ANÁLISE

O G20 pode ajudar, mas não resolve a COP29

Declaração do Rio reafirma importância do multilateralismo e da cooperação pelo clima, mas decisões cruciais sairão de Baku

Foto oficial dos líderes do G20
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Baku, Azerbaijão – A declaração final dos países do G20 saiu na madrugada desta terça-feira em Baku, enquanto os participantes da COP29 dormiam o sono dos justos depois de sete dias intensos de programação oficial. Pela manhã, começaram a aparecer as primeiras reações. No geral elas foram positivas, mas se terão repercussões concretas para o financiamento do mundo em desenvolvimento, o tema principal da conferência, ainda é incerto.

É importante entender os papéis e mandatos das reuniões do Rio de Janeiro e de Baku. Em resumo: o G20 declara; a COP decide. Os líderes reunidos no Brasil formam um grupo de 19 países, mais a União Europeia e a União Africana, com foco primordial em questões econômicas – e por consequência os impactos da mudança do clima.

Eles não representam um tratado, e seus comunicados não têm força de lei internacional, diferentemente das decisões tomadas nas COPs.

Mas é claro que esses dois fóruns estão intimamente conectados.

A urgência climática é uma só, e os integrantes do G20 são responsáveis por cerca de 80% das emissões de gases de efeito estufa. As sinalizações que vêm do Rio são importantes em Baku, mesmo sem efeito prático.

Havia grande expectativa de que a declaração do Rio repetisse a linguagem histórica adotada – a muito custo – sobre uma “transição que se afaste dos combustíveis fósseis”. O texto “subscreve” o Consenso dos Emirados Árabes Unidos, que inclui esse trecho chave e o objetivo de triplicar as renováveis até 2030, mas sem a aguardada reafirmação sobre os principais causadores da crise climática.

A omissão é atribuída principalmente aos sauditas. Em Baku, as tentativas de desdobrar o “afastamento” decidido na COP do ano passado em algum tipo de prazo ou medida mais prática tem sido bloqueado pelo país. Embora não seja a questão mais candente desta COP29, espera-se que o tema volte ao topo da agenda, talvez já em Belém.

“A ausência desse compromisso levanta sérias preocupações sobre como o mundo vai seguir adiante com esse resultado alcançado na COP28”, diz Stela Herschmann, especialista em políticas climáticas do Observatório do Clima.

A frustração dos observadores foi compensada por dois itens centrais das discussões em Baku: as finanças climáticas e o multilateralismo.

Os líderes do G20 reafirmaram “um forte comprometimento com o multilateralismo, especialmente diante do progresso obtido sob a Convenção do Clima e o Acordo de Paris”. Em outros tempos a frase passaria despercebida, mas duas semanas depois da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos o recado tem endereço claro.

O abandono de Baku pelos negociadores da Argentina, somado à ameaça de saída formal de americanos e argentinos de Paris, coloca em primeiro plano a cooperação climática internacional. Antes do início da COP, um dos temores era que o restante do mundo tirasse o pé do acelerador por causa de Trump. Nas sessões oficiais e reservadamente, os diplomatas afirmam que esse risco parece afastado.

Mas isso não quer dizer que o sistema não seja frágil. A três dias do fim da conferência, ainda é enorme a distância entre os recursos que os países em desenvolvimento demandam e o que o mundo industrializado está disposto a pagar.

Uma das agendas prioritárias do Brasil na presidência do G20 era avançar na reforma dos bancos de desenvolvimento multilaterais como alavancas de recursos privados para o financiamento climático. O tema avançou, bem como a criação de uma força-tarefa com a missão de destravar o fluxo de dinheiro não-governamental.

Ambas as iniciativas são essenciais para que se atinjam os trilhões de dólares necessários para cortar emissões e fazer as adaptações em países que em termos históricos lançaram muito pouco CO2 na atmosfera – mas pagam a maior parte da conta em termos de vidas e perdas econômicas.

O mundo em desenvolvimento não vai recusar ajuda. Mas, na COP, a posição dos mais vulneráveis pode ser resumida da seguinte maneira: obrigado, mas precisamos de compromissos que possam ser colocados no papel e que podem ser cumpridos.

As partes das conferências do clima são os governos nacionais. Eles só podem fazer promessas com relação a seus orçamentos.

Até a manhã desta terça-feira, ainda estão sobre a mesa propostas que consideram somente doações do mundo rico, uma que pede que China e países do Golfo Pérsico entrem como pagadores, e um modelo que junte recursos públicos e privados. Isso sem considerar o valor, outra discordância crucial para o sucesso da COP29.

Talvez a Declaração do Rio não tenha avançado o quanto poderia, mas sob a sombra de Donald Trump e com a presença de seu lacaio Javier Milei, o fato de não ter havido grandes retrocessos não deixa de ser uma conquista.

E o papel dos brasileiros segue fundamental em Baku. Na tarde de ontem, os anfitriões azerbaijanos nomearam representantes do Brasil e do Reino Unido para ajudar a desfazer os muitos nós que podem impedir o sucesso da conferência.

Mukhtar Babayev, o presidente da COP, nem precisaria ter pedido a ajuda para Ana Toni, secretária de Mudança do Clima, e para os diplomatas do Itamaraty. O interesse do Brasil é impedir que sobrem pendências de Baku para resolver em Belém.