Colocar de volta no copo o leite derramado. Essa é mais ou menos a lógica por trás do que muitos consideram uma das poucas chances da humanidade para evitar os piores cenários do aquecimento global: retirar diretamente da atmosfera toneladas de gás carbônico.
Uma das maiores e até agora mais promissoras plantas que empregam essa tecnologia futurística, conhecida como captura direta do ar (DAC), foi desenvolvida pela canadense Carbon Engineering.
A startup foi adquirida em agosto pela petroleira americana Occidental Petroleum, que tem planos de usar a tecnologia para vender, no futuro, o que chamou de “petróleo net zero”.
Antes disso, porém, o negócio é outro: créditos de carbono. A planta só entra em operação em meados de 2025, mas a empresa já vendeu antecipadamente a remoção de 400 mil toneladas de carbono para a fabricante de aviões Airbus e outras 250 mil para a gigante do ecommerce Amazon.
A Stratos, sua primeira planta comercial, terá capacidade de 500 mil toneladas anuais. O carioca Marcus Temke, vice-presidente de engenharia e projetos da Carbon Engineering, diz que o aumento de escala é questão de tempo.
O sistema desenvolvido pela empresa foi desenhado para ser replicável e se baseia em equipamentos já usados em outros setores.
“Não tem nada de professor Pardal no nosso projeto”, diz ele ao Reset, apontando para uma maquete digital da planta. Algumas parte são semelhantes às que se encontram em estações de tratamento de água, outras, na indústria de cal e cimento.
O que o modelo em 3D não mostra é o financiamento. A Stratos, que fica na cidade texana de Corpus Christi, foi uma das duas selecionadas que dividirão US$ 1,2 bilhão do governo americano, parte do pacote de estímulo verde de Joe Biden. (A outra é a suíça Climeworks.)
Não existe competição possível em outra parte do mundo hoje, afirma Temke. “Os Estados Unidos me dão US$ 200 dólares por tonelada [de CO2 removido]. Vendo o crédito a US$ 300, tenho receita total de US$ 500. Isso fecha a minha conta.”
‘Petróleo net zero’
O total de CO2 retirado do ar hoje não passa de 10 mil toneladas por ano, em cerca de 20 plantas de demonstração.
Mas a tecnologia é a grande aposta da Occidental Petroleum. Conhecida como Oxy, a companhia pagou US$ 1,1 bilhão pela Carbon Engineering e vai integrá-la à sua subsidiária 1PointFive.
Petroleiras europeias como Shell e BP enxergam um futuro em que se transformarão em companhias de energia. A visão da Oxy é tornar-se uma empresa de carbon management.
A ideia é criticada por ambientalistas. Eles afirmam que trata-se simplesmente de uma desculpa das petroleiras: injetar CO2 em poços subterrâneos para extrair ainda mais petróleo.
Sim e não, afirma Temke. A Oxy é uma das maiores consumidoras de dióxido de carbono do mundo justamente porque usa o gás para recuperar o máximo de óleo possível de seus poços.
A companhia fazia isso com CO2 de origem fóssil. Se esse insumo vier do ar que respiramos, não há lançamento na atmosfera de novas moléculas que causam o aquecimento global.
Essa é a explicação para a ideia da companhia de vender barris de “petróleo net zero”.
Os céticos reviram os olhos, mas Temke afirma que a conta de carbono faz sentido. Para a Oxy, trata-se de manter vivo seu negócio principal de maneira ambientalmente responsável. “O último barril de óleo produzido vai ser de baixa intensidade [de carbono].”
Mas a ambição da companhia não é apenas sobreviver à transição energética. A 1PointFive abre um novo caminho.
O objetivo da empresa, inicialmente, é ganhar dinheiro vendendo créditos que representam um carbono enterrado para sempre embaixo da terra.
“Gosto de dizer que estamos colocando o gênio de volta na lâmpada”, afirma o executivo. A localização do hub de captura direta que a companhia está erguendo conta com uma ampla rede de distribuição para possíveis reservatórios.
Outras linhas de receita devem vir mais para a frente. Uma das mais promissoras é reciclar o carbono na forma de combustíveis sintéticos para a aviação, obtidos em combinação com hidrogênio.
Alquimia
A Oxy quer erguer dezenas de plantas como a que está construindo, criando um grande “sumidouro” de CO2 no oeste do Texas.
Essa ambição vai ser colocada à prova ao longo desta década.
Embora haja espaço para ganhos de eficiência, a parte química da “purificação” do ar é conhecida há décadas e não será um fator limitante.
As maiores dificuldades são outras. A primeira tem a ver com o tamanho das instalações e a energia que elas exigem (a imagem acima mostra uma ilustração de como seria uma dessas plantas).
A concentração de CO2 no ar é baixíssima – 0,05% em massa –, o que significa plantas de grande porte, capazes de movimentar enormes quantidades de ar. Depois de separado, é necessário purificar e concentrar o CO2.
Apesar do crescimento vertiginoso das energias renováveis, as plantas de DAC serão consumidoras vorazes de eletricidade limpa, possivelmente competindo com outros usos.
E o modelo de negócios baseado em créditos de carbono terá de provar sua viabilidade depois de esgotada a generosidade do governo americano.
DAC x árvores
O governo americano – e os cientistas do painel climático da ONU – estimam que será necessário sugar bilhões de toneladas de CO2 do ar para limitar o aquecimento global a 1,5°C.
Essa demanda planetária, mais os subsídios, levam os defensores da tecnologia a apostar numa redução considerável dos preços.
E a captura direta oferece algumas vantagens sobre as alternativas.
Considerando somente a permanência – ou seja, a garantia de que o carbono estocado não voltará para a atmosfera –, os projetos de DAC que injetam CO2 em poços subterrâneos oferecem segurança de milhares, talvez milhões de anos.
Em comparação, florestas podem ser derrubadas ou pegar fogo a qualquer momento.
Os projetos de captura de carbono na fonte da emissão, conhecidos pela sigla CCS, não sofrem com o problema da permanência, mas precisam ser feitos sob medida.
“Cada fábrica tem uma vazão, uma composição de CO2, dependendo do processo produtivo”, afirma Temke.
Mas, diante da necessidade de retirar bilhões de toneladas de dióxido de carbono da atmosfera, não haverá uma única solução vencedora, afirma o executivo. Será necessária uma combinação de várias delas.
“Acredito que os compradores [de créditos de remoção] terão um portfólio diversificado. É a mesma lógica de uma carteira de investimentos.”