Fama capta fundo ativista para investir nas ‘carbon majors’ (mas não quer briga)

Gestores serão remunerados por descarbonização; portfólio deve ter apenas cinco empresas

Fama abre captação de fundo para investir em 'carbon majors', dizem Caroline Prolo e Fabio Alperowitch
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Com uma tese de incentivar a descarbonização das empresas mais poluentes das bolsas do Brasil e demais países da América Latina, as chamadas ‘carbon majors’, acaba de abrir para captação o fundo Latam Climate Turnaround, da gestora Fama Re.capital (nova marca da casa).

Até 30 de novembro, o fundo receberá aportes de investidores brasileiros e, no começo de 2024, abrirá para captação de investidores estrangeiros, que devem responder pela maior parte do patrimônio.

Embora se trate de um fundo ativista, o gestor Fabio Alperowitch, fundador da Fama, avisa que não quer briga. 

Desde que abraçou a agenda ESG, Alperowitch se notabilizou por um discurso afiado e, na visão de muitos, um tanto radical, contra empresas detratoras do meio ambiente e de questões sociais.

Agora, vai encarnar uma versão “Alperowitch paz e amor” para liderar o novo fundo, ao lado da advogada especializada em direito climático Caroline Prolo.

O gestor fala em “abordagem amigável e construtiva”, “persuasão” e também em fisgar as empresas pelo bolso.

“Queremos chegar com uma abordagem que interessa às empresas. Mostrando que elas têm problemas climáticos que não enxergam e apresentando soluções que vão gerar valor”, diz Alperowitch. “Nossa missão é buscar argumentos para mostrar que mudar é bom financeiramente para as companhias.”

Um dos fatores a ser considerado pelas companhias é o risco crescente de serem alvo de litigância climática, algo que não está ainda no radar corporativo, dizem os gestores. Eles citam um caso recente em que a Advocacia Geral da União (AGU), representando o Ibama, move uma ação de indenização de R$ 292 milhões contra um proprietário de terras no Amazonas por conta das emissões de gases oriundas do desmatamento ilegal. 

Com a aproximação amistosa, apesar de ter como alvo empresas listadas em bolsa, a ideia é investir somente naquelas que estejam dispostas a engajar com o fundo em torno da agenda de descarbonização. Sem essa benção prévia da alta gestão da companhia, o investimento não acontece.

Na prática, isso se traduz em muito trabalho preparatório para a equipe do fundo. É preciso identificar as ‘carbon majors’, calcular e entender a origem das suas emissões e, finalmente, buscar soluções que tragam retornos superiores ao custo de capital das empresas. “As nossas soluções serão baseadas na ciência e validadas por ninguém menos que o cientista brasileiro Carlos Nobre”, diz Prolo. O climatologista é consultor do fundo. 

Só com isso tudo em mãos é que a abordagem começa.

Caroline Prolo, que é colunista do Reset, explica que, do universo de mais de 400 empresas listadas na B3, apenas 144 divulgam suas emissões de escopo 1 (diretas) e 2 (relativas à compra de energia), um pré-requisito para que entrem no radar. Dessas, pouco mais de 20 são emitem mais de 1 milhão de toneladas de CO2 equivalente por ano e são elas as ‘carbon majors’ da B3 e potenciais alvos do fundo (confira quais são elas ao fim da matéria). 

Nas demais bolsas da América Latina existem aproximadamente outras 25 empresas que preenchem esses requisitos. A intenção, dizem Prolo e Alperowitch, é ter um portfólio super enxuto, de apenas cinco empresas. “É algo muito trabalhoso”, diz ele.

A concentração em poucos ativos dificulta a pulverização do risco. O gestor explica que, para mitigar esse efeito, a ideia é diversificar setorialmente. “Se investirmos em uma siderúrgica, vamos evitar mineração”, exemplifica.

Um dos principais focos do fundo é o agronegócio. Isso porque, diz Prolo, o grosso das emissões brasileiras não estão no setor de energia, mas sim em agricultura e uso da terra. Deve vir do agro o primeiro investimento, previsto para acontecer em dezembro.

Os gestores também querem ter um grande banco no portfólio. “Os bancos emprestam dinheiro com base em capacidade financeira dos clientes e o escopo 3 deles é enorme. A questão climática precisa entrar na política de crédito”, diz Alperowitch.

Embora seja um fundo de ações tradicional, o Latam Climate Turnaround vai operar com a lógica de um private equity do ponto de vista de captação e investimento. A ideia é buscar os recursos para o primeiro aporte, fechar o fundo temporariamente e reabri-lo quando uma nova investida for identificada. 

Inicialmente, a ideia era captar apenas no exterior, onde Alperowitch diz que a tese do fundo tem sido bem recebida por fundos soberanos, fundos de pensão e grandes family-offices. Mas ele diz que a decisão de abrir para investidores brasileiros, ainda que os recursos não sejam expressivos, veio da necessidade de conectar mais pessoas à agenda climática no mercado local.

O fundo não tem tíquete mínimo, mas só podem aplicar no produto investidores qualificados, aqueles que têm investimentos acima de R$ 1 milhão. O fundo não será ofertado em plataformas, apenas pela Fama.

Taxa de performance climática

Além de uma taxa de administração de 2% ao ano, o fundo terá também uma taxa de performance. Mas, diferentemente do padrão da indústria, além de bater um indicador de retorno, a carteira terá que cumprir um indicador de impacto climático para fazer jus à remuneração extra.

A taxa de performance será de 25% sobre o retorno que exceder o benchmark de IPCA mais 6% ao ano, caso o indicador de impacto também seja cumprido. Se o fundo só tiver retorno financeiro, a taxa de performance cai para 10%.

Para chegar ao cálculo do impacto climático, as emissões de gases de efeito estufa das empresas do portfólio serão traduzidas em contribuição para o aumento da temperatura global. O portfólio terá, então, um indicador inicial de contribuição.

Supondo que no ponto de partida as empresas da carteira estejam alinhadas a um aumento de 3°C da temperatura global, no ano seguinte o fundo só receberá a taxa de impacto climático positivo se a temperatura for reduzida em direção ao objetivo de 1,5°C fixado pelo Acordo de Paris. 

A tradução de emissões para contribuição para o aquecimento global será feito pela ferramenta “Temperature Rating”, do WWF/CDP, com resultados validados na assembleia de cotistas do fundo. 

E não haverá metas de redução da temperatura do portfólio. Os investidores é que decidirão se a redução alcançada justifica o pagamento da performance.

O gestor não fala em meta de captação e diz que o tamanho do fundo não vai influenciar no seu poder de persuasão. “Isso é um mito. Se tivermos um bom conteúdo, pouco importa o tamanho”, diz Alperowitch. Outro mito, segundo ele, é que o conselho de administração é o fórum adequado para influenciar a gestão das empresas. “No Brasil isso não é verdade, porque a maioria das empresas tem controle definido e o controlador é majoritário no conselho.”

Lista das ‘carbon majors’ da B3 e potenciais alvos do fundo:

  • Petrobras
  • Gerdau
  • Eneva
  • Companhia Siderúrgica Nacional (CSN)
  • Braskem
  • Vale
  • 3R Petroleum
  • Usiminas
  • JBS
  • Banco do Brasil
  • Camil
  • Eletrobras
  • Azul
  • Carrefour
  • Suzano
  • Cosan
  • Companhia Brasileira de Alumínio (CBA)
  • Gol
  • SLC Agrícola
  • Raizen
  • Equatorial Energia
  • Engie Brasil Energia