
Depois de transformar o setor de entregas no Brasil por meio da tecnologia, o cofundador e ex-CEO da Loggi, Fabien Mendez, quer fazer o mesmo com a paisagem amazônica.
A Sanctu, nova startup do empreendedor francês, tem a ambição de se tornar a maior fazenda regenerativa do bioma amazônico, mas sem ser dona de um único hectare de terra.
A ideia, que à primeira vista parece um contrassenso, é aumentar a produção pecuária de pequenos produtores rurais, uma das atividades econômicas que mais desmataram a Amazônia, para induzir a sua regeneração.
“A gente não vai resolver o desmatamento da Amazônia sem resolver o problema desses pequenos produtores”, afirma Mendez (à direita na foto). Com dados do Ipam, Imazon e do Climate Policy Initiative em mãos, ele contabiliza o tamanho do problema: 40 milhões de hectares desmatados em cerca de 520 mil pequenas fazendas – área equivalente ao tamanho da Alemanha.
“Essas pessoas não devastam a floresta porque são más ou gananciosas, mas por sobrevivência.”
São meio milhão de pequenas propriedades de até 150 hectares, onde vivem famílias que ganham a vida, sobretudo, a partir de pastagens abertas com a derrubada da floresta. As dimensões são sempre difíceis de se imaginar. Ajuda saber que um hectare tem, mais ou menos, o tamanho de um campo de futebol.
O modelo de negócio da Sanctu é fazer com que essas famílias, que ganham em média R$ 1.200 por mês, multipliquem a renda plantando floresta – e mantendo a que restou em pé.
Como fazer isso? Implementando práticas regenerativas de criação de gado e cultivo agrícola em que a floresta faça parte do negócio, dentro de uma lógica que se aproxima à de uma cooperativa agrícola, em que a somatória das partes resulta num volume expressivo.
A meta é, até 2034, trabalhar com 50 mil fazendas – em que vivem cerca de 10% das famílias assentadas da Amazônia –, o que criaria uma área combinada de mais de 5 milhões de hectares, o equivalente ao tamanho do Estado do Espírito Santo.
“Com esse modelo de parceria, vamos criar a maior fazenda regenerativa do mundo sem comprar ou arrendar terra”, diz Mendez. Ele tem como sócio na Sanctu o engenheiro Henrique Dantas (à esquerda na foto), ex-BCG (Boston Consulting Group).
O negócio
Para construir essa fazenda integrada à floresta, a Sanctu desenvolveu uma base tecnológica para que fosse possível integrar todo o processo: da plantação à venda, passando pelo rastreio e monitoramento.
A estrutura conta com um braço de assistência técnica, uma fintech para conceder crédito e um marketplace para vender os produtos – tudo reunido em uma mesma plataforma. Os fundadores mostram por A mais B que essa conta fecha.
Os pequenos fazendeiros entram com a terra, o gado, a força de trabalho e a experiência. A Sanctu disponibiliza o projeto de regeneração, o financiamento, assistência técnica, a compra de insumos e a venda dos produtos: carne, frutos e créditos de carbono.
“Com uma tecnologia de primeira fazemos o monitoramento da floresta, do crescimento da agrofloresta, das frutas e do gado. Um sistema de rastreamento do gado, com brinco desde o nascimento”, diz Mendez. Toda a produção tem a origem controlada.
Os dois venderam a ideia – quando ela ainda era uma apresentação de powerpoint – para dois dos mais relevantes fundos de venture capital do país, Monashees e Canary. Além deles, a rodada de seed money contou com o Collab Fund e alguns investidores anjos, entre eles Rodrigo Schmidt (ex-Meta) e Matthew Goldstein (ex-Microsoft Venture). O valor não foi divulgado.
Ajudou a abrir as portas o currículo de Mendez como fundador de um negócio inovador que se tornou um unicórnio (empresas que valem mais de US$ 1 bilhão), somado ao histórico de Dantas de conhecimento da Amazônia.
O risco fundiário brasileiro que ronda esse tipo de projeto – a dificuldade de assegurar quem é o dono de determinada propriedade – neste caso foi afastado, uma vez que esses produtores são assentados por meio de política pública. Isso atraiu os investidores. “É um modelo de negócio realmente inédito, nunca vi nada igual”, diz Florian Hagenbuch, sócio e co-fundador da Canary.
O mercado
Construir florestas é um novo tipo de negócio, em que a restauração faz parte de uma atividade com fins lucrativos. Mombak, Re.Green, Biomas, Symbiosis e Belterra são algumas das startups que fazem isso. Com diferentes modelos, a receita vem da venda de créditos de carbono de reflorestamento e dos produtos plantados de forma sustentável.
Nomes grandes têm apostado na compra dos créditos gerados para compensar suas emissões, ajudando a financiar as empreitadas: Google, Apple e Microsoft. Gente como João Moreira Salles, da família que controla o Itaú Unibanco, e Armínio Fraga, da gestora Gávea, colocaram dinheiro nessas construtoras de florestas.
O negócio da Sanctu se diferencia em dois aspectos: não ser dona das terras e o foco no pequeno produtor – apenas Belterra também olha para esse perfil. Esse aspecto é crucial para diminuir a pressão para expandir a fronteira agrícola, mas o desafio é como ter rentabilidade com um público tão pulverizado.
