Em 2020, de acordo com o Crunchbase, a proporção de dólares investidos em startups fundadas por mulheres no mundo todo foi de apenas 2,3%, uma queda na já modesta representação de 2019 que foi de 2,8%.
Um levantamento feito a partir de esforço conjunto entre Distrito, B2mamy e Endeavor mostra que, no Brasil, apenas 0,04% do volume investido em startups em 2020 foi para aquelas lideradas por mulheres.
O primeiro passo em direção à mudança é admitir que a desigualdade no acesso ao capital é um problema.
Quando não reconhecemos e nem financiamos o potencial das mulheres que podem se tornar líderes das novas grandes empresas, extinguimos o valor que essas empreendedoras poderiam gerar na sociedade.
Um estudo do McKinsey Global Institute descobriu que o avanço da igualdade de gênero poderia adicionar US$ 12 trilhões à economia global até 2025 — ou cerca de 14% do PIB global de 2019.
Visando desbloquear o potencial social e econômico que permanece represado, tem se consolidado na última década o investimento com lente de gênero. Criado pela primeira vez em 2009, o termo “investir com lentes de gênero” significa incorporar uma análise de gênero no processo de avaliação e seleção dos investimentos.
Ao avaliar oportunidades, os investidores com lentes de gênero buscam tomar decisões levando em consideração o impacto potencial das mulheres e/ou para mulheres.
Há diferentes maneiras de fazer este potencial fluir, como levar mais mulheres à liderança, aumentar o acesso das mulheres ao capital, garantir igualdade no local de trabalho, desenvolver produtos e serviços benéficos para mulheres e meninas, gerar alívio para questões como violência e saúde da mulher, e até mesmo aumentar o número de mulheres investidoras ativas.
As várias lentes de gênero
Por este motivo, as teses de investimento com lente de gênero podem variar.
Por exemplo, para fundos de ativos públicos, como o Trend Lideranças Femininas da XP, é comum que um dos critérios para fazer parte do índice que o portfólio segue seja ter uma representação percentual mínima de mulheres em cargos de liderança e conselho.
Já para fundos de ativos privados, como os VCs para startups Portfolia e Rethink Impact, um dos principais critérios é a presença de mulheres fundadoras.
“Independentemente da tese, a premissa para investir com lente de gênero é que o capital intencionalmente direcionado a melhorar o equilíbrio de oportunidades entre homens e mulheres irá expandir – e não limitar – o bolo econômico. Os benefícios irão então fluir para indivíduos, empresas, comunidades e países”, resume em relatório a Veris Wealth, gestora de patrimônio americana voltada para práticas de impacto.
A prática tem pouco mais de 10 anos e o número de fundos de investimento focados em capital privado que a adotam mais que duplicou desde 2017, quando o Project Sage da Wharton School fez o primeiro mapeamento de 58 fundos.
Em 2020 foram 133 fundos de private equity, debt e venture capital com pelo menos alguma lente de gênero mapeados em todo mundo. Juntos, eles captaram US$ 4,8 bilhões com investidores individuais e institucionais.
Na América Latina, surgiram iniciativas de investidoras, dedicadas a dar acesso às mulheres empreendedoras. A WeXchange foi criada em 2013 no BID Lab e é pioneira em conectar fundadoras com mentores e investidores.
Em 2019 surgiu a WeInvest, comunidade de mulheres com poder de decisão em fundos de investimento em toda a América Latina. Em 2020 surgiu o Mujeres Invertiendo, com grupos no México e na Colômbia.
Além disso, a gestora Amplifica Capital, do México, captou o primeiro fundo para apostar em startups que sejam capazes de gerar impactos positivos na vida das mulheres, ampliando suas oportunidades de inserção na economia.
Aqui no Brasil começam a surgir as primeiras opções para investidores de risco com a proposta da lente de gênero.
No ecossistema de startups, em 2019 surgiu a We Ventures, o primeiro fundo multi corporate venture capital para startups com pelo menos uma fundadora mulher da América Latina, capitaneado pela Microsoft. O primeiro aporte da We Ventures foi para a We Impact, venture builder dedicada a mulheres fundadoras de startups.
Em 2020 entrou em operação o primeiro hub de investimento em startups lideradas por mulheres, a Wishe, que combina soluções como equity crowdfunding e matchmaking com investidores anjo para dar visibilidade às empreendedoras de alto potencial, além de atuar em parceria com a B2mamy, aceleradora focada em mulheres.
Embora ainda relativamente pequenas, as iniciativas apontam na direção do que deveria ser prioridade para todos os investidores preocupados em obter um portfólio com fundadores mais diversos: movimentar capital para startups lideradas por mulheres em estágios iniciais.
Ao mesmo tempo, diversos fundos já estabelecidos passaram a buscar canais de acesso às empreendedoras mulheres.
Trabalho em um fundo de VC e aceleradora internacional e sou frequentemente abordada por colegas buscando indicações de startups lideradas por mulheres. Por outro lado, sou mentora de startups lideradas por mulheres, e noto na prática que essas empresas muitas vezes não conseguem ter fôlego financeiro suficiente para chegar a uma geração de receita considerada atrativa para investidores institucionais.
Se não colocarmos a mão no bolso agora e investirmos intencionalmente já em estágios ultra iniciais nas soluções pensadas e executadas por mulheres, estaremos negando a elas algo que os empreendedores homens e brancos já recebem em alta proporção: o acesso ao risco compartilhado de testar ideias e modelos de negócio, gerando impacto no seu desenvolvimento ou aprendizado para a próxima empreitada.
* Itali Pedroni Collini é economista pela USP e diretora de operações no Brasil da 500 Startups. Ela também é conselheira da Wishe, mentora da Aceleradora B2Mamy e parte do Emerging Venture Capital Fellows.