Kiwis na Amazônia: Um encontro com Jacinda Ardern na COP30

Kia ora, Tēnā koe.

Com essas palavras do meu minúsculo vocabulário em Te Teo Maori, a língua indígena da Nova Zelândia, dei meu “oi” à ex-primeira-ministra Jacinda Ardern, com quem tive a alegria de algumas boas conversas em Belém, durante a COP30. Nos últimos anos, essa jovem líder da pequenina nação de ilhas do Pacífico Sul conquistou corações no mundo todo, com um sorriso fácil e largo e uma maneira simples e direta de se comunicar.

Jacinda Ardern deu luz à sua primeira filha no auge da carreira política, respondeu ao massacre numa mesquita em Christchurch, lidou com a erupção de um vulcão que transformou turistas em vítimas, além de incêndios e enchentes que obrigaram muitas pessoas a deixar suas casas, minha família e eu incluídos. Já conto por quê.

Antes, preciso dizer que viver na Nova Zelândia durante o governo de Ardern foi uma experiência e tanto. Contrastando com personagens políticos usuais, ela aparecia como uma liderança leve, ligada às pessoas, contando suas histórias de vida e transmitindo vídeos direto do celular com naturalidade de menina. Levava mensagens sérias em linguagem clara. Por um bom tempo, Jacinda Ardern foi unanimidade nacional, mas sua lua-de-mel com a nação não durou para sempre, claro.  

Em Belém, almoçamos juntos em um sofisticado barco de madeira que estava atracado numa marina. Ardern vestia roupas leves de tons claros, discreta. Estavam conosco duas jovens políticas brasileiras, ambas no exercício de seus mandatos e muito animadas com o encontro.

A conversa tratou da resistência e do preconceito contra os políticos, que atinge mulheres e jovens de forma ainda mais intensa. Na Nova Zelândia essas dificuldades também existem, e Jacinda Ardern escreveu sobre elas em A Different Kind of Power (Um tipo diferente de poder, em tradução livre), sua autobiografia recém-lançada.

Vi ali um compartilhamento de angústias, mas principalmente de vontade e determinação que leva essas jovens a exercer esses papeis totalmente expostas à dureza da crítica pública. A conversa reforçava a importância da renovação e da identificação de lideranças ancoradas na realidade.

Na fronteira da crise climática

Fomos juntos visitar o Museu das Amazônias, que trazia uma experiência imersiva e também as fotografias de Sebastião Salgado, exibindo suas viagens por esse bioma. Incêndios e enchentes marcavam presença.

Algumas pessoas pareciam reconhecê-la, mas não avançavam para abordá-la. Aquela exibição nos fazia refletir sobre as múltiplas crises que estamos vivendo, as mudanças do clima e as comunidades impactadas.

Foi na Nova Zelândia que tive duas das experiências mais intensas com eventos climáticos extremos. Na primeira, tivemos que sair de casa às pressas por conta de um incêndio que se aproximava perigosamente. Alguns anos depois, os bombeiros nos acordaram no meio da noite depois de um deslizamento de terra provocado por enchentes.

Saindo de casa, vimos nossos vizinhos trabalhando, com suas botas e ferramentas domésticas ajudando a colocar ordem na rua. Os kiwis, como são conhecidos os neozelandeses, são voluntários, cidadãos resilientes e autossuficientes, orgulhosos do seu trabalho pessoal e da participação no cuidado do espaço público. Se é que há uma solução para as nossas crises, ela começa com um olhar para dentro, com a investigação cuidadosa das nossas necessidades, desejos e dos nossos impulsos de consumo. Muito além da transição energética, são os nossos estilos de vida que pedem transformação.

É hora de uma investigação sobre o significado de riqueza, para além dos caprichos materiais. Ar fresco, água limpa, alimentos saudáveis e comunidades vibrantes parecem candidatos óbvios, não vejo muitos outros. Não tenho dúvida de que estamos no caminho de um nível de consciência superior, que virá pelo amor ou pela dor, mas certamente virá. 

Jacinda Ardern me perguntou o que tínhamos ido procurar na Nova Zelândia, tão longe da nossa casa. Respondi que não sabia direito, mas que a nossa vontade era aprender, com aquele povo e naquele lugar, mas também sobre nós mesmos. Fomos lá experimentar viver mais próximos do chão.

O autor com Jacinda Ardern

Sim, a COP importa

É a participação social direta que faz a vida acontecer na Nova Zelândia, o engajamento comunitário. Políticos caminham nas ruas, frequentam os locais do povo e recebem suas críticas. É um povo apaixonado pela natureza e a gestão de seus extensos parques e reservas naturais de livre acesso é uma aula de civilização, além do uso compartilhado de serviços e da sua infraestrutura, rústica e minimalista, mas sempre em ordem.

Conferências como a COP30 têm efeito limitado, mas a reunião em Belém confirmou a sua importância. Organizamos um evento em para discutir sementes e mudas nativas e seu papel na restauração florestal em um pavilhão especialmente montado pelo agronegócio para iniciativas sustentáveis e, surpreendentemente, essa foi a primeira vez que a agricultura teve destaque numa conferência global de clima. Esses são encontros de governos, de origens e ideologias diversas e, mesmo que somente por essa razão, devem continuar a ser realizados. O multilateralismo leva a sociedades mais tolerantes, mais preparadas para enfrentar tempos difíceis sem o recurso às guerras.

O aquecimento global não é o nosso maior problema, mas sim o desafio de compreender o papel da nossa espécie como parte inseparável da natureza, essa mesma que tratamos como recurso infinito à nossa disposição. Construímos o nosso modelo econômico em torno dessa ideia, um tanto quanto limitada e pronta para superação. Chegou o tempo de trabalhar a favor das forças geradoras de vida.

Uma nova política

Jacinda Ardern superou as resistências e chegou ao cargo político mais alto do seu País. Não é demais dizer que mostrou ao mundo um novo modo de fazer política.

Aqui no meu canto, escutando um chamado parecido, juntei as ferramentas e parti para a Nova Zelândia de Ardern, sem muita certeza do que buscava. Com o tempo, a procura foi ficando mais clara. Foi lá que comecei a combinar aquilo que sabia fazer, a advocacia de negócios e finanças, com o que definitivamente não sabia, a promoção da agricultura sustentável, o cuidado com a água, com a produção de serviços ecossistêmicos e tudo mais que passamos a chamar de “soluções baseadas na natureza”.

Essas soluções são ideias que formamos a partir dos ambientes naturais que nos cercam e que trazem em sua defesa bilhões de anos de experiência bem sucedida, em processos circulares infinitos. Quem sabe aprendendo e nos integrando cada vez mais a essas dinâmicas, aumentamos as chances de nos regenerarmos.

Na Nova Zelândia eu tive muitas lições, mas por uma eu confesso que realmente não esperava. Apaixonado por música, mas limitado em meus talentos, nunca tomei coragem para me aventurar na batucada. Lá eu era o brasileiro da vez e, assim, fui convidado para me juntar à bateria da cidade. Resolvi aceitar. Depois de algumas lições e com bastante dedicação, aprendi o gingado até que com alguma categoria.

Pois é. Na Nova Zelândia fui aprender samba.

* Renato Ximenes de Melo é sócio do escritório XiCa Advogados e diretor da Nativas Brasil, entidade que reúne produtores de mudas e sementes