No Itaú, o esboço de um 'endowment model' à brasileira

Usando experiência de fundações sociais da casa, banco lança modelo de gestão de recursos para os crescentes fundos patrimoniais. O segundo maior endowment do Brasil já embarcou

No Itaú, o esboço de um 'endowment model' à brasileira
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O avanço na cultura de doações e uma lei aprovada em 2019 fizeram florescer no Brasil o mercado dos endowments, criados para perpetuar causas filantrópicas.  PUC-Rio, Unesp, Unicamp e Museu de Arte do Rio são algumas das instituições que pretendem criar seus fundos patrimoniais. 

Grosso modo, nesses veículos, a ideia é que as doações fiquem intactas e sejam usadas para gerar rendimentos capazes de entregar independência financeira à causa apoiada, seja ela incentivo à pesquisa, saúde, arte ou educação.

Se, por um lado, o grande desafio inicial é colocar esses fundos de pé, por outro o mercado financeiro vem se sofisticando para oferecer soluções pensadas exatamente para eles — que têm como característica essencial o longuíssimo prazo de investimento, uma estratégia de gestão ainda rara num Brasil em que até o passado é incerto. 

De olho nesse mercado, o Itaú decidiu se valer da experiência de décadas administrando institutos e fundações sociais da própria casa ou das famílias acionistas para oferecer uma espécie de ‘endowment model’ à brasileira. 

Na mira, estão não apenas os novos fundos que estão sendo criados a partir da maior segurança jurídica trazida pela lei 13.800, mas também institutos e fundações parrudos que precisam se sofisticar em meio ao novo normal dos juros baixos da renda fixa. 

“Ainda não dá pra ter clareza do tamanho do mercado aqui, mas posso afirmar que ele é grande. Primeiro, os fundos constituídos têm desafios enormes de gestão dos recursos. Segundo, porque é um mercado que vai crescer em quantidade”, diz Pedro Boainain, chefe da área de soluções institucionais globais da Itaú Asset. 

Entre as suas atribuições está a gestão dos institutos e fundações sociais do grupo, e de lá saiu seu caso de vitrine: o Instituto Unibanco. 

Criado em 1982 para apoiar iniciativas de aumento da eficiência do ensino público, o instituto nasceu com o aporte de ações do Unibanco por parte da família Moreira Salles. Por quase três décadas, foram majoritariamente os dividendos gerados pelo banco, depois fundido ao Itaú, que financiaram os projetos. 

“A concentração era obviamente um risco gigantesco”, diz Boainain. “Até que há cerca de 12 anos veio a provocação: que tal diversificar e fazer a gestão nos moldes dos endowments de fora do país? Eles toparam.”  

Ao longo dos anos, o instituto vendeu gradualmente a maior parte das ações do Itaú Unibanco, que hoje ainda representam uma fatia relevante, mas inferior a um quinto do portfólio. 

Com a gestão ativa, desde 2009 o fundo teve uma rentabilidade de IPCA + 8% ao ano — o que permitiu não só pagar as contas, que giravam em torno de inflação mais 3% ao ano, como expandir seus objetivos. Antes focado apenas em São Paulo, passou a atender outros três Estados, incluindo Minas Gerais, que tem o maior número de municípios do país. 

Peixe grande 

A experiência com o Instituto Unibanco trouxe para o Itaú um peixe grande: a Fundação Zerrenner, segundo maior endowment do Brasil, com patrimônio estimado em mais de R$ 40 bilhões, e cogestora da Ambev, com 10,2% do capital. 

Criada a partir do desejo do casal fundador da cervejaria Antarctica de destinar seu patrimônio em benefício dos funcionários da companhia, a Zerrenner financia o plano de saúde de mais de 70 mil funcionários e dependentes da Ambev — numa conta que começou a se tornar difícil de fechar nos últimos anos com a disparada da inflação médica. 

“No ritmo em que estávamos não era uma questão de ‘se’ mas quando íamos começar a vender o patrimônio”, disse Edson De Marchi, diretor da Zerrenner, em teleconferência promovida pelo banco. 

