Com SLC, Fama quer mostrar que agro pode ser pop no clima

Investimento na gigante agrícola é o primeiro do fundo de ‘turnaround’ climático; dois novos negócios devem ser anunciados em breve

Colheita de algodão em fazenda da SLC, que recebeu investimento de fundo ativista a Fama
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Responsáveis por 74% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil, atividades agropecuárias e de conversão do uso da terra (leia-se desmatamento) são vistas como vilãs do meio ambiente. A Fama Re.capital, nova marca da gestora Fama Investimentos, quer mostrar que as soluções para o combate às mudanças climáticas também podem (e devem) vir do campo. 

Foi com essa tese que a equipe do gestor Fabio Alperowitch fez o primeiro investimento de seu novo fundo, o Latam Climate Turnaround, em ações da gigante agrícola SLC. 

O fundo ativista tem como objetivo incentivar a transição climática das empresas mais poluentes com ações negociadas em bolsas no Brasil e demais países da América Latina, as chamadas ‘carbon majors’. O foco são emissores com mais de um milhão de toneladas de CO2 equivalente por ano e que sejam capazes de promover a sua descarbonização e de suas cadeias de valor.

O aporte, até agora, foi pequeno: aproximadamente R$ 4 milhões, refletindo a captação ainda tímida do fundo. 

Mas a intenção da gestora é ir ampliando essa fatia. “Existe essa percepção de que o agro é o vilão. Mas a SLC está no caminho certo para ser pioneira em questões climáticas”,  diz Tiago Gomes, sócio da Fama responsável pelo investimento. 

A gestora aposta na tese de que a agricultura pode se tornar uma ferramenta essencial no combate às mudanças climáticas com uma geração de agricultores e cientistas que estão buscando encontrar maneiras de sequestrar carbono no solo e, ao mesmo tempo, melhorar as práticas e a produtividade das culturas. Esse agro sustentável, porém, ainda opera em pequena escala.  

Esse foi o primeiro de um total de, no máximo, seis investimentos que o fundo da Fama planeja fazer. Os próximos dois aportes devem ser anunciados até o próximo mês.

Por que a SLC?

Dado o perfil de emissões do Brasil, em que a derrubada de vegetação nativa para abrir pastagens ou lavouras é  a principal fonte que contribui para o aquecimento global, o investimento em uma empresa agrícola parece óbvio para um veículo que foca em grandes poluidores. 

Ao apostar em uma gigante do mercado agrícola – e conseguindo estabelecer um bom exemplo — a ideia é criar um efeito sistêmico no setor. 

“O grupo tem muitas fazendas e, com o fenômeno La Ninã neste ano, teve quebra de safra muito menor nas áreas onde adota práticas regenerativas. Com isso, começa a existir um argumento econômico para acelerar a adoção em áreas maiores”, diz Fabio Alperowitch, fundador da Fama. 

A companhia chamou a atenção da gestora por registrar produtividade acima da média nacional e demonstrar abertura para o uso de tecnologias de mitigação dos impactos climáticos e aplicação de práticas de agricultura regenerativa.  

A SLC administra atualmente 700 mil hectares plantados em 22 propriedades distribuídas por sete estados brasileiros, abrangendo diversos biomas. Isso a torna um dos maiores grupos agrícolas do mundo, com cultivo de soja, milho e algodão. 

Em 2023, apenas duas fazendas, cobrindo uma área de 36 mil hectares, adotavam práticas regenerativas. Em 2024, essas práticas estão sendo expandidas para outras quatro propriedades, numa área de 190 mil hectares.

“A SLC já faz muita coisa em agricultura sustentável que não divulga. Nos últimos anos, o grupo teve uma mudança importante de visão e de práticas”, diz Alperowitch. 

A gestora viu valor no programa de agricultura sustentável da empresa, que ainda não foi capturado pelo mercado, na sua avaliação. 

O programa da SLC inclui: (1) plantio direto, que reduz a necessidade de arar o solo e ajuda na retenção de carbono; (2) uso de cobertura vegetal, que reduz a erosão do solo; (3) rotação de culturas, que melhora a biodiversidade do solo; (4) integração de lavoura, pecuária e floresta, que enriquece o solo com matéria orgânica; e (5) uso de tecnologia de precisão, que permite aplicação localizada de insumos, além da utilização de bioinsumos. 

Engajamento

Apesar de ser um investidor ativista, a Fama não pretende adotar uma postura belicosa. No Brasil, a cultura relacional e a estrutura de controle concentrada (principalmente em empresas familiares) fez com que a gestora optasse pelo caminho de convencimento da alta liderança para promover mudanças. A equipe da gestora conversou por seis meses com a direção da SLC antes de decidir pelo investimento. 

Uma das estratégias é fisgar as empresas pelo bolso. 

Em apresentação para investidores nesta quinta-feira (8), a Fama traçou um paralelo com a Vayda, startup americana de agricultura regenerativa, que conseguiu dobrar sua rentabilidade, de US$ 198 por acre para US$ 565 por acre, com adicional de produtividade, prêmio de culturas regenerativas, práticas de agricultura de precisão e créditos de carbono e de biodiversidade.  

A Fama tem o desafio de provar que sua tese de investimentos para em pé. Mas não está sozinha na aposta na SLC. A família Scheffer, também do setor agrícola, passou a deter uma fatia relevante da SLC em janeiro deste ano, de 5,3% do capital. A decisão levou em conta o desconto das ações, uma vez que o preço das fazendas da SLC superava o valor da companhia na bolsa – ou seja, sequer considerava as operações agrícolas.