Potássio do Brasil deslancha construção de mina na Amazônia

Empresa planeja fazer IPO ainda este ano em NY; projeto segue envolto em controvérsias ambientais e de direitos humanos

Imagem ilustrativa de uma mina de potássio
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Depois de quase uma década travado, o projeto para explorar potássio no coração da Amazônia começa a sair do papel após a Potássio do Brasil, companhia que vai explorar a mina, obter as licenças de instalação.

A empresa passou os últimos oito anos numa batalha judicial com o Ministério Público Federal do Amazonas, que segue questionando as autorizações por conta dos riscos ambientais e da proximidade de terras indígenas.

As licenças foram concedidas em abril deste ano pelo Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam) e eram consideradas um pré-requisito para que a empresa levante os US$ 2,5 bilhões necessários para o projeto.

O potássio é um dos fertilizantes essenciais para a agricultura, e o país importa 95% do que consome atualmente.

O plano da Potássio do Brasil é realizar um IPO de pelo menos US$ 150 milhões ainda este ano na Bolsa de Valores de Nova York (Nyse) para captar parte dos recursos, segundo duas pessoas com conhecimento do tema.

Ainda faltam quatro anos para que a mina entre em operação, mas as licenças permitem que a empresa comece as escavações e a construção da planta de beneficiamento, das estradas e do porto para escoamento da produção. Da perspectiva dos investidores, escaldados pelos projetos de Eike Batista, a autorização diminui o risco de o projeto não avançar. 

Mãos à obra

Localizado em Autazes, município a 113 quilômetros de Manaus, o projeto prevê extrair 60 milhões de toneladas do minério ao longo de 23 anos.

A Potássio do Brasil comprou toda a área necessária para o denominado Projeto Autazes, o que inclui direitos de superfície sobre as terras nas quais estarão a mina, a planta de processamento e o porto, num total de cerca de 500 hectares.

As obras já começaram. A companhia perfurou dois poços de água e aguarda o processo de outorga para operá-los. Foram abertos processos de seleção de pessoal e de fornecedores para empresas nacionais e internacionais.

Paralelamente, deu início ao processo de intervenção ambiental nas terras, com captura da fauna selvagem, trabalhos para verificação de vestígios arqueológicos e supressão vegetal.

“Apesar de ser uma área antes usada para criação de gado, que já não tinha mais vegetação original, há uma necessidade de limpeza antes do trabalho de terraplanagem”, explica Adriano Espeschit, CEO da empresa, em entrevista ao Reset.

A estimativa da companhia é que a abertura da mina comece nos próximos três meses. Serão escavados dois poços de aproximadamente 900 metros de profundidade. O minério que a Potássio do Brasil busca está a cerca de 800 metros abaixo da superfície do solo.

O método para explorar a mina de Autazes é o conhecido como “convencional”: abre-se um túnel de acesso até os depósitos, por onde desce um equipamento semelhante aos “tatuzões” usados nas obras do metrô. Conforme a extração vai avançando, são criadas enormes câmaras subterrâneas.

O projeto ainda prevê um terminal de armazenamento de cargas e um terminal portuário no município de Autazes.

Captação de recursos

A empresa precisa levantar dinheiro para seguir com seus planos. 

Segundo o último balanço da Brazil Potash Corp, empresa canadense da qual a Brasil Potássio é subsidiária integral, em dezembro de 2023 a companhia tinha apenas US$ 1,1 milhão de capital de giro (incluindo caixa de aproximadamente US$ 2,5 milhões).

Sem geração de receitas, a empresa registrou um prejuízo líquido de US$ 13,2 milhões em 2023, acumulando um déficit total de US$ 112,7 milhões, de acordo com o documento arquivado na SEC (a comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos). Até agora já foram investidos US$ 250 milhões no projeto de Autazes.

O plano da Brazil Potash é financiar 30% do projeto com capital e 70% com dívida, diz Espeschit. A companhia já tem registro na Nyse, onde captou US$ 40,5 milhões com investidores de varejo em 2022. Por conta disso, tem uma base de acionistas minoritários com ações não listadas e, portanto, não negociadas.

Essas ações estão sujeitas a um lock up, uma cláusula contratual que estabelece um período no qual seus donos não podem vendê-las, sob pena de multa. Segundo um banqueiro de investimentos, há uma preocupação de que, quando esse mecanismo for suspenso, depois do IPO, possa haver uma pressão de venda desses investidores pessoa física, derrubando o papel.

Os maiores acionistas da empresa são CD Capital (34%), fundo baseado em Londres e especializado em ativos de mineração que pertence ao First Point; The Sentient Group (23%), fundo de private equity canadense com foco em recursos naturais; e o Forbes & Manhattan (14%), boutique de investimentos canadense do financista Stan Bharti, que é o cabeça do projeto.

Bharti fez seu nome nas duas últimas décadas justamente por identificar projetos de mineração mundo afora, tirá-los do papel removendo os obstáculos burocráticos, ambientais e financeiros e, por fim, abrir seu capital ou vendê-los a investidores estratégicos. O Forbes & Manhattan é o seu veículo para criar essas “junior mining companies”.

Nos últimos anos, a Potássio do Brasil precisou fazer algumas chamadas de capital entre seus acionistas atuais para financiar suas operações. Nem todos aderiram e, como consequência, alguns foram diluídos ou deixaram o investimento, de acordo com duas pessoas familiarizadas com o assunto. Adriano Espeschit não comenta.

Da parte a ser financiada com dívida, o CEO da Brasil Potássio diz que a empresa está em negociações com agências financiadoras de fornecedoras de equipamentos. Uma das conversas em andamento é com a americana Cat Financial, financeira da Caterpillar, que fabrica máquinas, motores e veículos pesados para a construção civil e mineração. A outra conversa é com a Finvvera, banco estatal da Finlândia que oferece empréstimos para fomentar operações associadas à exportação.

