COP

No Brasil, uma descarbonização com criatividade e soluções locais

Votorantim Cimentos, Dow Química e Marfrig BRF buscam energias limpas, biomassa e regeneração para acelerar a transição climáticas de seus negócios

Não existe uma receita única de descarbonização que possa ser replicada igualmente em todas as indústrias. Para alguns setores, como o químico, o de cimentos e a pecuária, a missão é particularmente desafiadora e exige criatividade e olhar atento às particularidades locais.

O assunto foi tema de painel do evento “ClimaCorp: Liderança Empresarial na Era da Transição Climática”, promovido pelo Reset nesta quarta-feira (13). O encontro foi patrocinado por Natura, Itaú, BRF Marfrig, Bradesco, Suzano, Banco ABC Brasil e Eletrobras.

Executivos de Votorantim Cimentos, Dow Química e Marfrig BRF falaram sobre os desafios de reduzir as emissões de carbono de seus negócios.

A indústria de cimentos é responsável por aproximadamente 7% das emissões globais de gases de efeito estufa, e elas são parte do processo produtivo atual: o CO2 é um subproduto da reação química que acontece nas fornalhas das empresas. 

O caroço do açaí

No caso da Votorantim Cimentos, a operação no município de Primavera, nordeste do Pará, aproveita a vasta disponibilidade de caroços de açaí para substituir parte dos combustíveis fósseis no processo de produção, reduzindo as emissões da planta.

“Ao substituir a energia fóssil, exploramos também o conceito de economia circular. No Pará, é o caroço de açaí como biomassa. No Rio Grande do Sul, é a casca de arroz. Na Espanha, é o caroço de azeitona. Podemos usar pneus, plásticos não-recicláveis, alumínio, vidro. São elementos que seriam descartados e que apoiam a descarbonização”, disse Alvaro Lorenz, diretor global de sustentabilidade da Votorantim Cimentos.

Cerca de 80% das emissões de uma cimenteira são de escopo 1, ou seja, são diretamente associadas à atividade da companhia. O escopo 2 corresponde à energia comprada, e o 3 a toda a cadeia de valor.

O desafio do setor é grande, mas a resposta beira o óbvio: tecnologia, afirmou Lorenz. Além de inovações no processo produtivo, a Votorantim Cimentos tem investido em inteligência artificial em busca de soluções que permitam um consumo menor de matérias-primas que embutem muito carbono. 

A imposição de limites regulatórios, como o mercado de carbono aprovado no Brasil, também é uma das alavancas da mudança, afirmou o executivo. A empresa tem negócios em países em que o mercado regulado de carbono já está em funcionamento. 

Energia limpa

Mariana Orsini, líder da Dow no Brasil, pontuou que o principal desafio para a descarbonização do setor químico é o grande consumo de energia. Segundo ela, locais diferentes exigem soluções diferentes.

No Brasil, as oito fábricas da empresa já operam com 100% de energia elétrica de base renovável. Mas a abundância de eletricidade limpa não é realidade em outros países.

“A Dow tem buscado novas tecnologias para reduzir as emissões, como é o caso da energia nuclear modular”, afirmou a executiva. A companhia está fazendo diversas parcerias da empresa nos Estados Unidos para usar essa fonte de energia elétrica de baixas emissões de carbono. 

O Brasil poderia aproveitar a matriz elétrica verde para atrair mais negócios? Sim, mas existe um desafio, segundo Orsini: os altos encargos financeiros no consumo de eletricidade. 

“A competitividade que viria de ter uma produção mais limpa de energia não se reflete em um valor premium. O grande desafio é transformar o Brasil neste lugar onde a energia limpa se transforma em um diferencial competitivo”.

Ela avalia que um caminho possível é avançar na forma como se lida com o ambiente complexo dos cálculos de carbono, especialmente no escopo 3, que inclui as emissões do transporte. 

E existe uma outra questão, afirmou Orsini. Nem sempre esse “turismo molecular” faz sentido. Aproveitar as renováveis no Brasil de nada adianta se o produto vai ser transportado longas distâncias em navios que emitem muitos gases de efeito estufa.

O arroto do boi

A potência da pecuária brasileira pode alavancar a liderança do país no cenário global de descarbonização das proteínas animais, segundo Paulo Pianez, diretor global de sustentabilidade da BRF Marfrig. 

“Descarbonizar a pecuária é extremamente importante no Brasil, porque ela responde mais ou menos por 8% do Produto Interno Bruto, são 180 bilhões de dólares”, disse.

A maior fonte individual de emissões da produção de carne bovina é o metano produzido naturalmente na digestão dos animais e que é expelido pela boca – o arroto do boi.

Mitigar esse problema envolve um conjunto de soluções. Uma delas é melhorar a qualidade da alimentação. Um pasto de boa qualidade ao mesmo tempo regenera o solo e acelera o crescimento dos animais, que podem ser abatidos mais cedo.

A Marfrig também usa suplementos na ração usada na fase da engorda. Eles também contribuem para o ganho de peso e ajudam a reduzir a produção de metano durante a ruminação.

Pianez destacou que 85% da produção de gado de corte no Brasil está concentrada nos biomas Amazônia e Cerrado, regiões com altos índices de desmatamento e queimadas. Além disso, o Brasil tem 160 milhões de hectares de pastagens, parte de muito boa qualidade, parte com alto grau de degradação.

“São desafios, porque a depender de como você faz o manejo da pastagem, você pode ter um grande emissor ou um grande sequestrador de carbono. Neste setor, 98% das emissões estão concentradas no escopo 3, ou seja diretamente ligadas à nossa base de fornecimento”, afirmou.