
O propósito ostensivo da cúpula climática realizada na ONU nesta quarta-feira era reafirmar o senso de urgência diante da crise climática. Mas o que todos esperavam mesmo eram as metas de descarbonização da China para 2035.
O país é de longe o maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, e qualquer esperança de limitar o aquecimento global a 1,5°C depende de uma ação determinada – e rápida – dos chineses.
O anúncio foi feito pelo presidente Xi Jinping, em mensagem de vídeo gravada: em 2035, a China mira em uma redução de 7% a 10% de suas emissões em comparação com o pico histórico e vai “se esforçar para fazer mais”.
Os números geraram reações imediatas. Algumas foram taxativas. O objetivo declarado “não está alinhado com o potencial de descarbonização do país nem com a meta de atingir a neutralidade de carbono em 2060”, afirmou em nota Kaysie Brown, diretora-associada do americano E3G, um dos mais respeitados centros de estudos climáticos do mundo.
Outras foram mais comedidas. Pela primeira vez a China se comprometeu com uma redução em termos absolutos. Suas outras contribuições nacionalmente determinadas (NDCs, na sigla em inglês) sempre previam aumento das emissões, justificado pela necessidade de desenvolvimento econômico.
Xi também afirmou que o plano envolve cortes de emissões em todos os setores da economia e cobre todos os gases que causam o efeito estufa.
Pelas regras do Acordo de Paris, que criou o sistema de NDCs, não há exigências em relação ao que os planos nacionais devem conter – cada país decide até onde consegue ir, de acordo com suas capacidades técnicas e financeiras.
O único requerimento é que eles sejam progressivamente mais ambiciosos. Os que devem ser entregues antes da COP30 indicam os objetivos para 2035.
Entrega pode surpreender
O número principal da meta chinesa foi considerado tímido diante de cálculos que indicam a necessidade de reduções até três vezes maiores que as prometidas.
Mas alguns especialistas em política climática fizeram uma leitura cautelosa e menos pessimista.
A NDC completa ainda não foi protocolada. Xi destacou algumas frentes em que o país pretende avançar. Um deles é multiplicar por seis a capacidade instalada de geração eólica e solar.
“Esse número é conservador e significaria uma desaceleração do ritmo atual e também custaria à economia chinesa, porque as renováveis estão se tornando um dos principais motores de crescimento”, afirmou Belinda Schäpe, do Center for Research on Energy and Clean Air, um centro de estudos climáticos europeu.
Schäpe afirmou que o objetivo do país para energia limpa em 2030 foi alcançado com seis anos de antecedência. Ela atribuiu a timidez do número à burocracia do país, que preferiria “prometer menos e entregar mais”.
A menção ao “esforço para fazer mais” por por Xi, segundo a especialista, poderia ser interpretada como indicação de que os chineses vão rever as metas no futuro – as NDCs podem ser atualizadas a qualquer momento).
China x EUA
O fato de as metas terem sido apresentadas pelo presidente Xi Jinping também seria uma indicação da seriedade do assunto para o país.
O discurso na Assembleia Geral da ONU, na terça-feira, foi feito pelo premiê Li Qiang. Xi optou por aparecer na cúpula climática.
Algumas das palavras escolhidas por ele tiveram endereço certo.
“A transição verde e de baixo carbono é a tendência dos nossos tempos. Apesar de alguns países agirem contra ela, a comunidade internacional deveria estar focada [em manter a] a direção correta, com confiança inabalável, ações incessantes e intensidade implacável”, afirmou Xi.
No dia anterior, num discurso de quase uma hora, Donald Trump havia chamado a mudança climática de “maior golpe já aplicado” no mundo.
As previsões científicas, segundo o presidente americano, são feitas por “pessoas burras, que custaram fortunas aos seus países”.
Guerra comercial e de palavras
Xi descreveu um futuro diferente. Ele fez uma menção específica aos carros elétricos, uma indústria há mais de cem anos dominada por empresas ocidentais e que agora está sob um ataque feroz de concorrentes chineses.
“Vamos fazer os veículos de ‘novas energias’ (elétricos e híbridos) os dominantes entre os novos carros vendidos”, disse Xi. O país também vai expandir seu mercado regulado de carbono.
“Essa transformação vai depender do esforço da China e de um ambiente internacional aberto e solidário”, segundo o presidente chinês, numa referência clara à guerra comercial declarada pelos Estados Unidos contra o resto do mundo.