O Grupo Boticário fechou a emissão de R$ 2 bilhões em debêntures atreladas a metas ESG, os chamados sustainability-linked bonds (SLB).
Nesse tipo de título de dívida, os recursos captados não são destinados a um projeto específico com benefícios sociais ou ambientais, como no caso dos green e social bonds. Nos SLB o uso do dinheiro é livre, mas o custo da dívida varia conforme o atingimento ou não de metas sustentáveis pré-definidas.
No caso do Boticário, são duas as metas escolhidas. A primeira delas é fazer com que 100% do portfólio de produtos de todas as marcas próprias da empresa seja de origem vegana até dezembro de 2026 – em 2022, ano-base escolhido, esse percentual estava em 93,6%.
A segunda meta é utilizar, até 2029, 80% da água de reuso gerada na fábrica de São José dos Pinhais, sua principal unidade fabril. A empresa acaba de construir uma unidade de tratamento de efluentes ao lado da planta com capacidade de tratar toda a água que hoje é descartada ou cerca de 33% do volume total captado.
“Além de fortalecer a estratégia de longo prazo do grupo, por meio desta emissão identificamos a oportunidade de trazer novas pautas relevantes para o mercado e, com isso, influenciar todo o setor”, avalia o CFO do grupo, Marcelo Azevedo, em nota.
Os títulos não foram vendidos a investidores e ficaram com o banco coordenador da emissão, o UBS BB. O enquadramento das debêntures como SLBs foi atestado via Parecer de Segunda Opinião (SPO, na sigla em inglês) da consultoria ERM Nint.
As debêntures têm prazo de sete anos, com vencimento em 2030, e remuneração inicial de taxa DI mais 1,5% ao ano.
A emissão conta com um mecanismo de ‘step up’ de taxa, em que o juro total pago pode subir caso as metas não sejam atingidas.
Caso a meta de produtos veganos não seja cumprida até dezembro de 2026, o spread (sobretaxa) sobre o DI vai a 1,7% ao ano nos pagamentos de juros seguintes, ou seja, o step up é de 20 pontos-base.
Se falhar em cumprir a meta de reuso de água (a ser verificada em dezembro de 2029), o spread irá a 2,3%, se a penalidade de produtos veganos não tiver sido aplicada; e irá a 2,5%, caso o step up da outra meta tenha sido ativado em 2026. Em ambos os cenários, trata-se de uma penalidade de 80 pontos-base, considerada alta para os padrões de mercado, porém aplicável por um curto período, já que os papéis vencem ao fim de 2030.
Não é a primeira vez que o Grupo Boticário faz esse tipo de operação.
Há pouco mais de três anos, a companhia já havia emitido R$ 1 bilhão em SLB, na primeira operação do tipo no mercado doméstico, coordenada pelo Itaú BBA, que comprou todos os títulos. A meta, então, era ter 100% de energia renovável em suas fábricas e centros de distribuição espalhados pelo país.
Vegano
A vasta carteira de marcas proprietárias do grupo – O Boticário, Eudora, Quem Disse, Berenice?, BeautyBox, Vult, O.U.i, Dr. Jones, Tô.que.tô e Truss – já tem a maior parte dos insumos de origem vegetal.
Em 2022, 93,6% dos produtos do portfólio da companhia já eram veganos. ou seja, 6,4% continham ingredientes de origem animal. Mas, em termos de receita, a participação de produtos com matéria-prima animal é superior, em torno de 20%. E a explicação para isso é que produtos-chave do portfólio ainda não fizeram a migração.
O Boticário se comprometeu a encerrar este ano com 95,4% de seu portfólio totalmente vegano, número que deve subir para 98% em 2024 e chegar na totalidade já em 2026 (as metas intermediárias não fazem parte do SLB).
Para chegar lá, planeja investir R$ 2 milhões. No entanto, o grupo admite ainda não ter conseguido encontrar uma forma de substituir algumas matérias-primas animais, como leite de vaca e mel de abelha.
Um primeiro passo para solucionar esse problema foi dado em 2021, quando a companhia investiu em torno de R$ 5 milhões para pesquisar formas de trocar os componentes.
Do zero aos 80%
Até o ano passado, a fábrica do Boticário localizada em São José dos Pinhais, que representa mais da metade do consumo de água do grupo, ainda não utilizava a água de reuso.
No ano passado, a empresa fez um investimento de R$ 9,5 milhões em uma estação de tratamento e os primeiros resultados começaram a aparecer este ano. Em outubro, a unidade havia utilizado 10,33% da água de reuso e a meta é terminar 2023 com cerca de 12%.
A empresa promete investir mais R$ 3,5 milhões nessa frente em 2024 e chegar a 15% de utilização da água de reúso no ano e 30% em 2025.
Segundo o parecer da ERM Nint, a companhia não está muito atrás de suas concorrentes nesse quesito. Os principais pares do grupo não possuem metas relacionadas à reutilização de água.
Pelos investimentos envolvidos, a Nint observa que o desafio para atingir a meta não está tanto no aspecto financeiro, mas sim em adaptar sua infraestrutura e transformar sua cultura interna.