Em emissão com rótulo ESG, Via Varejo é criticada por metas fracas

Gestores de fundos de crédito dizem que compromisso de aumentar o uso de energia renovável é insuficiente e cobram divulgação de parecer independente

Em emissão com rótulo ESG,  Via Varejo é criticada por metas fracas
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A emissão de debêntures da Via Varejo com metas atreladas à sustentabilidade, anunciada no domingo à noite, caiu quadrada entre os gestores de fundos de crédito nacionais. 

A percepção é de que as metas são pouco ambiciosas e de que a penalidade em caso de não cumprimento é irrisória.

Apesar dos chamados ‘sustainability-linked bonds’ (SLB) estarem ganhando bastante tração no mercado internacional, trata-se da primeira oferta efetivamente pública desse tipo de crédito no Brasil — e, sem dúvida, uma das maiores ofertas com apelo sustentável no mercado local até hoje. 

Boticário e Votorantim Cimentos já fizeram emissões desse tipo, mas elas foram integralmente encarteiradas pelos bancos emissores e não oferecidas a investidores. 

(Tecla SAP para os leigos: os SLB são diferentes dos green bonds. Nos títulos verdes, os recursos são carimbados e vão para projetos com benefícios ambientais. Nos SLBs, o uso dos recursos é livre, mas os juros são atrelados a metas de sustentabilidade gerais da empresa.) 

A Via Varejo quer captar R$ 1 bilhão em debêntures, com duas séries, com vencimento em três e cinco anos. 

A sinalização é de uma taxa de CDI + 1,90% ao ano na primeira série e de CDI + 2,1% ao ano na segunda. Os juros efetivos serão definidos ao longo da oferta. O roadshow começa hoje.

A meta da dona das Casas Bahia e do Ponto Frio é aumentar o uso de energia renovável em suas operações — que incluem lojas, centros de distribuição e escritórios –, hoje em 30%, para 50% em 2022 e 90% até 2025. Se não cumprir a meta, a taxa aumenta em 10 pontos-base nas duas tranches, para 2% e 2,20%, respectivamente.

“Se comprometer a aumentar o uso de renováveis num setor pouco intensivo em energia e querer sair com um selo de ‘sustentável’ por isso é completamente fora de contexto”, diz o gestor de um fundo de crédito doméstico que preferiu não ser identificado.

“Se comprometer a limpar a matriz energética no Brasil é muito pouco. A Via Varejo poderia se comprometer com metas de reciclagem de embalagens e passar a medir e cortar a intensidade de emissões de gases de efeito estufa relacionadas às entregas”, diz Alexandre Muller, gestor de crédito da JGP.

Por enquanto, a Via Varejo nem sequer tem um inventário completo de suas emissões de gases de efeito estufa. Em seu relatório de sustentabilidade de 2020, a empresa informou apenas a mensuração ainda provisória do escopo 2 (emissões atreladas a fontes de energia). Não havia referência às suas emissões diretas (escopo 1) e nem à de seus fornecedores (escopo 3).

Alguns gestores estão usando como parâmetro uma outra emissão do setor de varejo, a do Mercado Livre, considerada mais ambiciosa em seus objetivos. Em janeiro, o marketplace emitiu títulos sustentáveis, em que os recursos são carimbados, para financiar três coisas: dar crédito a pequenos negócios negativados, garantir o financiamento para eletrificação da frota de entregadores e conservação e reflorestamento de biomas no Brasil. 

Na época, as metas também receberam críticas, principalmente pelo fato de que não há ainda garantia da disponibilidade de vans elétricas no volume pretendido pela empresa. “Os objetivos não eram perfeitos, mas eram mais sérios”, diz Muller.

“A emissão vai sair de qualquer forma, porque a remuneração que eles estão oferecendo faz sentido, mas como mostra de sustentabilidade e criação de valor tem pouquíssimo sentido”, diz um outro gestor.

Também criticado pelo mercado é o tamanho da sobretaxa em caso de não cumprimento das metas, considerado pequeno perto de outras emissões semelhantes. 

O padrão que vem se consolidando é de 25 pontos-base — o ‘step up’ oferecido por empresas como Suzano, Klabin e Simpar (ex-JSL) no mercado externo para o caso de não cumprimento das metas de sustentabilidade. 

A Via Varejo disse que não comentaria por conta do período de silêncio que antecede a oferta.

Transparência 

Outra prática, levada mais a sério nas emissões externas, é a publicação dos chamados pareceres de segunda opinião (second party opinion, ou SPO), documentos elaborados por consultorias especializadas em sustentabilidade e que atestam, de forma independente, a robustez das metas pactuadas. 

Nesses documentos, as consultorias costumam não só atestar sua opinião, como apresentar algumas ressalvas e pontos de atenção. Algumas consultorias indicam, inclusive, se consideram a meta escolhida pelo emissor ambiciosa ou tímida. 

Na Via Varejo, o roadshow para a oferta — que será feita com esforços restritos, ou seja, só poderá ser apresentada a 75 investidores — começa hoje, mas o parecer de segunda opinião, a ser elaborado pela consultoria Resultante, ainda não está disponível. 

A sinalização da empresa é que o documento será apresentado antes da liquidação da operação, prevista para acontecer até 10 de maio.

“Anunciar que a emissão é de um título sustentável e não disponibilizar o parecer que comprova isso equivale a dizer que se trata de um título com grau de investimento e não ter o relatório da agência de rating que ateste”, diz Muller, da JGP.

A boa prática, dizem especialistas, é que o SPO esteja pronto antes do início do roadshow. Mas a realidade no mercado brasileiro tem ficado bem distante disso, com o parecer sendo entregue apenas no início do bookbuilding ou, pior, somente antes da liquidação, com a alocação já concluída.

A Resultante informou que não poderia comentar por estar em período de silêncio.

Nos outros dois casos de SLBs no mercado interno, Boticário e Votorantim Cimentos, os SPOs — elaborados pela Sitawi e pela Bureau Veritas — não foram tornados públicos nem mesmo depois de concluídas as operações. 

As operações foram inteiramente encarteiradas pelos bancos, que, ao menos em teoria, tiveram acesso aos documentos. 

Mas num mercado em que o benefício de reputação e imagem é associado à emissão, o maior escrutínio público na forma de transparência deveria ser a contrapartida.

A operação é coordenada por Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Safra.

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