Algas, resíduos agrícolas e bactérias. Essas são algumas das apostas mais inusitadas de startups para substituir derivados de combustíveis fósseis na indústria da moda.
O setor é responsável por 4% das emissões mundiais de gases de efeito estufa, ou 2,1 bilhões de toneladas anuais, de acordo com a consultoria McKinsey e a rede Global Fashion Agenda, que reúne empresas, pesquisadores e organizações comprometidas com a transição.
O total é apenas um pouco inferior aos 2,3 bilhões de toneladas de emissões brasileiras de carbono (ou o equivalente em outros gases) em 2023.
Levando em conta toda a cadeia produtiva do setor da moda, o elo mais problemático é o primeiro, responsável sozinho por 38% das emissões. É nele em que está justamente a produção de matérias-primas.
Isso é explicado pela força do poliéster, sintético gerado a partir do petróleo ou gás. Ele representou 57% das 124 milhões de toneladas de fibras fabricadas em 2023.
Nylon, polipropileno, elastano e acrílico, outros derivados de combustíveis fósseis muito usados no setor, também são um problema. Eles têm juntos mais 10% do mercado. Os dados são do Material Market Report.
Correndo por fora, está o algodão com 20% da oferta de fibras. Apesar de orgânico, o material também tem impacto ambiental e climático relevante, seja pelo consumo de água e ou pelo uso de defensivos agrícolas nas plantações.
Nova geração
Encontrar substitutos para as fibras sintéticas não vai dar conta da transição necessária para a indústria da moda, mas é parte essencial dos esforços. Estima-se que 40% da descarbonização do setor dependerá desses novos materiais e de soluções limpas para etapas cruciais – e muito poluentes – da produção de roupas, como o tingimento e lavagem dos tecidos.
O cálculo é da aceleradora Fashion For Good e do Apparel Impact Institute, que financia iniciativas de descarbonização e oferece análise de dados para o setor.
O desenvolvimento de materiais de nova geração acontece principalmente dentro de startups de alta tecnologia. O maior desafio ainda é obter escala, diz ao Reset Christiane Törnberg, diretora de inovação e pesquisa da organização sueca H&M Foundation.
Inovações seguem uma curva de custo e adoção, afirma Törnberg, cuja entidade atua de forma independente em relação à H&M, um dos maiores grupos de fast fashion do mundo.
“Há uma tendência de comparar os novos materiais com os convencionais sem olhar para o todo. Minha impressão é que a indústria está ciente disso e há interesse [nas novas alternativas], mas também acho que ela é desafiada pela necessidade de manter margens”, diz.
Um dos objetivos da fundação é financiar startups focadas em moda e que estão dando os primeiros passos. Ao todo, 44 companhias receberam 200 mil euros cada uma, totalizando 8 milhões de euros.
É pouco diante do US$ 1 trilhão que será necessário para levar a moda ao net zero, segundo um cálculo.
Mas algumas ideias têm se mostrado promissoras, como os biossintéticos desenvolvidos pela brasileira Phycolabs.
Fios de algas
Uma das apostas para substituir o poliéster e o náilon é usar fibras de algas marinhas. A Phycolabs promete produzir os fios sem nenhum componente químico (foto).
“A gente está falando da matéria com a maior taxa de crescimento do planeta, que pode crescer do sul ao norte. Ela não precisa de pesticidas e de inseticidas. Não precisa de água doce. Só precisa de água do mar, sol e CO2”, diz Thamires Pontes, fundadora e diretora-executiva da Phycolabs.
Em outras palavras, o material desenvolvido pela companhia não só evitaria o uso de combustíveis fósseis como ajudaria na remoção de carbono da atmosfera.
A tecnologia da Phycolabs está em processo de patente. Em linhas gerais, ela faz uma extrusão dos fios nas mesmas máquinas da indústria que hoje produzem fios de viscose. Em vez de celulose, entra a alga no início da linha de produção.
A empresa, uma das vencedoras da premiação da H&M Foundation no ano passado, ainda espera realizar a primeira rodada de captação de investimento este ano para construir um laboratório. Até agora, apenas protótipos foram feitos. A Phycolabs fica baseada na cidade de São Paulo.
Química renovável
A britânica Algreen está num estágio mais avançado. A empresa já fechou parceria com cerca de 20 marcas europeias para testar sua alternativa verde ao poliuretano, um tipo de plástico muito usado como couro sintético, espumas e outras aplicações.
A tecnologia da startup consiste de um método para reaproveitar restos orgânicos e transformá-los no insumo básico para a fabricação de novos materiais.
“Escolhemos resíduos agrícolas, porque eles não competem com a produção de alimentos. Além disso, precisamos daqueles com um fornecimento consistente. E, ainda mais importante que isso, eles precisam ser realmente rentáveis”, ressalta Roderick Thackray, diretor de operações da startup.
A empresa se descreve como uma indústria de químicos renováveis, mas, a julgar por suas ambições, o plano é um pouco diferente do que se vê tradicionalmente no setor: em vez de operar suas próprias plantas, a Algreen pretende licenciar sua tecnologia.
A expectativa é que três fabricantes de poliuretano tradicional apliquem o sistema da startup em suas próprias instalações, afirma Thackray.
Bactérias tintureiras
A Aiper, uma startup brasileira que desenvolve tingimentos produzidos a partir de bactérias, também baseia o negócio em um modelo de licenciamento de sua propriedade intelectual.
Mas, diferentemente de Zhixuan Wang, uma PhD em engenharia química que fundou a Algreen, Ailton Pereira, CEO e criador da Aiper, não veio originalmente do mundo da ciência.
Ele formou-se em moda, e foi no mestrado que enveredou pelo caminho da biotecnologia, pesquisando estratégias para aumentar a produção de pigmentos por bactérias.
“Minha pesquisa foi focada na otimização do meio de cultivo das bactérias, como o tipo de alimento que entra no fermentador. Descobrir isso foi o que levou a produção de pigmento a ser três vezes maior do que o esperado e motivou o pedido de patente”, explica Pereira.
Depois da produção das fibras, o tingimento é a etapa que mais emite carbono na cadeia da moda: cerca 15% do total do setor.
A conta inclui a produção das tintas e também a operação industrial. Pereira afirma que seu produto, além de orgânico, exige menos água e pode ser aplicado em temperaturas mais baixas.
A têxtil Capricórnio e a varejista Renner estão experimentando as tinturas da Aiper. Mas o foco é começar a produção comercial este ano com marcas menores como Insider e Piet.
Depois de anos de estudo, testes e R$ 2 milhões levantados, as tintas de cor violeta são que estão prestes a entrar no mercado. Falta apenas uma dos oito normas de qualidade exigidas pela ABNT.
Para Ailton Pereira, os biopigmentos têm tudo para chegar a outros produtos. O uso em cosméticos, papel, inseticidas e até alimentos está na mira das pesquisas.
Apesar das ideias começarem a mostrar sucesso fora do laboratório, não vai ser simples substituir a matéria-prima da indústria da moda e ganhar escala.
Seja com algas, resíduos agrícolas ou bactérias, é necessário correr contra o relógio. 2050 – e o net zero – estão logo ali.