Governos do mundo inteiro estão muito aquém dos cortes de emissões de gases de efeito estufa necessários para que as metas climáticas globais sejam alcançadas, segundo um relatório divulgado nesta sexta-feira pela ONU.
Na trajetória atual, a temperatura do planeta será 2,6°C mais alta em 2100 em comparação com o início da Revolução Industrial. O Acordo de Paris, assinado por 200 países, estabeleceu o objetivo de limitar esse aumento a 1,5°C.
O documento é a base do Global Stocktake, uma revisão do progresso conjunto dos signatários da Convenção do Clima que será oficializada na COP28, em Dubai, no final de novembro.
O Acordo, assinado em 2015, estipula que o primeiro levantamento mundial será realizado na conferência deste ano.
Apesar de muitos países já terem apresentados compromissos de zerar suas emissões líquidas até 2050, o documento deixa claro que ainda falta muito para chegar lá, principalmente no curto prazo.
Mas não há menções detalhadas a países ou regiões mais ou menos atrasados em relação ao que prometeram em suas NDCs, os compromissos nacionais apresentados pelos governos.
Com exceção de alguns dados já amplamente circulados, o texto é genérico e repete recomendações conhecidas há tempos.
Vem aí mais uma COP tensa
“A prosa educada da ONU esconde a péssima nota que merecem os esforços climáticos globais. Emissões? Ainda subindo. Financiamento dos países ricos? Estão devendo. Apoio para adaptação [dos países vulneráveis]? Terrivelmente atrasado”, disse em nota Ani Dasgupta, presidente do World Resources Institute, uma mais respeitadas ONGs do clima.
A declaração resume as tensões internacionais que devem mais uma vez dominar as discussões da COP que se aproxima. O progresso prático que se pode esperar de mais uma rodada de negociações internacionais segue uma incógnita.
Com o novo documento, ficará oficializado que é preciso fazer mais – e mais rápido.
Isso é impossível sem cortes no consumo de combustíveis fósseis. Mas os Emirados Árabes Unidos, anfitriões e responsáveis por guiar os rumos da conferência deste ano, estão entre os maiores produtores de petróleo do mundo.
O relatório afirma que é indispensável “eliminar gradualmente todos os combustíveis fósseis” – mas com uma qualificação: somente aqueles cujas emissões não sejam de alguma forma controlada.
Isso significa medidas como captura de carbono e redução na intensidade das emissões no processo de produção desses combustíveis.
Essa linguagem tem dois problemas, segundo os críticos. O primeiro é que não existe um entendimento universal sobre o que seria essa “redução de intensidade”.
O segundo, e mais importante, é que a gasolina ou o diesel ou o gás natural serão queimados do mesmo jeito – justamente onde reside seu maior impacto ambiental.
Desmatamento zero
O relatório também aponta a interrupção e a reversão do desmatamento e da degradação de vegetações nativas como pontos-chave para o net zero global.
Este deve ser um dos temas prioritários para a delegação brasileira. A expectativa é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva repita os pedidos de ajuda financeira para que os países detentores de grandes florestas tropicais possam implementar medidas de conservação.
“Não é o Brasil que precisa de dinheiro, não é a Colômbia que precisa de dinheiro, não é a Bolívia ou a Venezuela. É a natureza”, afirmou Lula no encerramento da cúpula de Belém, no mês passado.
Quem paga a conta será, mais uma vez, um dos temas mais controversos da Conferência do Clima. Além do direcionamento de recursos dos países historicamente responsáveis pelo efeito estufa para o mundo em desenvolvimento, o documento reitera a importância do setor privado.
Uma das recomendações é o uso de mecanismos como blended finance: bancos de desenvolvimento podem ajudar a reduzir o risco de investimento em países que tipicamente não têm acesso a capital.
“Aumentos dramáticos em atividades e tecnologias de baixo ou zero carbono serão necessários, bem como desinvestimento em atividades e tecnologias de emissões intensivas.”
“Apelo aos governos que estudem cuidadosamente os resultados do relatório e entendam o que eles significam [em termos das] ações ambiciosas que devem ser tomadas daqui em diante. O mesmo vale para empresas, comunidades e outros stakeholders”, afirmou em nota Simon Stiell, secretário-executivo da UNFCCC, o órgão climático da ONU.
Um abismo de carbono
Uma síntese científica produzida pela UNFCCC e divulgada em março apontou que as emissões globais deveriam atingir o pico entre 2020 e 2025.
Mas o mundo continua despejando mais carbono na atmosfera, e a janela “está se fechando rapidamente” para a adoção metas mais ambiciosas e sua implementação, reforça o documento divulgado hoje.
Em números, isso significa um déficit de carbono de algo como 20 bilhões e 23 bilhões de toneladas de CO2 equivalente que deveriam deixar de ser lançadas no ar até 2030. Isso equivale a mais ou menos o dobro das emissões da China em 2019. O país é de longe o que mais emite gases de efeito estufa no mundo.