Recebido como rock star na COP, Lula cobra países ricos e deixa promessas na mesa

Presidente eleito promete desmatamento zero e agricultura sustentável, mas não indica ações específicas ou próximo ministro do Meio Ambiente

A eleição de Lula chega carregada de expectativas de guinada na política ambiental do Brasil.
A A
A A

Sharm el-Sheikh – No discurso que marca sua volta ao cenário internacional e a do Brasil às conversas globais sobre o clima, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva disse que as promessas feitas nas COPs precisam ser cumpridas, ou “seremos vítimas de nós mesmos”.

Parte do problema é a falta de liderança, afirmou ele. Sinalizando uma postura ativa para a diplomacia brasileira, em contraste com o auto isolamento dos últimos quatro anos, Lula se manifestou sobre o tema que divide a conferência do clima deste ano.

Mesmo sem poderes sobre a equipe de negociadores brasileiros, o futuro presidente disse que é urgente decidir sobre “mecanismos financeiros para remediar perdas e danos causados pela mudança do clima”.

“É tempo de agir. Não temos tempo a perder. Não podemos mais conviver com essa corrida rumo ao abismo”, disse Lula, falando numa sala afastada da plenária onde discursam chefes de Estado e ministros.

A discussão entre as compensações devidas pelos países ricos às nações mais vulneráveis, que pouco fizeram para causar o aquecimento do planeta, é parte de um movimento que pede justiça climática.

Lula traçou paralelos com a desigualdade econômica. Fazendo referência aos “dois Brasis” de seu discurso de vitória, na noite de 30 de outubro, ele afirmou que “não existem dois planetas Terra”.

“Somos uma única espécie, chamada humanidade, e não haverá futuro enquanto continuarmos cavando um poço sem fundo de desigualdade entre ricos e pobres.”

“O 1% mais rico do planeta está a caminho de emitir 70 toneladas de gás carbônico per capita por ano. Enquanto isso, os 50% mais pobres do mundo emitirão, em média, apenas uma tonelada per capita, segundo estudo produzido pela ONG Oxfam e apresentado na COP26.”

Em alguns momentos, Lula ecoou o tom ameaçador que costuma estar presente nos discursos de líderes dos países mais afetados pela mudança do clima: “Ninguém está a salvo. A emergência climática afeta a todos”.

O discurso não deve ter frustrado a expectativa das dezenas de milhares de pessoas que trabalham há dez dias no centro de convenções de Sharm el-Sheikh. Lula recebeu tratamento de astro de rock e arrastou multidões por onde passou. 

Mas a boa vontade estendida ao futuro presidente tem prazo de validade. Em um ano, nos Emirados Árabes Unidos, o mesmo “Lula cobrador” terá de começar a prestar contas sobre as suas ações para acabar com essa “corrida rumo ao abismo”.

Amazônia

O presidente eleito desapontou aqueles que esperavam que ele anunciasse o nome de quem vai liderar o Ministério do Meio Ambiente a partir de janeiro e sua fala trouxe poucas ações específicas que o novo governo pretende tomar.

Lula repetiu a promessa de acabar com o desmatamento na Amazônia. Mesmo que não seja nova, a mensagem era aguardada pela comunidade internacional num discurso formal e feito na principal reunião global sobre clima.

Ele disse que os responsáveis por atividades ilegais, incluindo a ocupação agropecuária indevida, serão punidos com rigor. “Não há segurança climática para o mundo sem uma Amazônia protegida.”

Os presentes ouviram a confirmação da criação de um Ministério dos Povos Originários. Maiores vítimas da ilegalidade ambiental, os próprios indígenas apresentarão ao governo propostas de políticas que garantam “sua sobrevivência digna, com paz e sustentabilidade”.

Ele anunciou uma reunião de cúpula com os outros integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica (Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela) e disse que vai fortalecer a aliança de preservação de florestas tropicais recém-formada com Indonésia e Congo – apesar de ter afirmado desconhecer os detalhes do acordo.

Lula disse que “não medirá esforços” para atingir o desmatamento zero em todos os biomas até 2030, como acordado em Glasgow no ano passado.  

Mesmo sem assumir compromissos específicos, o mundo sabia que a eleição presidencial deste ano seria um divisor de águas para um dos principais ecossistemas do planeta, a Amazônia.

Agricultura do futuro

O desafio de ampliar a produção de alimentos sem que isso resulte em aumento das emissões de gases do efeito estufa “se impõe a nós brasileiros e aos demais países produtores de alimentos”, afirmou o presidente eleito.

Ele disse que vai propor uma aliança pela segurança alimentar “com total responsabilidade climática”. Para o agronegócio brasileiro, disse o futuro presidente, isso significa que a produção de comida sem equilíbrio ambiental deve ser considerada “ação do passado”.

No trecho que parece ter sido redigido pensando especificamente na audiência da COP, Lula falou de agricultura regenerativa e técnicas de cultivo que permitam sequestro de carbono e protejam a biodiversidade (o tema do dia na conferência, que ficou um pouco ofuscado pela presença do brasileiro).

* O jornalista viaja a convite da International Chamber of Commerce