A estratégia da Sanctu é fazer tudo em escala e de forma verticalizada, como negociar a compra de insumos e a venda dos produtos em grandes volumes, aumentando sua competitividade. A projeção é que, com 50 mil produtores na plataforma da Sanctu, a receita com a venda dos produtos chegue a R$ 10 bilhões em 2036.
Quem olhou o negócio de perto avalia que esse foi o pulo do gato: reunir tudo em um mesmo lugar para ganhar eficiência e escalar por meio de parcerias e financiamento. É um modelo que os investidores chamam de “asset light”: quando uma empresa mantém o menor volume possível de ativos para operar.
A conta
Converter uma fazenda nos moldes desenhados pela Sanctu custa em média R$ 300 mil: a recuperação da pastagem e a implementação de um manejo sustentável do gado e da plantação integrada à floresta, incluindo a infraestrutura necessária.
A fintech da Sanctu financia a família a uma taxa de juros de 8%, para pagamento em até dez anos.
Convencer pessoas que ganham o equivalente a um salário mínimo a pegar um empréstimo de milhares de reais por uma década, para implementar um sistema produtivo que elas desconhecem, não é tarefa fácil.
A estratégia de aproximação da startup focou em duas frentes. A primeira foi convencê-los com números.
As projeções da Sanctu são de que, uma vez implementada a conversão da fazenda (o que leva seis meses), é possível dobrar a renda líquida mensal (descontado os custos e o valor da parcela do financiamento) ao fim do primeiro ano e chegar a R$ 10,7 mil por mês no oitavo ano, quando já é possível que a dívida seja totalmente paga. Os ganhos mensais chegariam a R$ 21,7 mil no décimo ano.
Aqui, o argumento não é o de salvar a floresta, mas o financeiro. “Eles têm um sistema de pensamento de quanto mais aberta [corte da floresta], mais vale a terra. E nós chegamos mostrando o contrário disso”, diz Mendez.
Mas como dois homens brancos de fora da Amazônia, um deles estrangeiro, convenceram essas famílias de que são confiáveis e suas contas, factíveis?
Aqui entrou a segunda frente da estratégia de aproximação: contar com a intermediação de uma rede de ONGs que trabalham há décadas na Amazônia. Uma delas é o Projeto Saúde e Alegria, coordenada pela família de Henrique Dantas, que trabalha com o desenvolvimento sustentável de comunidades ribeirinhas. Os fundadores também atraíram outras organizações reconhecidas por seu trabalho na região, como o Instituto Socioambiental (ISA) e o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável (Idesam).
“Fomos levados para os assentamentos por essas pessoas que estão lá há 20, 30 anos”, conta Dantas. Segundo ele, isso não zerou a desconfiança, mas foi uma boa porta de entrada. “Tínhamos um norte muito focado, mas ao longo de um ano fomos lapidando o projeto de forma conjunta.”
O projeto piloto já foi implementado em 10 fazendas em Moju, município a 100 km de Santarém, no Pará. Segundo os fundadores, o negócio – e a confiança – tem se espalhado no boca a boca, a partir dos primeiros resultados dessas fazendas. “O difícil é convencer os primeiros”, diz Mendez.
A receita
Também foi crucial ser transparente com esses proprietários das terras, a quem a Santu chama de “guardiões” – em uma ideia de que passam a guardar a floresta – sobre quanto a startup ganha nesse modelo de negócios.
As duas fontes de remuneração da Sanctu são a taxa de juros do financiamento e a comissão cobrada pela venda dos produtos: elas variam, mas a média fica em 20% sobre a receita da venda de frutos como açaí, cacau, cupuaçu, café, andiroba e cumaru.
“Sempre deixamos claro quanto eles vão ganhar e quanto fica conosco, ou podem achar que estão sendo explorados”, diz Dantas.
Além da equipe de gestão e assistência técnica, que implementa o projeto por seis meses e depois visita as propriedades mensalmente, a Sanctu arca com os custos de pesquisa e desenvolvimento, de tecnologia (plataforma de gestão e internet nas propriedades, que não têm sinal de celular) e custo de capital.
Os projetos pilotos foram financiados com recursos próprios da Sanctu. Mas para o negócio escalar será necessário captar funding no mercado para realizar os empréstimos aos produtores. Para chegar à meta de mais de 50 mil fazendas em 10 anos, a fintech da Sanctu precisa atingir uma carteira de crédito de R$ 21 bilhões.
O plano é que esse dinheiro seja gerido por meio de um fiagro – fundos que investem nas cadeias produtivas do agronegócio e que ganharam popularidade na Faria Lima nos últimos anos. E que eles sejam captados parte a custo de mercado e parte de forma subsidiada (no formato de blended finance), com um mix de investidores: bancos de desenvolvimento, organizações multilaterais, empresas interessadas no negócio (da cadeia do agro ou bigtechs consumidoras de créditos de carbono) e filantropia.
Além dos R$ 300 mil para a implementação do projeto de regeneração, a fintech da Sanctu também disponibiliza aos produtores uma linha de crédito de até R$ 100 mil para capital de giro e fluxo de caixa, ao custo de 8% ao ano.
Com todas as pontas amarradas, agora é plantar e esperar os frutos.