
O governo federal deve anunciar ainda neste mês uma instância provisória para ser o órgão gestor e regulador do mercado de carbono brasileiro, criado no ano passado.
“Não dá pra aprovar no Congresso uma agência reguladora ainda em junho, mas dá pra ter uma instância provisória para trabalhar já em julho, para a qual serão atribuídas algumas das competências que a lei define para o órgão gestor”, diz Cristina Reis, subsecretária de desenvolvimento econômico sustentável do Ministério da Fazenda.
Ela esteve no evento Mercados de Carbono: Presente e Futuro, promovido pelo Reset nesta segunda-feira (16). O encontro foi patrocinado por Natura, Itaú, BRF Marfrig, Bradesco, Suzano, Banco ABC Brasil e Race to Belém. O evento faz parte do projeto COP30.
A lei que criou o mercado regulado definiu prazos para a regulamentação e implementação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões, o SBCE, que vai impor limites de emissões de gases de efeito estufa aos setores mais poluentes da economia e instituir um mercado de compensações.
Esta instância provisória será uma secretaria. O Executivo ainda vai definir o ministério sob qual ela ficará alocada. Estão no páreo a Fazenda e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).
A área técnica da Fazenda, responsável pela regulamentação do mercado regulado, apresentou ao Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM, que reúne 21 ministérios e a Advocacia Geral da União) um estudo em que defende a criação de uma nova agência reguladora para gerir e receber as receitas do SBCE.
A partir de estudos do Banco Mundial sobre a governança de mercados de carbono em outros países, a Fazenda defende esse formato devido à complexidade do tema e à necessidade de que exista um órgão independente. “O plano é que tenhamos toda a governança definida até a COP30”, afirmou Reis.
A decisão final é da Presidência da República, que poderá apresentar a proposta para o Congresso Nacional.
Segundo Reis, a definição sobre o órgão gestor demorou porque dependia da aprovação da lei orçamentária anual (LOA) e da medida provisória de cargos no Executivo federal. “Não há criação de cargos sem esses dois passos e houve uma demora ali no Congresso para isso ser finalizado”, disse a subsecretária.
Prioridades
Além da definição do órgão gestor, a regulação tem outras duas prioridades para este ano, segundo Reis.
Uma delas é a definição de regras para a aplicação do artigo 56 da lei, que obriga as empresas de seguros, resseguros e previdência privada a destinar 0,5% de suas reservas para o mercado de créditos de carbono ou fundos que adquirem esses ativos – o equivalente a R$ 9 bilhões, segundo estimativas da Susep (Superintendência de Seguros Privados).
A Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg) ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma liminar pedindo para declarar inconstitucional a obrigatoriedade. “Independentemente do que o STF vai resolver, nossa obrigação na Fazenda é criar a forma de aplicação. Então estamos estudando e existe um universo de créditos do mercado voluntário que pode ajudar a corresponder a essa demanda”, disse Reis.
Outra prioridade para este ano é o início dos estudos de monitoramento, relato e verificação (MRV). As empresas cobertas pelo mercado regulado terão de reportar suas emissões de forma padronizada, criando uma base de dados que permitirá a fiscalização do mercado.
“Ter o mercado regulado vai nos ajudar nesse caminho de descarbonização da nossa cadeia de valor”, disse Fernanda Facchini, executiva-sênior em sustentabilidade da Natura. Segundo ela, 98% das emissões da empresa são indiretas – ligadas aos fornecedores e clientes, no chamado escopo 3.
“Todos eles, de alguma forma, serão regulados”, afirmou Facchini se referindo às indústrias críticas da cadeia da empresa: indústrias petroquímica (produção das embalagens), química, de alumínio e de papel.
Movimento global
Quando o mercado de comércio de emissões entrar em funcionamento, o Brasil vai passar a fazer parte de um grupo de jurisdições que colocam preço no carbono. Elas cobrem cerca de 28% das emissões globais.
Hoje, são cerca de 80 instrumentos de precificação de carbono ao redor do mundo já implementados. Desses, 37 são sistemas de comércio de emissões, segundo Pedro Venzon, gerente de políticas na Associação Internacional de Comércio de Emissões (IETA).
“O que tem acontecido também é um crescimento em termos de diversidade e complexidade. Por exemplo: a China tem o sistema de comércio de emissões e o está expandindo para novos setores da economia”, disse.
Outro tipo de mecanismo são os de ajustes de fronteira, como o da União Europeia. A partir de 2026, o bloco vai aplicar uma sobretaxa a certos produtos importados que embutem muito CO2, como aço, cimento e fertilizantes, em uma diretiva chamada de CBAM.
Há ainda acordos setoriais de descarbonização, como os dos setores aéreo e marítimo.
Os países poderão transferir os resultados de descarbonização entre si, como previsto no Artigo 6 do Acordo de Paris. Um dos arranjos possíveis é o de acordos bilaterais entre nações. Segundo Venzon, já há mais de 100 acordos ou memorandos de entendimento bilaterais, dos quais 20 foram fechados em 2024.
“Houve apenas uma transferência concluída entre a Suíça e a Tailândia, então ainda há uma necessidade de avançar nesse processo para atingir os nossos compromissos climáticos.”