Como o 'cargueiro a vela' ajuda a Cargill a descarbonizar os oceanos

PARANAGUÁ (PR) – O graneleiro Pyxis Ocean deve partir esta semana do porto de Paranaguá rumo à Polônia carregando 63 mil toneladas de farelo de soja para a Cargill, uma das maiores empresas de alimentos do mundo.

A viagem é trivial do ponto de vista do comércio, mas histórica para o futuro do transporte marítimo: será a primeira vez que um navio carregado vai fazer o trajeto com a ajuda de duas velas – ou asas, como prefere a companhia.

Na ponte de comando, diante de um bufê improvisado para receber jornalistas e funcionários da empresa, o capitão Suraj Vaidya diz que os resultados da primeira experiência foram positivos.

O navio partiu vazio de Xangai, onde foi feita a instalação do equipamento, batizado de WindWings. Depois de uma parada de abastecimento em Cingapura, zarpou para o Brasil.

Ambas as velas, feitas de fibra de vidro e montadas em uma estrutura de aço sobre o convés, foram postas à prova pela primeira vez em condições reais nessa perna inicial do trajeto.

Elas são içadas por um motor controlado por um tripulante especialista, e giram 360 graus sobre o próprio eixo. Um sistema automatizado é responsável pela orientação das asas e faz pequenos ajustes na rota do navio para otimizar o aproveitamento do vento.

O Pyxis Ocean é uma experiência pioneira para reduzir o impacto climático da navegação comercial.

O transporte marítimo representa 90% do comércio mundial e é responsável por 3% das emissões globais de gases de efeito estufa, ou cerca de 1 bilhão de toneladas de CO2 lançadas na atmosfera anualmente.

Com a adição das duas velas, a expectativa da empresa é economizar até 30% do óleo usado nos tanques, uma mistura de diesel com resíduos pesados do refino do petróleo bruto. 

Os cálculos da primeira navegação ainda não foram concluídos, mas a companhia estima uma redução de 13% a 18%.

Voltar aos tempos das velas – mesmo que projetadas em computador e construídas com materiais modernos – não será a solução definitiva para descarbonizar os oceanos, mas trata-se de uma tecnologia que já existe, diz ao Reset Jan Dieleman, presidente de transportes marítimos da Cargill. “E a urgência está aí.”

A empresa faz mais de 4.500 viagens por ano com sua frota fretada. A qualquer momento, cerca de 650 navios estão no mar a seu serviço em alguma parte do mundo.

“Tínhamos um problema do ovo e da galinha”, afirma ele. “Se ninguém [abraçar novas tecnologias], elas nunca se expandirão, os custos permanecerão altos, e a ansiedade geral para adotá-las, também.”

Por email, Dieleman falou sobre a expectativa da companhia em relação aos navios com velas e também sobre o uso de combustíveis renováveis, como o metanol produzido a partir do hidrogênio verde.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Como surgiu a ideia de instalar velas em um navio de carga?

A escala e a urgência do desafio climático significam que precisamos de uma variedade de soluções para promover a mudança.

Estamos buscando várias abordagens para alcançar esse objetivo em nosso negócio de transporte marítimo oceânico, incluindo testes com velas e o apoio a alguns dos primeiros navios movidos a metanol a entrar em serviço comercial.

A redução das emissões de carbono no setor de transporte marítimo é um processo complexo e requer implementação sistemática em grande escala. Será um grande desafio com um custo significativo.

Mas não precisamos esperar por tecnologias futuristas, como propulsão à base de hidrogênio e reatores nucleares de próxima geração.

Podemos usar tecnologias disponíveis hoje. A adaptação de navios usando a tecnologias de vento é um ótimo ponto de partida, uma vez que 55% da frota mundial de graneleiros tem até nove anos de idade e a maioria é utilizada por décadas.

Cada uma das “WindWings” [asas de vento, nome do sistema usado pela companhia] permite economizar 1,5 tonelada de combustível por dia. Estimamos que as velas podem ajudar os navios de carga a reduzir o consumo de energia e as emissões de carbono em 30% ou mais.

As duas velas rígidas, de 44 metros de altura, foram projetadas por Sir Ben Ainslie, velejador olímpico e campeão mundial, da BAR Technologies.

Qual é a vantagem dessa tecnologia?

Em comparação com kites [velas flexíveis, semelhantes à do kitesurfing] e rotores, as velas ainda são a opção mais prática e econômica.

Uma das vantagens das velas rígidas é que elas podem ser adicionadas a navios existentes para reduzir substancialmente suas emissões de carbono.

