Um incêndio que destruiu uma área de reflorestamento de 270 hectares numa reserva extrativista de Rondônia, na semana passada, joga luz sobre riscos reais que rondam as metas ambiciosas de restauração de mata nativa que vêm sendo anunciadas por governos e empresas.
A devastação aconteceu na reserva extrativista estadual Rio Preto-Jacundá. O fogo, possivelmente fruto de ato criminoso, destruiu um trabalho de mais de três anos e um investimento de pelo menos R$ 4 milhões, diz Alexis Bastos, coordenador de projetos do Centro de Estudos Rioterra, organização responsável pela iniciativa.
Mais 300 mil mudas de cem espécies nativas, incluindo cinco ameaçadas de extinção, haviam sido plantadas (a foto acima mostra a destruição). Foram perdidos mais de 90 mil pés de açaí que garantiriam trabalho e renda para 35 famílias.
“Só o açaí coletado renderia algo como R$ 4 milhões por ano. Se fosse beneficiado, chegaria a R$ 10 milhões”, afirma Bastos.
Experimentos científicos relacionados ao reflorestamento e de monitoramento de biodiversidade também se foram com o incêndio.
A área atingida é parte de uma unidade de conservação de cerca de 95 mil hectares no nordeste de Rondônia, perto da fronteira com os Estados de Amazonas e Mato Grosso.
A investigação ainda está em andamento. Bastos suspeita que o fogo tenha sido iniciado de forma deliberada. “É uma área de conflito. [Grileiros] tinham derrubado a floresta para fazer pasto fazia muito tempo.”
Crime organizado na Amazônia
O projeto da Rioterra, em parceria com a comunidade extrativista local, era financiado por Reforest’Action e Tree-Nation, duas entidades europeias.
Bastos afirma que os recursos são filantrópicos, e não havia intenção de obter créditos de carbono na área devastada pelo fogo.
A Biofílica Ambipar atua com a Rioterra há mais de dez anos na preservação da floresta dentro daquela mesma unidade de conservação, gerando créditos de carbono de desmatamento evitado, também conhecidos como REDD+.
Mas o incidente da semana passada coloca o foco nos planos de recuperar imensas áreas degradadas com a venda de créditos de reflorestamento.
Só o governo federal prepara um programa piloto que vai conceder 100 mil hectares de terras da União para a iniciativa privada. Programas de concessão estaduais também estão sendo desenhados.
Empresas como re:green, Biomas e Mombak estão captando milhões de dólares de investidores brasileiros e internacionais para criar negócios baseados no restauro de grande escala.
Projetos do tamanho como os que vêm sendo ventilados vão precisar de garantias hoje inexistentes, diz Bastos. As regiões são grandes e remotas – e o Estado está distante.
Ele fala com conhecimento do terreno: vive na Amazônia há mais de 40 anos e é um dos fundadores da Rioterra. Com 24 anos de existência, a entidade é uma das pioneiras na recuperação florestal em larga escala na Amazônia e já restaurou quase 6 mil hectares.
“Quando começamos a plantar [na área incendiada], tivemos pessoas ameaçadas com arma na cabeça”, afirma ele. Durante os sete meses de plantio, os trabalhadores e suas famílias tiveram de receber proteção policial. “Mas o invasor continua sendo nosso vizinho.”
A falta de segurança significa que a contratação de um seguro inviabilizaria os projetos. A restauração de um hectare, que custa hoje entre R$ 20 mil e R$ 25 mil, no mínimo dobraria, segundo Bastos. Ele menciona o avanço de facções como PCC e Comando Vermelho na região.
“Estamos neste momento em que se fala de grandes investimentos [em reflorestamento], editais [de concessões]. Eu te pergunto: qual é o nível de preparo dos governos para isso? Aqui é tudo faroeste. Que nível de segurança vão dar para essas áreas?”
No caso das concessões de restauro para a iniciativa privada com geração de créditos de carbono, que ainda estão sendo desenhadas, a tendência é que recaia sobre o setor privado o risco de desequilíbrio econômico do projeto no caso de um incêndio como este. O Estado, naturalmente, continuaria sendo responsável pelo uso da força e também por apurar e punir os responsáveis em caso de crime.