COP30 termina sem mapa do caminho, mas aponta uma direção

Belém – A COP30 chegou ao fim na tarde de sábado (22) com um resultado possível: avanços em financiamento climático, mas sem menções à construção de um mapa do caminho que afaste o mundo dos combustíveis fósseis e sem uma resposta incisiva para que os planos climáticos nacionais sejam mais ambiciosos.

Apesar da formação de um movimento com mais de 80 países para incluir o roadmap ao longo das duas semanas da conferência, os grandes responsáveis pela crise do clima não foram mencionados no “Mutirão Global” nem nos outros documentos aprovados em Belém.

Não se esperava que o tema figurasse nas discussões, muito menos roubasse todas as atenções. Ele foi levantado em discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na reunião de cúpula que antecedeu a abertura da conferência.

Em tensas reuniões que se arrastaram até o raiar do sol no sábado, não foi possível  vencer a resistência dos grandes produtores de petróleo, liderados pela Arábia Saudita e pela Rússia, e também da Índia, uma potência emergente que precisa queimar carvão para se desenvolver.

Um colapso total das negociações não era descartado por observadores veteranos nas horas decisivas. A obtenção de um acordo sobre outros temas representa um sinal positivo quando o multilateralismo está em xeque.

Mas a COP não sai fortalecida de Belém. Combustíveis fósseis deveriam ser o assunto mais importante em conferências do clima e sua mera menção continua um tabu. Poucos esperam avanços na reunião do ano que vem, na Turquia, um país autocrático e alinhado aos russos.

“O Acordo de Paris foi uma aposta histórica para evitar mudanças climáticas perigosas”, escreveram James Dyke e Johan Rockström, dois dos maiores especialistas do mundo em ciência do clima. “Com a conferência de Belém terminando sem a ação decisiva, podemos dizer definitivamente que a humanidade perdeu essa aposta.”

Conversa paralela

O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, anunciou uma iniciativa voluntária da diplomacia brasileira para propor dois mapas do caminho: um para a transição que se afaste dos combustíveis fósseis e outro para o fim do desmatamento.

“Como presidente da COP, é meu dever reconhecer que discussões importantes aconteceram em Belém e precisam continuar durante a presidência brasileira, até a próxima COP”, afirmou Corrêa do Lago. “Sabemos que alguns de vocês tinham ambições maiores para as questões em discussão. Quero reafirmar que vou tentar não decepcioná-los.”

Serão dois relatórios “liderados pela ciência”, mas eles não fazem parte da agenda oficial nem foram encomendados pela COP. Corrêa do Lago também reconheceu a conferência organizada por Colômbia e Países Baixos e apoiada por outros 23 países, para discutir a transição dos fósseis em um ambiente paralelo ao da Convenção do Clima.

O anúncio da iniciativa voluntária de criar os dois mapas do caminho foi o momento mais aplaudido na plenária.

“Idealmente teríamos um roadmap [como decisão da COP], e este grupo serviria de apoio. Mas é um processo complementar, não o vejo como paralelo. Sempre precisamos de espaços de alto nível em que ministros possam se reunir e discutir”, disse ao Reset Jennifer Morgan, ex-enviada do clima do governo alemão e uma veterana da política climática.

Foi um discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura da Cúpula dos Líderes, dias antes do início da COP, que catalisou o movimento pela tentativa de incluir o mapa do caminho nas negociações. 

A tentativa foi frustrada, mas em Johanesburgo (África do Sul) ,na reunião do G20 ele voltou à carga: 

“É do G20 que um novo modelo de economia deve emergir. O grupo é um ator chave na elaboração de um mapa do caminho para afastar o mundo dos combustíveis fósseis. A COP30 mostrou que o mundo precisa enfrentar esse debate. A semente dessa proposta foi plantada e irá frutificar, mais cedo ou mais tarde.”

Decisões

A “Decisão Mutirão” também inclui um chamado para que sejam triplicados os recursos para adaptação climática dos países mais vulneráveis, com a liderança do mundo desenvolvido.

E o prazo para esse salto de US$ 40 bilhões para US$ 120 bilhões foi adiado de 2030 para 2035.

Neste ponto não foi possível superar o bloqueio imposto pelos europeus, obrigados a investir em defesa por causa do avanço russo na Ucrânia e sem a perspectiva de contribuições financeiras dos Estados Unidos.

Não haverá dinheiro novo, como queriam alguns. Os recursos fazem parte da Nova Meta Coletiva Quantificada, que determina US$ 300 bilhões anuais para as nações em desenvolvimento, incluindo mitigação e adaptação, a partir de 2035.

Será estabelecida uma trilha oficial para que o assunto financiamento seja discutido nas duas próximas COPs. Trata-se de um grupo de trabalho, um mecanismo que costuma ter menos força, não resulta em obrigações nem pode ser prescritivo.

O mapa do caminho de Baku a Belém, que diz respeito à mobilização anual de US$ 1,3 trilhão para o mundo em desenvolvimento, foi apenas “notado” pela COP.

A presidência brasileira assumiu o compromisso de seguir desenvolvendo as ideias contidas no documento nos próximos 12 meses, mas foi frustrada a expectativa de que ao menos algumas das ideias fossem incorporadas ao processo oficial.  

Temas como adotar uma série de indicadores para medir a adaptação à nova realidade do clima e como fazer uma transição que não deixe ninguém para trás foram resolvidos, como se esperava.

Comércio internacional

Pela primeira vez, a conferência adotou uma decisão relacionada a medidas comerciais unilaterais, como a sobretaxa de carbono que a UE vai começar a cobrar de certos produtos importados que embutem muitas emissões de carbono.

O assunto será debatido em reuniões que ocorrem no meio do ano na Alemanha com representantes da Conferência das ONU sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e da Organização Mundial do Comércio (OMC). Na COP32, será apresentado um relatório resumindo as discussões.

Embora isso não signifique a abertura de um espaço para a discussão de comércio, a aparição do tema em um documento reflete o caráter cada vez mais econômico das COPs.

Tensão de última hora

Embora sem a mesma aspereza que se viu o fim da COP29, a última sessão plenária em Belém foi interrompida por cerca de 40 minutos quando a representante colombiana ameaçou fazer uma objeção a um dos documentos que haviam acabado de ser aprovados.

Apoiada pelo Panamá e outros países latinos, a Colômbia queria incluir o termo combustíveis fósseis em uma das decisões. A alegação foi de que Corrêa do Lago bateu o martelo antes que o país pudesse se manifestar.

Após consulta com o secretariado da Convenção do Clima, o presidente da COP30 afirmou que as decisões estavam de fato aprovadas e que haverá uma revisão de procedimentos para evitar que esses episódios se repitam no futuro.