E elas podem ser usadas em combinação com combustíveis inovadores, como o metanol, o que se tornará ainda mais importante pois esses futuros combustíveis custarão muito mais.

Em que velocidade ela pode ganhar escala?

Esta viagem é o primeiro teste importante da tecnologia de propulsão assistida pelo vento. O desempenho das WindWings será monitorado de perto nos próximos meses. Queremos ajudar na expansão e adoção das velas não apenas na frota da Cargill, mas na indústria como um todo.

[Os parceiros tecnológicos] BAR Technologies e a Yara Marine Technologies já estão planejando construir centenas de velas nos próximos quatro anos. Se tudo correr bem, esperamos adicionar velas a até dez navios adicionais na Cargill.

E quanto a combustíveis renovávei, com baixas emissões, como metanol ou amônia?

O metanol é a opção de zero carbono mais tecnologicamente pronta. Em janeiro, encomendamos em parceria com a [japonesa] Mitsui dois graneleiros movidos com dois tipos de combustível, incluindo o metanol.

Em abril, fizemos uma parceria semelhante com a proprietária dinamarquesa J. Lauritzen. Com entrega prevista para começar em 2025-26, esses navios serão os primeiros graneleiros movidos a metanol do mundo a entrar em serviço comercial.

Embora esses navios também sejam capazes de funcionar com combustíveis convencionais, eles emitirão significativamente menos carbono e poderão até mesmo ser movidos a metanol verde de zero carbono.

O metanol verde pode ser produzido de várias maneiras diferentes: a partir de biomassa ou a partir de hidrogênio verde combinado com carbono capturado de uma fonte pontual ou da atmosfera.

O transporte marítimo da Cargill tem metas próprias de descarbonização?

A Cargill é uma das maiores transportadoras de cargas secas e a granel do mundo, realizando mais de 4.500 viagens por ano em sua frota fretada. Nós fretamos cerca de 650 navios em todo o mundo a qualquer momento.

Em 2022, conseguimos a maior redução de emissões de carbono desde que estabelecemos nossas metas e começamos a medi-las, em 2017. Nossas emissões de gases de efeito estufa caíram significativamente em comparação com o ano anterior, ficando 1,3% abaixo do nível de referência de 2017.

O objetivo é ter 5% de navios com zero emissões nos oceanos até 2030. Ainda estamos acima de nossas trajetórias-alvo, tanto para a meta de redução de emissões de carbono do transporte marítimo – pelo menos 50% até 2050 –, quanto para a meta da Cargill de redução de 30% até 2030 em toda a empresa.

Quais são os principais desafios para atingi-las?

Um problema persistente na descarbonização do transporte marítimo e na adoção de combustíveis com baixas ou zero emissões (como o metanol) é a questão de quem toma a iniciativa.

Assumir a iniciativa é arriscado porque o investimento é substancial. Mas se ninguém [abraçar novas tecnologias] elas nunca se expandirão, os custos permanecerão altos, e a ansiedade geral para adotá-las, também.”

A Cargill decidiu resolver esse problema do “ovo ou galinha” colocando o peso de um dos maiores fretadores a granel do mundo por trás de alguns dos primeiros navios movidos a metanol a entrar em serviço comercial.

É o primeiro passo em direção ao nosso objetivo de ter 5% de navios com zero emissões nos oceanos até 2030. O lançamento das WindWings foi outro marco importante.

Podemos avançar significativamente em direção ao nosso objetivo utilizando apenas o que está disponível hoje. Chegou a hora de sair da fase de pesquisa e entrar na adoção generalizada no mundo real. A tecnologia está pronta e a urgência está aqui.

A indústria de transporte marítimo se comprometeu a atingir o net zero até 2050, mas críticos afirmam que os planos atuais são insuficientes. Qual é a sua opinião?

A descarbonização do transporte marítimo não será um processo linear – o setor não é como a maioria dos outros. Você não pode simplesmente se conectar a uma fonte de energia renovável.

Os navios permanecem em serviço por décadas. As emissões só podem ser reduzidas se implementarmos tecnologias de economia de carbono em grande escala.

Muitos novos combustíveis e tecnologias de redução de carbono começarão a entrar em operação durante a década atual. Para ter sucesso, teremos que escalá-las rapidamente na década de 2030.

Até a década de 2040, esperamos que o transporte com zero emissões seja algo comum. Mas a indústria precisará trabalhar em conjunto. A descarbonização do transporte marítimo é um esforço excepcionalmente complexo, que levará décadas para ser concluído. Nenhuma empresa, estado ou organização pode fazer isso sozinho.

* O jornalista viajou a convite da Cargill