“Estamos diante da maior onda regulatória, em termos de sustentabilidade, da nossa história.”
A constatação é de Rodrigo Gaspar, co-diretor executivo do Sistema B Brasil, unidade local de um movimento global que certifica empresas em busca de resultados positivos sociais e ambientais, para além do econômico.
O Sistema B revisou suas exigências para o processo de certificação de empresas. Entre as novidades estão avaliações sobre trabalho justo, o que inclui aspectos de salário digno, e cálculo de emissões de carbono.
Os novos requisitos valem para as adesões a partir do segundo semestre de 2025 e para as companhias que já integram a iniciativa, à medida em que elas se recertificarem, o que acontece a cada três anos. Hoje, 9.442 empresas em 105 países – 342 no Brasil – integram a iniciativa.
“A evolução dos nossos padrões vem para responder a magnitude dos desafios que temos”, diz Gaspar. Nos 18 anos do Sistema B, criado nos Estados Unidos em 2006, essa é a sétima revisão dos critérios de certificação.
Gaspar destaca que, de um lado, a Europa tem apertado as regulações ambientais para empresas que atuam ou fazem negócios com o continente e, de outro, o Brasil viveu neste ano a maior incidência de catástrofes climáticas da nossa história, o que afeta os negócios.
Os riscos climáticos estão no top três da gestão de riscos de todas as empresas que fazem esse gerenciamento de maneira séria, segundo ele.
A certificação do Sistema B tem exigências consideradas fundamentais, que são eliminatórias. Elas incluem ter mais de um ano de operação, visar o lucro, operar em um segmento de mercado competitivo, não pertencer a uma indústria controversa, estar de acordo com requerimentos legais e preencher uma avaliação de impacto.
Também há requisitos de desempenho, com avaliação sobre propósito e governança de stakeholders; cultura e ambiente de trabalho; justiça, equidade, diversidade e inclusão; ação climática; gestão ambiental e circularidade; assuntos governamentais e ação coletiva.
As mudanças nos requisitos são resultado de uma consulta pública feita pelo Sistema B Internacional realizada entre janeiro e março de 2024, que contou com a participação de mais de mil empresas e representantes de diferentes setores.
Trabalho justo
Direitos trabalhistas antes estavam dispersos em diferentes categorias da avaliação do Sistema B e agora serão consolidados em um novo tópico chamado “trabalho justo”, que abrange aspectos como salários dignos.
Uma das novas fronteiras do S de ESG, o salário digno pressupõe que a renda do trabalhador seja suficiente para que ele possa pagar os seus gastos com moradia, saúde, educação, alimentação – ou seja, aquilo que deveria ser o verdadeiro ‘mínimo’.
Dentro do Estado de São Paulo, por exemplo, esse valor pode variar até 40% entre cidades, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Anker Research Institute e o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). Os moradores da capital precisariam receber R$ 3.882 para ter uma vida digna, enquanto no litoral sul paulista o valor seria de R$ 2.746.
Em ambos os casos, o montante é bastante superior ao salário mínimo nacional, de R$ 1.412.
“O salário justo, dentro dos nossos padrões, traz um olhar para um nível do que é decente para o colaborador e para suas famílias, dentro de um espaço de equidade salarial entre os trabalhadores”, diz Gaspar.
Segundo ele, uma das perguntas mais famosas que a avaliação de impacto do Sistema B traz é qual é o coeficiente entre o maior e o menor salário da empresa. É comum o CEO receber centenas de vezes mais do que o salário médio ou do que o menor salário da companhia.
“Quanto menor o coeficiente for, mais pontos a empresa ganha em nossa avaliação. Quando trazemos um indicador de desempenho, a velha economia começa a enxergar e a traçar metas”, diz Gaspar.
Dentro das perguntas dos novos padrões, existem questões sobre se a empresa paga um salário digno e se as remunerações são negociadas coletivamente, além de se a empresa possui medidas de equidade salarial, se e como calcula a diferença salarial entre gêneros, raça e orientação sexual.
E isso vale para a cadeia de valor. Gaspar traz um exemplo: empresas que pagam seus fornecedores em 120 dias precisam refletir se isso cria condições para que eles paguem salários dignos aos seus funcionários.
“A gente começa a fazer métricas para que essa reflexão e essa transformação aconteçam. A partir da próxima avaliação, será determinado um índice de evolução entre uma recertificação e outra”, explica. As empresas terão metas, com avanços que vão variar a depender do tamanho, do setor e do país de atuação.
Pegada de carbono
Outro ponto que passa a ser abordado na certificação é o cálculo de emissão de carbono. Ferramentas simplificadas para o cálculo e alternativas para ações coletivas serão oferecidas, facilitando o cumprimento de metas climáticas mesmo para empresas de pequeno porte.
Ele explica que a ideia é que o Sistema B traga correspondências conceituais e equivalências de relatórios que já existem, como os do Greenhouse Gas Protocol, padrão usado pelas companhias de grande porte.
Para empresas pequenas que não têm inventários, a indicação será de ferramentas e calculadoras que partem de premissas conceituais de órgãos de referência.
Este é um requisito de desempenho dentro da certificação do Sistema B e tem um peso maior para grandes emissoras.
“Agora temos uma lei de mercado de carbono aprovada, vamos ter cada vez mais regulamentações para que esses limites fiquem mais claros”, diz Gaspar.