COP28 termina com acordo histórico para transição de fósseis

Conferência aponta caminho para o mundo pós-carbono pela primeira vez em três décadas; bloco do petróleo bloqueia linguagem mais incisiva

COP28 termina em Dubai com menção histórica a combustíveis fósseis no documento final
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DUBAI – Depois de caminhar perigosamente à beira do precipício, a COP28 foi encerrada na manhã desta quarta-feira em Dubai com a primeira menção a combustíveis fósseis em um documento oficial em quase 30 anos de conferências do clima.

O documento final fala em uma “transição que se afaste dos combustíveis fósseis, acelerando a ação nesta década crítica”. Os esperados termos “redução” (phase down) ou “eliminação” (phase out) ficaram de fora.

A pressão por uma declaração incisiva tinha apoio de europeus, americanos, brasileiros e dos países mais vulneráveis, mas não foi capaz de vencer a resistência dos países do cartel do petróleo, encabeçados pela Arábia Saudita.

As decisões dependem da concordância unânime de quase 200 países.

Mas o texto adotado é claro sobre a necessidade de alinhar os esforços globais com a ciência para limitar o aumento da temperatura de 1,5°C.

Havia a ameaça real de fracasso, dada a distância das posições. A solução possível foi listar oito ações que os quase 200 signatários da Convenção do Clima são chamados a tomar, respeitando as “diferentes circunstâncias nacionais”.  São elas:

  • Triplicar as energias renováveis e dobrar a eficiência energética até o fim desta década;
  • Acelerar os esforços para reduzir o uso de carvão cujas emissões de CO2 não foram abatidas;
  • Acelerar os esforços globais para sistemas energéticos net zero, usando combustíveis de zero ou baixo carbono antes ou por volta da metade do século;
  • Fazer a transição que nos afaste dos fósseis nos sistemas energéticos de forma justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica;
  • Acelerar tecnologias de zero ou baixas emissões, incluindo entre outras as energias renováveis, nuclear, hidrogênio de baixo carbono e captura de carbono, particularmente nos setores de difícil descarbonização;
  • Reduzir substancialmente as emissões de metano até 2030;
  • Reduzir as emissões do transporte rodoviário, incluindo a infraestrutura para permitir carros de zero ou baixas emissões;
  • Eliminar gradualmente os subsídios aos combustíveis fósseis não associados à redução da pobreza energética ou a transição justa.

Esses itens compõem o 28º parágrafo do primeiro Balanço Global do Acordo de Paris, a decisão mais importante entre os vários da agenda de Dubai.

“Entregamos um plano de ação robusto para manter o [limite de] 1,5°C ao alcance”, disse o presidente da conferência, Sultan Al Jaber. “Não se enganem: é um pacote histórico para acelerar a ação climática.”

O balanço serve de guia para a próxima rodada de planos nacionais de descarbonização. Chamadas de NDCs, essas estratégias serão apresentadas até o início de 2025, ano da COP30, em Belém do Pará.

Em uma vitória importante da delegação brasileira, foi criado um grupo para incentivar mais ambição climática nas NDCs. O trabalho será conduzido pelas presidências da COP atual e das duas seguintes, Azerbaijão e Brasil.

A COP28 “indicou claramente a raiz do problema”, afirmou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. “Temos forte sinalização para governos e empresas que há compromissos assumidos por todos” em relação à transição energética.

Essa troika, que ela comparou à existente no G20, terá o objetivo de “traduzir [o Acordo de] Paris em ações concretas”. 

Uma das diretrizes será incentivar NDCs que incluam todos os setores da economia e todos os gases que causam o efeito estufa, algo que não era requerido.

O governo brasileiro veio determinado a obter uma boa “divisão de responsabilidades” daqui até Belém, para que a COP da Amazônia não fosse uma “pororoca de problemas”, nas palavras de Silva.

Em Dubai houve o reconhecimento inédito da urgência da transição. No ano que vem, em Baku, o tema principal será o financiamento, ou os “meios de implementação”, na linguagem diplomática.

No Brasil, a ideia é consagrar as respostas ao diagnóstico do Balanço Global. “A tendência natural é que as COPs passem das negociações internacionais para a implementação”, diz Tulio Andrade, um dos negociadores brasileiros.

“Foram criados vários mecanismos, de contabilidade de emissões, de transparência, adaptação e assim por diante. Agora eles começam a se conectar de fato com as políticas domésticas de cada país.”

‘Consenso de Dubai’

O resultado da COP28, batizado de “Consenso dos Emirados Árabes Unidos”, inclui outras decisões importantes. No primeiro dia da conferência foi operacionalizado o fundo de perdas e danos para ressarcir os países pobres que já sofreram prejuízos causados pela mudança do clima. Resta saber se os países desenvolvidos de fato aportarão os recursos na magnitude necessária daqui em diante.

Também foi adotada a Meta Global de Adaptação, que inclui objetivos para que as nações se preparem para lidar com os efeitos já sentidos do aquecimento global, como ondas de calor e enchentes devastadoras.

Já sobre os mercados de carbono globais, negociados desde 2015, não houve acordo. O chamado Artigo 6 do Acordo de Paris volta a ser discutido no âmbito técnico ao longo do ano e será submetido de novo à COP.

As outras decisões quase tiveram o mesmo destino do Artigo 6. As últimas 36 horas quase colocaram tudo a perder.

Entre a noite de domingo e a plenária final, o presidente da conferência e as delegações ficaram reunidos a portas fechadas tentando salvar a COP28 de um rascunho inicial “ditado pela Opep”, na descrição do ex-vice-presidente americano Al Gore.

Uma nova versão foi divulgada no começo da manhã. Quando o martelo foi batido às 11h12 locais (4h12 em Brasília), a sala plenária explodiu em aplausos.

Mas a primeira manifestação de um país foi menos generosa. A representante de Samoa, falando em nome das ilhas e países mais ameaçados pela emergência climática, afirmou que o texto contém “um rosário de brechas” e que o progresso foi “incremental, não a mudança exponencial” necessária.

John Kerry, o enviado especial para o clima do governo americano, fez um diagnóstico realista: “Ninguém aqui vai ter suas opiniões completamente refletidas [na decisão], mas o fato é que este documento manda um sinal muito forte para o mundo.”

“Os governos estão finalmente abertos a lidar com o elefante na sala”, disse Andrew Deutz, diretor de políticas da ONG internacional The Nature Conservancy.

“Goste você ou não, a eliminação dos combustíveis fósseis é inevitável”, escreveu o secretário-geral da ONU, António Guterres, no X (antigo Twitter). “Tomara que não isso não aconteça tarde demais.”