Marco do hidrogênio coloca lupa sobre a ANP – e seus desafios

Responsável por regular e fiscalizar a produção do 'combustível do futuro', agência terá protagonismo na transição energética

Ilustração mostra o CO2 sendo substituído por H2, o símbolo do hidrogênio
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O marco legal do hidrogênio, que acaba de ser criado pela Lei nº 14.948, de 2 de agosto de 2024, atribui à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a competência para regular, autorizar e fiscalizar atividades do hidrogênio, assumindo um protagonismo ainda maior na transição energética. E isso em um cenário em que tanto a ANP quanto outros órgãos reguladores sofrem com desafios de estrutura e mão de obra.

De acordo com a lei, a ANP está expressamente autorizada a usar o arranjo denominado “sandbox regulatório” na elaboração de normativos relacionados às atividades previstas na lei, bem como a adotar soluções individuais até que seja editada regulação específica. 

Essa autorização resulta em eficácia imediata para suas novas atribuições. Outros temas tratados na lei deverão depender, necessariamente, de regulação para que produzam efeitos práticos ou, até mesmo de novo projeto de lei, no caso de dispositivos que foram vetados a respeito do Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC).

A lei institui o marco legal do hidrogênio “de baixa emissão de carbono”. Mas as competências atribuídas à ANP (por meio de alteração na Lei do Petróleo – Lei No. 9.478/97) são amplas e não se restringem ao hidrogênio que se enquadre nessa classificação. 

As atividades relativas a qualquer hidrogênio, independentemente de ser classificado como verde, de baixo carbono, renovável, natural ou de outro tipo deverão portanto ser objeto de regulação, autorização e fiscalização pela ANP.

Com base na nova lei, a ANP passa a ter competência para regular, autorizar e fiscalizar:

. A exploração e produção do hidrogênio natural, sendo que o regulamento estabelecerá as modalidades de outorga a serem praticadas;

. A produção de hidrogênio, incluindo o renovável e de baixa emissão de carbono a partir do uso de energia elétrica, sendo necessária a coordenação com outras agências reguladoras caso utilize em seus processos produtivos insumos regulados por essas agências, conforme será definido em regulamento;

. As atividades relacionadas ao carregamento, ao processamento, ao tratamento, à importação, à exportação, à armazenagem, à estocagem, ao acondicionamento, ao transporte, à transferência, à distribuição, à revenda e à comercialização de hidrogênio, seus derivados e carreadores.

Incentivos para a descarbonização

Cabe também à ANP declarar a utilidade pública, para fins de desapropriação e instituição de servidão administrativa, das áreas destinadas à construção de infraestrutura necessária à produção de hidrogênio; especificar a qualidade do hidrogênio; e supervisionar o Sistema Brasileiro de Certificação do Hidrogênio (SBCH2).

O regulamento definirá as hipóteses de dispensa da autorização para produção do hidrogênio de baixa emissão de carbono, especialmente em relação ao volume produzido e ao uso de hidrogênio como insumo, devendo a atividade ser registrada na ANP.

As autorizações para o exercício da atividade de produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono e seus derivados vigentes na data de publicação da lei serão validadas mediante análise de conformidade pela ANP, que deverá ser realizada em até 180 dias.

Essa previsão tem especial relevância para fins dos incentivos instituídos pelo marco legal – especificamente com relação ao hidrogênio de baixa emissão de carbono, por meio da criação do Rehidro (Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono) e do Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono.

Deve ser celebrada a adição do hidrogênio a outras competências da ANP já relacionadas à transição energética, como os biocombustíveis e o gás natural, que também teve marco legal aprovado recentemente e pendente de regulação. 

Momento desafiador

A nova tarefa chega em hora desafiadora para a ANP e outras agências reguladoras e órgãos governamentais que também serão relevantes para a implementação do novo marco legal. Eles enfrentam desafios significativos decorrentes de cortes orçamentários e déficit de pessoal, conforme amplamente noticiado.

Com a promulgação do marco legal do hidrogênio, o Brasil está diante de uma oportunidade única para diversificar ainda mais sua matriz energética, especialmente para utilização em setores de difícil abatimento das emissões de gases de efeito estufa. 

A ANP, como protagonista nesse processo, terá o desafio e a oportunidade de pavimentar o caminho para o desenvolvimento dessa nova indústria, assegurando que as atividades econômicas reguladas sejam desempenhadas em conformidade com os objetivos de transição ou diversificação da matriz energética, e com a necessária segurança jurídica e regulatória para investidores e empresas.

* Marcello Lobo é sócio do Pinheiro Neto Advogados, tem mais de 25 anos de atuação assessorando financiamentos, formação de parcerias e M&As de empresas responsáveis por projetos de infraestrutura, principalmente nas áreas de petróleo e gás, biocombustíveis e energia elétrica. Atua também em questões regulatórias.