Em 1990, durante uma missão espacial, a sonda Voyager tirou uma fotografia da Terra a seis bilhões de quilômetros de distância. A ideia de fazer um registro havia partido do astrônomo americano Carl Sagan, um dos maiores divulgadores da ciência no século XX.
“Não há, talvez, melhor demonstração da tola presunção humana do que esta imagem distante do nosso minúsculo mundo. Para mim, destaca a nossa responsabilidade de sermos mais amáveis uns com os outros, e de preservarmos e protegermos o ‘pálido ponto azul’, o único lar que conhecemos até hoje”, afirmou Sagan.
Quase três décadas depois, as palavras do astrônomo não poderiam ser mais atuais. A crise provocada pela covid-19 nos mostrou que não é mais possível ignorar os sinais de esgotamento do modelo econômico atual, que extrai mais valor do planeta e da sociedade do que consegue regenerar. Daí a oportunidade histórica para repensarmos esse modelo.
Sou capitalista até o último fio de cabelo, mas não quero só gerar lucro pros acionistas. Quero gerar valor para todos os stakeholders com quem nossa instituição se relaciona.
Nesse sentido, nos dá muita esperança ver o crescente interesse de investidores e empresas por seguir os princípios ESG. Recentemente fizemos a primeira emissão de green bonds certificados entre os bancos privados brasileiros.
Para “testar as águas”, nossa opção foi por fazer uma emissão relativamente modesta, de 50 milhões de dólares. Aprendemos lições valiosas com essa experiência.
A primeira é que há grande apetite por investimentos desse tipo. A procura pelos papeis foi cinco vezes maior que a disponibilidade. A segunda, que o custo para esse tipo de emissão é praticamente o mesmo de uma operação tradicional — a única diferença foi o custo da própria certificação, feita pela Climate Bonds Initiative.
A terceira lição é que existe uma grande variedade de projetos de qualidade em que esses recursos podem ser investidos. No caso desta emissão, o valor será alocado em projetos de energia eólica e solar, mercados em que o BV já atua há alguns anos.
Mudança além dos produtos
Esse é um caminho sem volta — e o setor financeiro tem que ser o grande motor dessa transformação. Nos últimos anos temos assistido a um crescimento exponencial das chamadas finanças verdes e de impacto.
Só em 2019 o mercado de emissão de títulos verdes, sociais e sustentáveis alcançou quase 460 bilhões de dólares em todo o mundo, mais de sete vezes o total emitido em 2015. Grandes investidores internacionais, como fundos soberanos, começam a vetar investimentos em companhias que não tenham boas práticas ambientais, sociais e de governança.
Em todo o planeta, risco climático começa a ser entendido como o que de fato é: risco para os negócios, algo que deixou de ser conversa de ambientalistas e passa a ser uma preocupação de todos. Espero que em breve os chamados investimentos de impacto social, ainda embrionários no Brasil, se multipliquem como acontece no exterior.
Para que a preocupação com a sustentabilidade avance, no entanto, é preciso que ela vá além do desenvolvimento de produtos verdes, doações para projetos de terceiro setor e da análise de riscos sócio ambientais, ela precisa permear toda a estratégia e cultura das empresas.
Que tal metas ESG para todos executivos, assim como, o mercado fez recentemente com o tema de satisfação de clientes (NPS)?
O grupo Votorantim, um dos sócios do BV, tem uma frase que resume bem seu principal valor: só tem um jeito de fazer negócios, o jeito certo. O atual jeito certo inclui transparência, inclusão e impacto em toda sociedade.
Se cada boa empresa do Brasil se engajar nesse espírito, o país não terá mais metade da sua população economicamente ativa sem ensino médio, 30% das residências sem esgoto tratado, mais de 20 milhões de pessoas morando em favelas e o desperdício de vidas pela violência urbana.
Temos agora uma grande oportunidade de usar a crise da covid-19 como um um fator de aceleração da consciência socioambiental, tanto entre líderes de empresas quanto na sociedade em geral.
Se há algo que a pandemia mostrou é que estamos todos no mesmo pálido ponto azul, o único lar que conhecemos.
* Gabriel Ferreira é CEO do banco BV. Há 8 anos no BV, esteve à frente das áreas de estratégia corporativa, varejo, marketing e inovação, conduzindo uma agenda de conexão com fintechs e startups, liderando investimentos em corporate venture e M&A estratégico. Casado e pai de dois filhos, é Bacharel em Economia pela PUC-RJ e tem um MBA Executivo pela Stanford University.