Dentro dessa estrutura de financiamento, a abertura de capital deve ser feita antes de contrair dívidas para dar mais conforto aos bancos, segundo uma pessoa que participou das negociações para a estruturação do IPO. Bradesco e Cantor Fitzgerald estão na operação de abertura de capital, apurou o Reset.

Acordos comerciais

Para fechar a conta dessa operação bilionária, a Potássio do Brasil assinou em outubro de 2022 três contratos de longa duração com a Amaggi, gigante produtora de soja, e sua subsidiária de logística, a Hermasa Navegação da Amazônia, para compra, comercialização e transporte do cloreto de potássio.

No primeiro acordo, a Amaggi se compromete com a compra mínima de 500 mil toneladas de potássio por ano, ao longo de pelo menos 15 anos. O segundo contrato dá direitos para que o conglomerado agrícola venda o restante da produção, de cerca de 1,9 milhão de toneladas por ano de potássio.

O terceiro acordo prevê o transporte da soma dessa produção (2,4 milhões de toneladas anuais) durante um período de 15 a 17 anos, com opção de prorrogação. O volume corresponde ao planejamento inicial de produção da mina de Autazes. A ideia é que as barcas da Hermasa subam do Centro-Oeste para o Norte carregadas de soja e retornem com potássio.

Controvérsias

Assim que as licenças de instalação foram concedidas ao projeto da mina da Potássio do Brasil, o MPF do Amazonas entrou com uma ação judicial de tutela cautelar antecedente pedindo a paralisação do licenciamento e do empreendimento. A argumentação tem duas frentes: riscos ambientais e violação dos direitos dos povos indígenas Mura.

Sofia Freitas Silva, uma das procuradoras do caso, alega que o fracionamento das licenças ambientais pelo Ipaam, órgão estadual que concedeu as autorizações, é ilegal e não considera o impactos conjunto de todas as estruturas.

No total, foram concedidas 12 licenças de instalação ao projeto da Potássio do Brasil. “Os impactos de qualquer intervenção são sinérgicos no meio ambiental, animal e mineral, então eles precisam ser perfeitamente analisados e compreendidos conjuntamente”, afirma Silva.

Segundo ela, a decisão de dividir as licenças teve como único fundamento a demora no processo de licenciamento. “Isso não é razoável, pois o órgão precisa cumprir os prazos adequados da legislação. A jurisprudência considera o fracionamento como ruim, por não trazer o impacto global do projeto.”

Outro argumento da ação está baseado no pedido da Fundação Nacional do Índio (Funai) pela paralisação geral do projeto por afetar terras indígenas.

A estrutura da mina fica a 10 km da Terra Indígena Paracuhuba, demarcada e homologada, e a 8 km da TI Jauary, já delimitada. Outras duas comunidades indígenas em processo de demarcação também estão nas proximidades: Urucurituba, a 8 km, e Soares, a apenas 2 km de distância. O MPF alega haver risco de sobreposição entre o empreendimento e a terra indígena.

A Constituição veda a exploração em terras indígenas sem autorização do Congresso e a consulta aos povos afetados. Segundo Fernando Merloto Soave, outro procurador do caso, o protocolo elaborado para consulta ao povo Mura foi violado, com a realização de reuniões internas com a presença de não-indígenas, inclusive da empresa, com a ausência do MPF e da comunidade mais próxima do projeto, os Soares. “Há ainda denúncias de cooptação, pagamento de propinas e ameaças de morte”, diz o procurador.

Lobby

Os executivos da Potássio do Brasil trabalharam pesado na narrativa de que o projeto é um divisor de águas para o Brasil por contribuir com a segurança alimentar e a soberania nacional – ainda que a mina seja explorada por uma empresa de capital internacional.

O argumento sobre a segurança alimentar se baseia no fato de que o Brasil está entre os maiores consumidores de potássio do mundo, mas produz muito pouco do insumo, um dos três macronutrientes utilizados massivamente na agricultura brasileira e o ‘K’ da fórmula NPK (nitrogênio, fósforo e potássio). Mais de 90% do potássio usado aqui vem do Canadá, Rússia e Belarus.

O fato de um recurso estratégico para o país estar nas mãos de uma empresa de capital estrangeiro também não impediu que governos de diferentes pontos do espectro político apoiassem o projeto.

A Potássio do Brasil conseguiu o apoio tanto do governo de Bolsonaro quanto de Lula, nos seus mais altos escalões, tendo como interlocutores principais os vice-presidentes da República das duas gestões.

A crise global de abastecimento de potássio deflagrada pela guerra na Ucrânia, em 2022, ajudou a empresa a se aproximar de Hamilton Mourão, então vice-presidente. Bharti teve encontros com ele e com a ministra da Agricultura da época, Tereza Cristina.

O governo mudou, mas o apoio continuou. Geraldo Alckmin, vice-presidente de Lula e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), já defendeu o projeto publicamente algumas vezes, inclusive em suas redes sociais

Seu principal argumento é que a produção de Autazes vai suprir cerca de 20% da demanda nacional, reduzindo a dependência do agronegócio de fertilizantes importados.

A companhia também investiu no patrocínio de eventos da indústria de fertilizantes.

Comprou grandes cotas de eventos como a Conferência Fertilizer Latino Americano deste ano, organizado pela Argus (empresa de inteligência de mercado). O CEO da Brazil Potash, Matt Simpson, falou no painel de abertura do evento. 

No ano passado, patrocinou a Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias, promovida pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), além do Simpósio Mínero-Metalúrgico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).