Se no mercado internacional as emissões de dívida com metas atreladas à sustentabilidade frequentemente têm saído com demanda de múltiplas vezes o valor da oferta, a modalidade teve uma estreia bem mais morna na primeira oferta efetivamente pública do tipo do Brasil.
A emissão de debêntures da Via (ex-Via Varejo) saiu praticamente no um a um, com uma demanda de R$ 950 milhões para uma oferta de R$ 1 bilhão, e os bancos coordenadores tiveram que entrar na jogada para garantir o rescaldo da operação, apurou o Reset com agentes de mercado.
A operação enfrentou críticas de gestores de fundos dedicados, que apontam que os compromissos pactuados são pouco materiais.
“A tese ESG não foi suficiente para convencer os poucos fundos dedicados aqui no Brasil e a inovação — e a repercussão em torno dela — acabou afastando alguns investidores tradicionais”, apontou um gestor doméstico de dívida sem carteira ESG.
Maior emissão já feita pela Via e a uma taxa bem mais baixa que as anteriores depois que a companhia passou por um turnaround, a operação tinha seus desafios para além do componente ESG, apontam fontes de mercado. O prazo apertado e a concorrência com uma fila de outras emissões também não ajudou.
Ainda assim, num mercado aquecido, não tem sido comum que bancos precisem exercer a chamada “garantia firme”, pela qual se comprometem a assegurar o fechamento da operação, comprando as sobras ao preço proposto.
O mercado de fundos dedicados a dívida ESG ainda é pequeno no Brasil, e soma algo como R$ 250 milhões de captação, estimam brokers. Valor que está espalha em fundos como de JGP, SulAmérica e Plural. Na prática, fazem pouca diferença nos books, mas estabelecem o tom quanto à estratégia sustentável.
Por outro lado, o mercado tradicional ainda tem dificuldade de analisar operações com o componente ESG. “As perguntas no geral são muito básicas”, diz um assessor financeiro.
A operação
A dona das Casas Bahia e do Ponto Frio levantou R$ 1 bilhão em duas séries, com vencimento em três e cinco anos. As taxas ficaram em CDI + 1,90% ao ano na primeira série e CDI + 2,1% ao ano na segunda, em linha com a remuneração oferecida para outras empresas do mesmo nível de rating, apontam operadores.
A meta de sustentabilidade na emissão é aumentar o uso de energia renovável nas operações da empresa — que incluem lojas, centros de distribuição, escritórios e a fábrica de móveis Bartira —, hoje em 30%, para 50% em 2022 e 90% em 2025.
Na primeira tranche, se não cumprir a meta, a taxa aumenta em 0,10 ponto percentual. Na segunda tranche, mais próxima do vencimento, há uma sobretaxa de 0,125 p.p..
Gestores, com destaque para a JGP, que foi vocal no assunto, criticam a chamada “materialidade” da meta: o setor de varejo é pouco intensivo no uso de energia e, portanto, o indicador diz pouco sobre a estratégia sustentável da empresa.
Além disso, apontam que a sobretaxa em caso de não cumprimento ficou bastante abaixo do praticado nas emissões internacionais, de 0,25 p.p..
A operação foi coordenada por UBS-BB, Itaú BBA, Bradesco e Safra.
“Chegamos a avaliar a emissão, mas não entramos nem tanto por conta das metas, que realmente não eram tão robustas, mas mais pelas controvérsias a que a companhia está associada”, aponta Gabriel Fidalgo, do fundo de crédito ESG da Plural, fazendo alusão também às recentes denúncias de abuso sexual atribuídas ao fundador das Casas Bahia, Samuel Klein, já falecido.
O parecer
Em parecer de segunda opinião, a consultoria Resultante afirma que as metas da companhia podem ser consideradas materiais e se alinham ao Sustainability-Linked Bonds Principles (SLBPs).
Um dos principais argumentos da consultoria é que outras varejistas consideram material o aumento do uso de fontes renováveis de energia e que, no caso da Via, o tema é mais relevante por incluir uma unidade fabril na conta.
Ao mesmo tempo, a Resultante aponta que a empresa como um todo tem “gaps em temas como gestão de resíduos, gestão de riscos climáticos, diversidade na composição do Conselho de Administração, saúde e segurança do trabalho, satisfação e relacionamento com clientes — todos aspectos de grande importância para companhias atuantes no varejo.” Tais gaps, no entanto, não estão relacionados diretamente a essa emissão de dívida.
As emissões de dívida com metas atreladas à sustentabilidade tem ganhado forte tração no mercado internacional, mas ainda engatinham no Brasil. Por aqui, a maior parte das debêntures emitidas com esse modelo foram integralmente encarteiradas pelos bancos emissores.
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