia nas COPs, mas as prefeituras é que sabem em quais encostas há risco de deslizamento, que córregos sempre inundam com a chuva.
O conhecimento local é o ponto de partida. Vários municípios brasileiros, incluindo São Paulo, já prepararam ou estão preparando seus planos de ação climática.
A ideia é diagnosticar as áreas mais sujeitas a problemas e traçar estratégias para eliminar, ou ao menos minimizar, os riscos.
Pelo menos essa é a teoria, diz Sérgio Margulis, um dos maiores conhecedores do assunto no país. “A agonia da questão climática é que países em desenvolvimento têm problemas de educação, de saúde, de segurança, de infraestrutura e agora também têm que se preocupar com a adaptação.”
Margulis foi economista da área de meio ambiente do Banco Mundial por mais de 20 anos e hoje trabalha como consultor na elaboração de planos climáticos municipais.
Nem sempre haverá dinheiro suficiente para medidas realmente necessárias, como retirar populações de áreas sujeitas a deslizamentos de terra.
Mas “a grande receita é focar nas áreas mais vulneráveis”, afirma Margulis. “Melhorar infraestrutura de transporte, de drenagem, a resiliência das casas.”
Ano após ano, os países mais pobres do mundo vão às COPs pedir justiça climática. Um exemplo são as enchentes na Líbia, que deixaram 4,3 mil mortos e milhares de desaparecidos um mês atrás. Ou então as tragédias de Petrópolis (RJ), em fevereiro de 2022, e de São Sebastião, um ano depois.
A responsabilidade das empresas
Mas a responsabilidade não é só do poder público. No caso de São Paulo, a concessionária Enel também deve explicações sobre a demora no restabelecimento dos serviços – mas principalmente sobre o que será feito para evitar a repetição do apagão no futuro.
Não se trata só de manter o fornecimento de eletricidade para a maior cidade brasileira nas condições estabelecidas no contrato de concessão.
Para a Enel (e outras empresas que operam grandes redes físicas de distribuição ou de transmissão) a preparação para eventos fora da curva tornou-se uma obrigação do negócio.
Ações de companhias de serviços essenciais, como as distribuidoras de energia, com seus clientes cativos e pagamentos regulares de dividendos, sempre foram uma aposta segura em portfólios de investimento equilibrados.
Não há garantias de que essa convicção vá perdurar. Alguns anos atrás a McKinsey tentou estimar os prejuízos e receitas perdidas por empresas americanas em sete Estados normalmente atingidos por furacões.
Uma companhia energética típica teve perdas de US$ 1,4 bilhão, na média, ao longo de 20 anos. Com a mudança do clima, a consultoria estimou que esse número subiria 23% até 2050.
Com investimentos de US$ 700 milhões a US$ 1 bilhão, boa parte desses riscos seriam mitigados, segundo a McKinsey.
São climas e realidades econômicas muito diferentes, mas o que interessa aqui é a ordem de grandeza e a nova lógica que a mudança climática impõe a certos negócios.
Certezas e incertezas
Como no caso da redução das emissões de gases do efeito estufa, o desafio é complexo. Nem todas as informações necessárias estão disponíveis.
Margulis dá o exemplo das zonas costeiras. “Não temos um conhecimento preciso da altimetria, então é difícil prever que regiões estão mais expostas a ressacas ou grandes cheias.”
Faltam dados e, é claro, faltam recursos. Medidas de adaptação climática concorrem pela atenção e pelo orçamento dos gestores públicos. Mas adiar a ação significa pagar um preço mais alto no futuro, em dinheiro e potencialmente em vidas.
Ninguém pode afirmar quando ou onde vai acontecer a próxima tempestade – mas ninguém pode negar que ela virá.
É hora de começar a podar as árvores.