O primeiro passo foi começar a diversificar o patrimônio, então concentrado em ações de Ambev. Em 2016, comprou 15% das ações ordinárias da Itaúsa, controladora do Itaú e da Duratex. 

E, no começo deste ano, fechou uma parceria com a asset do Itaú para gerir de forma mais estruturada e diversificada a parcela da carteira que não está nos dois papéis. “Percentualmente é um valor pequeno”, diz Boainain, sem citar números. “Mas em números absolutos é um valor grande.”

“Felizmente, a fundação ainda tem e vai ter um fluxo de dividendos relevante anualmente pelas participações que detêm em Ambev e Itaúsa, mas o que procuramos é diluir o risco dessa carteira no tempo, porque sabemos que crises acontecem. E, se eventualmente eu não receber dividendos, como eu pago a conta da saúde?”, questiona De Marchi. 

Dois pilares 

Com um mercado com grandes fundos patrimoniais que não enchem muito mais que os dedos das mãos, o Itaú — assim como outras casas — vem desenvolvendo estruturas de apoio para desenvolvimento de endowments menores, que vão desde o planejamento financeiro e sucessório na divisão de wealth, até serviços de estruturação e auxílio na escolha do projeto. 

A gestão dos recursos, independentemente do tamanho do fundo, parte de dois pilares. 

O primeiro é a perenidade do fundo, que na grande maioria dos casos não tem prazo para desinvestimento ou dissolução. O segundo é a previsibilidade: a necessidade de fluxos de caixa periódicos para fazer frente às despesas, corrigidas pela inflação. 

É uma conversa muito caso a caso para entender quais as necessidades do projeto.

Um pacote básico para um fundo patrimonial já um tanto mais diversificado tem ativos ligados à inflação, como NTN-B, além de crédito privado e ações ‘bond-like’, com fluxos de dividendos ligados a índices de preços, como transmissoras de energia.  

De telescópio

Com esses dois pontos equacionados, vem o terceiro, de crescimento — que permite não só perpetuar, como aumentar o alcance dos projetos. 

“O grande benefício do ponto de vista de estratégia é poder focar de fato no valor profundo das coisas e fechar o olho para o ruído de curto prazo”, diz. 

É a teoria do ‘endowment model’, criada por David Swensen, que liderou por mais de 30 anos o fundo patrimonial da universidade de Yale e revolucionou o modo como esse tipo de veículo faz sua gestão. (Numa triste coincidência, Swensen faleceu ontem, aos 67 anos.)

Lá fora, os endowments costumam carregar uma boa fatia em investimentos alternativos e pouco líquidos, como venture capital, private equity, real estate e fundos florestais. 

No Brasil, diz Boainain, a diversificação para esses ativos ainda é mais complicada, porque as opções domésticas são relativamente escassas.

Hoje, o Instituto Unibanco tem entre 5% e 6% de ativos ilíquidos. “Tem private equity, tem fundo florestal, que é um case muito bom e cai muito bem. A gente conseguiu fazer aqui e tem sido sensacional, mas é longe da fatia que considero ideal.”

Um imbróglio jurídico ainda não dá conforto para investir no exterior: para ter isenção de impostos, o código tributário diz que ‘os recursos’ precisam ser alocados no Brasil. Na prática, trata-se dos recursos voltados aos projetos (a atividade-fim) e não os recursos investidos (atividade-meio). Mas ninguém topa a briga com o Fisco. 

Outro ponto para quem quer crescer é que é preciso estômago. Se no Instituto Unibanco, o filme é bonito, dependendo do momento em que foi tirada, a foto assusta. 

Ao longo dos últimos 11 anos, houve períodos de performance negativa: incluindo no auge da crise do coronavírus, no começo do ano passado, quando o patrimônio chegou a cair 25%. (No consolidado do ano, houve uma valorização de 2%.)

“Para chegarem nesse retorno, eles entenderam que um fundo patrimonial tem uma visão de longo prazo e no curto prazo, ele balança muito”, conta. Em nenhum momento, diz ele, o fluxo de caixa foi prejudicado. 

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