Em 21 de novembro, começa a Copa do Mundo, no Qatar.
Logo antes, de 6 a 20 de novembro, o mundo volta as atenções para mais uma rodada de negociações do mais importante fórum multilateral dos tempos atuais: a Conferência das Partes do Acordo de Paris da ONU, sobre mudanças climáticas — a COP do clima, que acontecerá em Sharm el-Sheik, no Egito.
Na COP27, assim como na Copa, haverá uma disputa entre países — mas, no caso das negociações do clima, ou todo mundo perde ou todo mundo ganha.
Os dados mais recentes da ciência mostram que a humanidade tem até 2040 para atingir o ponto de neutralidade das emissões de gases de efeito estufa (GEE) globais. Isso requer dinheiro para arcar com custos e investimentos em tecnologia, infraestrutura e conservação florestal, pelo poder público e pelo setor privado.
Falhar nessa missão vai resultar em prejuízos financeiros: perdas e danos causados pelos impactos climáticos na agricultura, infraestrutura urbana, ocupação costeira, migrações, doenças e perdas de vidas humanas, incluindo as causadas por eventos climáticos extremos.
Isso nos leva à questão fundamental: quem vai pagar essa conta?
Sejam os custos financeiros da mitigação, sejam os da adaptação ou os das perdas e danos climáticos, enfrentar a crise vai custar dinheiro. A Convenção do Clima da ONU e o Acordo de Paris não resolvem completamente essa questão, e chegamos em um ponto em que não dá mais para adiar a conversa.
A Convenção do Clima da ONU é o tratado internacional “guarda-chuva” que lá em 1992 dispôs sobre os princípios e diretrizes gerais de cooperação multilateral para combater o aquecimento global.
Ela incluiu o famigerado princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas, que prevê que os países têm responsabilidades diferentes pela crise climática, de acordo com suas capacidades e suas participações históricas na concentração de GEE na atmosfera.
As atribuições foram divididas entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. Aos países mais ricos, coube “liderar” a tomada de medidas para endereçar a crise climática. Para quantificar a responsabilidade desses países, foi assinado o Protocolo de Kyoto, com período de compromisso até o ano de 2020.
Só que tudo isso foi decidido em um contexto geopolítico bastante diferente, quando os países em desenvolvimento ainda tinham uma representatividade pequena nas emissões globais de GEE. Tudo mudaria com o crescimento das economias emergentes, sobretudo a chinesa, que se tornou a maior emissora anual de GEE do mundo.
Este foi o pano de fundo da assinatura do Acordo de Paris, em 2015. Um dos objetivos foi alcançar uma solução de continuidade da política climática global que ao mesmo tempo trouxesse os países em desenvolvimento para assumirem mais responsabilidades.
O Acordo de Paris continua partindo do pressuposto de que os países ricos devem assumir a maior parte da responsabilidade – cabe a eles inclusive mobilizar financiamento para mitigação e adaptação para os países em desenvolvimento.
Contudo, o tratado também reconhece que os países em desenvolvimento precisam contribuir no enfrentamento da crise climática, ainda que de acordo com suas capacidades e circunstâncias nacionais.
Isso significa dizer que todo mundo, em alguma medida, participa na conta do clima.
Quem paga quanto
Mas a medida do que cada um deve contribuir para pagar a conta é que não está clara. O Acordo de Paris permitiu que cada país decidisse de forma autônoma.
Copiando a analogia do Observatório do Clima e da Laclima na publicação “Acordo de Paris: um Guia para os Perplexos”, é como se fosse aquela conta de bar: cada um paga o que acha justo de acordo com o que alega que consumiu.
O acordo foi construído na base da confiança de que cada país vai agir com boa fé e dar sua contribuição no espírito de justiça, equidade e cooperação global.
Só que está faltando dinheiro para pagar a conta. Em duas rodadas de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) – o nome pelo qual são conhecidas as promessas de cortes de emissões feitas pelos países –, as propostas são vagas, imprecisas e pouco ambiciosas em relação aos níveis agregados necessários de acordo com a ciência. E não há comprometimento explícito individual dos países desenvolvidos quanto aos níveis de financiamento que eles vão mobilizar.
Existe uma promessa coletiva de viabilizar US$ 100 bilhões anuais até 2025 para os países mais pobres, mas não se sabe se esse financiamento virá na forma de doação pública ou de outros instrumentos privados, o que fugiria do controle do tratado do Acordo de Paris, que diz respeito somente a nações e não tem nenhuma jurisdição sobre atores privados.
Esse mesmo compromisso coletivo havia sido feito no passado, para o período entre 2010 a 2020, e até hoje não foi cumprido. E não há instrumentos legais para cobrar essa conta, principalmente quando não se consegue individualizar o “devedor”, já que a obrigação é dividida por todos os países desenvolvidos.
Queda de braço
A COP27 vai ser palco de uma grande briga sobre essa conta de bar. O governo do Egito, que preside a conferência, vai usar de todos os esforços para obter resultados significativos nas agendas importantes para os países em desenvolvimento, sobretudo nos temas de financiamento à adaptação e perdas e danos climáticos, trazendo o embate ricos vs. pobres para o coração das negociações deste ano.
Cada grupo quer maximizar seus ganhos e minimizar suas perdas. O que deveria ser um instrumento de cooperação global tornou-se uma “queda de braço”.
Parece que os países participantes da COP estão também jogando uma Copa do Mundo, participando de uma competição entre nações cujo objetivo é uma vitória individual ao final.
No caso da COP, a vitória para esses países parece significar sucesso na sua estratégia de negociação para se livrar de responsabilidades. Quanto menor o nível de ambição das decisões da COP, melhor para todos os envolvidos. Certo? Claro que não.
Eles estão jogando o jogo errado. Quando se fala em negociações do clima, só existe vitória real na cooperação e na ambição coletiva. Só existe vitória se todos os países controlarem suas emissões de GEE e atingirem a neutralidade de emissões até 2040.
O objetivo de todos deveria ser definir o quanto é justo que cada país pague para ajudar a resolver o problema coletivo da mudança do clima.
Em 2021, o então primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, declarou que não iria aumentar a ambição das metas climáticas do país, pois isso equivaleria a “assinar um cheque em branco” que poderia sacrificar seu povo. Ninguém quer pagar a conta do bar inteira sozinho, mas também não há sinal de alguém disposto a contribuir um pouco mais para a conta fechar no final.
Na COP27, espero que haja uma conversa honesta e decisiva sobre essa divisão – que é a conta da mitigação, da adaptação e das perdas e danos climáticos -, conversa que está há muito tempo sendo adiada, mais precisamente desde a negociação do Acordo de Paris.
Neste momento, compromissos fracos, recursos parcos e dedos apontados são sinônimo de derrota. Um mundo 1,5°C mais quente é uma derrota para todo o planeta. Países ricos e pobres serão afetados.
O mundo inteiro perde – em particular as futuras gerações – quando os países se acovardam diante do chamado a contribuir no enfrentamento da crise climática.
Foto: Markus Spiske via Unsplash