Como o Brasil inova para aproximar a COP do ‘mundo real’

O objetivo da presidência brasileira da COP30 é que Belém inaugure uma nova etapa da cooperação global pelo clima: depois de três décadas de negociações, é hora de partir para a implementação.

Isso significa colocar em primeiro plano a Agenda de Ação, um instrumento criado no Acordo de Paris, mas que é pouco compreendido e recebe pouca atenção.

Ele representa o ponto de contato das COPs com o “mundo real”. Somente governos nacionais são parte formal da Convenção do Clima (ou UNFCCC, na sigla em inglês), mas em grande medida quem vai colocar em prática o que eles decidem são empresas, governos subnacionais e organizações da sociedade civil.

A Agenda de Ação deu origem a mais de 600 iniciativas desde sua incepção, como compromissos e metas para reduzir emissões e ou ações de adaptação climática. Mas todas elas são de adesão voluntária e, crucialmente, nunca houve um mecanismo formal de acompanhamento.

A ambição da presidência da COP30 vai além de um esforço de organização. É difícil avançar em alguns dos temas mais críticos tratados nas salas de negociação, pois tudo depende de consenso entre os quase 200 países que integram a UNFCCC.

Já as iniciativas dessa outra agenda não estão sujeitas a essa regra – basta a vontade de agir. O fundo de floresta que será anunciado em Belém e a ideia de uma harmonização dos mercados de carbono mundiais são dois exemplos dessa tentativa de contornar uma das grandes amarras do sistema.

Ordem na casa

A presidência da COP30 tem duas ambições de ordem prática para a Agenda de Ação. A primeira é apresentar uma versão atualizada de tudo o que foi proposto nos dez anos de existência desse instrumento. A segunda é organizar os esforços para que eles estejam mais claramente alinhados ao que é negociado nas COPs.

“Não queremos criar novas iniciativas. Estamos mapeando o que já foi prometido em COPs anteriores e trazendo pra dentro, tentando olhar os resultados [já obtidos]”, diz Bruna Cerqueira, coordenadora geral da Agenda de Ação.

O trabalho é feito em conjunto pela presidência da conferência e pela equipe dos Campeões de Alto Nível do Clima, que também fazem essa ponte com o mundo além da COP.

O esforço foi “bem manual”, segundo Cerqueira, e incluiu descobrir quais iniciativas seguiam vivas. “A gente nem sabia o que estava ativo ou não”. Das contactadas, cerca de 300 responderam e foram convidadas a participar dessa nova fase.

Mas o convite foi estendido com uma condição: ter algum tipo de acompanhamento formal de resultados.

Promessas vazias

Essa sempre foi uma das grandes críticas à Agenda de Ação. Depois de anunciadas no grande palco que são as COPs, muitas promessas ficavam esquecidas, ou simplesmente não eram cobradas por resultados.

“É muito fácil botar um monte de autoridade anunciando um compromisso e saindo numa foto. Difícil é voltar no ano seguinte e contar o que conseguiram de fato”, diz Cerqueira.

Um dos pontos centrais da reformulação idealizada pelo Brasil é garantir algum tipo de prestação de contas – também voluntária, claro, já que a UNFCCC não tem poderes para fazer esse tipo de exigência.

“Não vamos apontar o dedo para ninguém. É uma cenoura. Queremos criar incentivos para os reportes”, diz Cerqueira. Um deles é a visibilidade. Haverá um espaço dedicado na COP30 para que os selecionados possam mostrar o que estão fazendo.

A ideia é ter em Belém um compilado do que “existe, está sendo implementado e dando resultados para o clima e para a economia”, afirma ela. Essa lista também vai identificar eventuais obstáculos e promover troca de experiências. “Aço verde, por exemplo. O que falta para ter mais investimentos?”

Não existe a expectativa de que sejam definidos indicadores unificados e comparáveis. Cerqueira fala no início de um ciclo. “Estamos aprendendo. Não vamos resolver tudo agora.”

Ligando os pontos

Quem atendeu aos critérios foi colocado em um de 30 grupos de trabalho, ou grupos de ativação, na nomenclatura oficial. Eles tratam de construções sustentáveis, recuperação de florestas degradadas ou gestão de resíduos, por exemplo. Num nível acima, foram definidos seis eixos principais.

O desenho embute outra inovação proposta pelo Brasil: ligar diretamente os esforços da Agenda de Ação ao Balanço Global (GST, na sigla em inglês).

