A 28ª Conferência das Partes, ou simplesmente COP28, começa em três semanas, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
A reunião é considerada a mais importante desde a COP21, que resultou no Acordo de Paris, e não somente por causa da evidente urgência por medidas concretas sobre a mudança do clima.
Em Dubai o mundo vai finalizar a primeira contabilidade dos esforços globais de descarbonização desde o Acordo de Paris, assinado em 2015.
O resultado já é conhecido: estamos muito atrasados. O que importa é o que será feito daqui em diante. O Balanço Global, documento que oficializa esse diagnóstico, também servirá de base para a próxima rodada de planos nacionais, que terão de ser entregues até a COP30, prevista para acontecer em Belém.
As tensões entre países ricos e pobres devem dominar as manchetes mais uma vez, disputando espaço com o poderoso lobby da indústria petroleira, presente em peso no Golfo Pérsico.
Glossário: os termos para entender as negociações do clima
O Brasil, tradicionalmente um construtor de pontes, deve voltar ao centro da ação. Luiz Inácio Lula da Silva vai propagandear o Plano de Transição Ecológica e os avanços no combate ao desmatamento.
Mas o país vai ter de explicar por que a Petrobras segue interessada em abrir uma nova frente de exploração na Foz do Amazonas, contrariando as previsões de um iminente declínio na demanda mundial.
Veja abaixo um resumo dos principais pontos que serão discutidos na COP28.
Balanço Global
O Acordo de Paris estabeleceu a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C, e os países têm de detalhar como vão contribuir para esse objetivo.
Os documentos com esses compromissos são chamados NDCs, de contribuição nacionalmente determinada.
A COP deste ano vai concluir o primeiro Balanço Global (global stocktake) medindo o progresso em relação ao que foi prometido nas NDCs.
Aviso de spoiler: estamos muito mal. Uma análise prévia divulgada em setembro indica que, mesmo que todas as metas nacionais sejam alcançadas, o planeta caminha para um aquecimento de 2,6°C.
O diagnóstico é preocupante. Os aprendizados desse primeiro ciclo de NDCs vão orientar as novas submissões nacionais, e a expectativa é de mais dedos apontados para as grandes economias.
O argumento é que elas enriqueceram jogando na atmosfera o CO2 que nos trouxe até aqui. São elas, portanto, que precisam acelerar o passo da descarbonização.
Esses mesmo países também precisam financiar a transição do mundo em desenvolvimento, que depende de ajuda externa para apresentar e cumprir NDCs mais ambiciosas.
A linguagem do Balanço Global deve ser um dos pontos de maior tensão na COP28.
De um lado, os negociadores terão de manter viva a meta de 1,5°C, o que significa fazer mais e mais rápido. De outro, terão de extrair concessões financeiras de países que lidam com inflação, instabilidade geopolítica e um eleitorado cada vez mais seduzido pelo populismo isolacionista (vide a possibilidade real da volta de Donald Trump à Casa Branca).
As compensações climáticas
Uma tensão entremeia todas as negociações internacionais: os países industrializados são os grandes responsáveis pela crise climática, mas quem paga o maior preço, em vidas e prejuízos econômicos, são os mais pobres.
No ano passado os negociadores superaram um impasse de décadas: a COP27 decidiu pela criação de um fundo para compensar os países mais vulneráveis pelas perdas e danos resultantes da mudança do clima.
Discussões técnicas sobre o funcionamento desse fundo vêm acontecendo desde então. Na quinta e última reunião preparatória, no início deste mês, chegou-se a um acordo preliminar sobre o desenho do mecanismo.
A administração vai caber inicialmente ao Banco Mundial, e os países ricos serão a principal fonte de recursos, com a participação de grandes emergentes (não está claro se o Brasil também terá de fazer depósitos) e bancos multilaterais e entidades filantrópicas.
Ainda existem pontos em aberto. Não se sabe se o fundo terá obrigação de desembolso mínimo nem se o mundo rico terá metas de contribuição compulsórias. Os Estados Unidos defendem um sistema voluntário.
A expectativa é que essas diferenças possam ser resolvidas em Dubai. Bater o martelo sobre esse mecanismo de compensação é uma das medidas do sucesso determinadas pelos Emirados
Árabes Unidos, anfitriões e responsáveis pela presidência da COP28.
O petróleo
A presidência da COP cabe ao país-anfitrião, que tradicionalmente indica um diplomata ou um negociador experiente. Os Emirados Árabes escolheram Sultan Al-Jaber, CEO da Adnoc, a estatal de petróleo do país. (A empresa fez uma oferta de R$ 10,5 bilhões pela parte da Novonor na Braskem.)
A surpresa com o nome logo deu lugar à indignação: como um fórum dedicado a descarbonizar o planeta poderia ser dirigido pelo chefe de uma das maiores petroleiras do mundo?
Cartas abertas e protestos de ativistas não deram em nada. Na COP28, a influência dos combustíveis fósseis vem de cima.
Em suas aparições públicas, Al-Jaber tentou apaziguar os ânimos. Disse que a transição para fontes limpas é inevitável, mas precisa ser gradual e controlada.
A solução proposta por ele, não por coincidência, é a mesma da indústria: vamos reduzir o uso de combustíveis fósseis, mas somente aqueles de “emissões não-abatidas”.
Não existe consenso sobre o que significa essa expressão. No caso de termelétricas a carvão ou gás natural, isso poderia indicar a
a captura do CO2 na fonte.
A tecnologia existe, mas ainda não é comprovada em grande escala. Usar essa qualificação, dizem os críticos, equivale a manter o estado atual das coisas.
A edição mais recente da newsletter Carbono Zero (inscreva-se aqui) traz mais detalhes sobre os interesses conflitantes nessa “Cop do petróleo”.
O Brasil ‘de volta’
Há um ano, Lula foi recebido com rock star na COP27. Então presidente eleito, ele prometeu que o Brasil voltaria ao centro da ação global pelo clima.
Este ano, ele deve mostrar o primeiro resultado concreto do país “sob nova administração”: a redução de 22,3% do desmatamento na Amazônia, de longe a maior fonte de emissões brasileiras.
O número, divulgado nesta quinta-feira, indica que o Brasil está de novo no caminho certo para cumprir o que diz sua NDC, talvez até mesmo antes do previsto.
O governo brasileiro deve usar a conferência para buscar mais recursos, via Fundo Amazônia ou então com a criação de novos mecanismos que viabilizem fluxos de capital privado para atividades de proteção e restauração de florestas.
Nas salas de negociação, a intenção declarada do Itamaraty é tentar diminuir o abismo que separa ricos e pobres.
Eis a abordagem da diplomacia nacional: sem maior colaboração – não apenas financeira – não será possível assumir os compromissos ambiciosos exigidos pela crise.
A posição reflete declarações de Lula a respeito da necessidade de mais financiamento para o mundo em desenvolvimento e também sinaliza a tônica que o país pretende imprimir à COP30, prevista para Belém, em 2025.