Adotado na COP de Dubai, em 2023, o GST é uma das decisões mais importantes tomadas pela conferência em anos recentes. Foi a primeira medição formal do progresso coletivo em relação aos objetivos climáticos do Acordo de Paris.

O resultado não surpreendeu ninguém: o mundo ainda não está no caminho para limitar a 1,5°C o aumento da temperatura do planeta. É preciso fazer mais e mais rápido.

Nos limites do que é possível, considerando a necessidade de consenso, o Balanço Global fez recomendações específicas. Ele contém a primeira menção a “combustíveis fósseis” desde a criação da UNFCCC, na Rio-92.

O texto diz que o mundo precisa fazer uma “transição que se afaste dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de maneira justa, ordenada e equitativa”. Também há menções ao crescimento das energias renováveis e à proteção das florestas.

Avançar – seja com metas concretas ou prazos – é o grande desafio. No ano passado, as tentativas de colocar a transição dos fósseis na agenda oficial naufragaram.

Daí o recurso à Agenda de Ação.

A ‘NDC global’

“A Agenda de Ação deve criar a motivação coletiva para a plena implementação do GST”, escreveu o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, em uma das cartas delineando a visão do Brasil para a conferência.

O texto diz que o GST seria uma “NDC global”, numa referência aos planos nacionais de descarbonização que os países têm que apresentar periodicamente.

A carta de Corrêa do Lago foi publicada em junho, às vésperas da reunião anual em que os diplomatas se reúnem em Bonn (Alemanha) para tentar adiantar as negociações da COP.

A analogia usada pelo embaixador foi interpretada por alguns como uma tentativa de “driblar” o processo formal. Outros entenderam a referência às NDCs como algum tipo de obrigação.

Os brasileiros tiveram de explicar que se tratava apenas de uma figura de linguagem, mas o fato é que colar a Agenda de Ação ao Balanço Global é uma maneira de conseguir avanços que são difíceis e demorados na COP “oficial”.

Falando ao Reset sobre a ideia de uma coalizão voluntária proposta pelo Brasil para precificar o carbono, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Rafael Dubeux, disse isso com todas as letras:

“Para viabilizar iniciativas ambiciosas, a gente tem a dificuldade de construir um consenso, porque [na UNFCCC] tudo tem que ser aprovado unanimemente. A resistência de um só país inviabiliza qualquer tentativa nesse sentido.”

Futuro

Uma Agenda de Ação revitalizada e mais diretamente conectada à agenda oficial da COP será uma das entregas-chave da presidência brasileira.

Em Belém, deve ser aprovado um plano de ação para os Campeões do Clima, que na prática conduzem essa agenda. Esse plano geral precisa ser referendado pelas partes da UNFCCC.

Uma espécie de consulta pública sobre essa estratégia quinquenal recebeu mais de 60 submissões, representando a voz de mais de 120 países (muitas manifestações foram feitas em nome de blocos). Cerqueira afirma que a resposta foi muito positiva.

Mas não existem garantias de que esse novo modelo vá perdurar. Os países-sede têm autonomia para direcionar essa ferramenta – isso explica em parte a profusão de iniciativas acumuladas nos últimos dez anos.

Os brasileiros esperam a definição sobre o anfitrião da COP31 – o impasse entre Turquia e Austrália deve ser resolvido em Belém – para começar um diálogo sobre uma continuidade.

Os limites da ação voluntária

O que é certo são os limites da ação voluntária. Uma das iniciativas mais ambiciosas desse tipo foi a criação do Gfanz (sigla em inglês para Aliança Financeira de Glasgow para o Net Zero).

A megacoalizão, composta por subgrupos para cada braço do setor financeiro, foi anunciada na COP26 com um número estratosférico: os responsáveis por administrar US$ 130 trilhões se comprometeram com o net zero em seus investimentos até 2050.

O Gfanz existe nominalmente, mas foi esvaziado por razões políticas. Por pressão da extrema-direita americana antes mesmo da eleição de Donald Trump e temendo consequências judiciais por supostas práticas anticoncorrenciais, os principais bancos dos Estados Unidos foram os primeiros a abandonar a aliança dos bancos. Este ano, os europeus fizeram o mesmo. “O Gfanz parecia uma ideia que iria pegar. Mas pegou muito menos do que se imaginava. É uma lição de humildade”, disse em entrevista recente o embaixador Corrêa do Lago.