Soja regenerativa com prêmio no preço? A BRF vai pagar

Consórcio, que também reúne Bayer, Agrivalle e Produzindo Certo, quer estimular práticas sustentáveis no campo

Soja regenerativa com prêmio no preço? A BRF vai pagar
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Rio Verde (GO) – Três grandes companhias do agronegócio – Bayer, BRF e Agrivalle – estão se juntando à agtech Produzindo Certo num consórcio para impulsionar a chamada agricultura regenerativa.

Batizada de Reg.IA, a iniciativa cria um protocolo de práticas sustentáveis a ser adotado no cultivo da soja.

A ideia é aproximar produtores rurais e empresas que compram grãos, com a intenção de estimular a sustentabilidade no campo e, ao mesmo tempo, remunerar financeiramente os produtores rurais por isso.

“[O protocolo] tem o propósito de identificar, criar, trazer a ciência, que seja viável para o produtor e para quem está em campo, que seja legitimado pelas empresas, pelo mercado – porque sem isso a gente não vai conseguir agregar valor – e que seja aceito também pela sociedade civil”, afirma Aline Locks, CEO da Produzindo Certo.

Já nesta safra, a BRF se comprometeu a pagar um prêmio de, no mínimo, 2% sobre o valor de comercialização das sacas de soja produzidas pelos produtores que aderirem ao protocolo.

Os produtores não serão obrigados a vender sua produção à BRF, mas terão a garantia de que, se comercializarem a soja regenerativa com a companhia, receberão um prêmio.

A Bayer, por sua vez, vai disponibilizar suas ferramentas de mensuração da pegada de carbono ao consórcio. Já a Agrivalle vai contribuir disseminando conhecimento sobre os defensivos biológicos.

O Grupo Associado de Pesquisa do Sudoeste Goiano (Gapes), que pesquisa a aplicação de novos métodos e tecnologias agrárias no Cerrado, também integra o protocolo.

A expectativa da Produzindo Certo é que sejam produzidas 200 mil toneladas de soja regenerativa, que serão colhidas no começo do ano que vem.

Ao todo, pelo menos 20 fazendas de Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais já aderiram ao projeto em seu lançamento. A meta é chegar a 30 produtores nesta safra e ampliar o total nos próximos anos.

Para Charton Locks, diretor de operações da Produzindo Certo, o protocolo vai ajudar os produtores a responderem a uma demanda do mercado por mais soja sustentável.

“Se eu fizer soja igual a todo mundo faz soja, vou vender soja igual a todo mundo [que produz]. Se quiser fazer uma soja regenerativa, vou ter que subir um pouco a régua de como faço soja”, diz ele.

Como vai funcionar 

A ideia da Produzindo Certo é que o protocolo seja de fácil introdução nas fazendas.

“Tentamos fazer o mais simples possível pra começar. Se chego com uma lista de desejos de mil itens, complico o início e provoco desinteresse dos produtores [de seguirem na iniciativa]”, diz Charton Locks.

O protocolo vai exigir que os produtores adotem obrigatoriamente o sistema de plantio direto nos talhões – termo utilizado no agronegócio para indicar a divisão produtiva das propriedades – onde vai ser produzida a soja regenerativa.

Esse sistema consiste em fazer plantio de cobertura, técnica em que são plantadas espécies como a braquiária (um tipo de capim) para que o solo fique mais nutrido e úmido. Essa planta deixa uma palha residual, que cobre o terreno. Logo após, as sementes são colocadas no solo sem que a terra seja remexida por equipamentos como o arado, por exemplo.

Além do plantio direto, o protocolo também indica que o produtor escolha pelo menos mais uma prática sustentável em um universo de quatro opções.

São elas: adubação orgânica, em que pelo menos 20% do volume de fertilizante seja originado de fonte orgânica; uso de defensivos biológicos, com ao menos uma aplicação por ano; redução de uso de defensivos químicos; e rotação de cultura, em que há a variação de cultivo de espécies em uma área.

Charton Locks salienta que é mais difícil criar preceitos simples do que começar o protocolo com métodos complexos.

“Tentamos procurar o que é comum nesses protocolos e resumimos tudo numa regra simples, mas com impacto bem significativo para o consórcio começar.”

A diversidade de opções é necessária, emenda ele, porque nem toda prática regenerativa consegue ser aplicada facilmente nos talhões.

“A gente escuta dos pesquisadores que a rotação de cultura é uma prática super importante para a saúde do solo. Mas em termos de rentabilidade é muito difícil falar para o produtor: ‘Cara, não planta soja no ano que vem na sua área.’ Então, para alguns produtores vai servir, [para outros], não”, diz ele.

A ideia é que todo esse processo seja feito em parceria com os produtores, algo essencial para o projeto decolar, na avaliação de Aline Locks.

Após uma verificação inicial, os engenheiros agrônomos da Produzindo Certo vão a campo para dialogar com os produtores e identificar o que pode ser feito em cada propriedade.

Em paralelo, enquanto o trabalho de acompanhamento técnico é feito, os dados da produção vão sendo inseridos na plataforma digital da Produzindo Certo, que já existe e faz um diagnóstico socioambiental da propriedade, dando uma nota que vai de 0 a 100. Essas informações serão monitoradas enquanto a soja está sendo cultivada.

“Antes da colheita, já vamos ter dado de carbono, de saúde do solo, das práticas que foram adotadas, da área e do volume de soja que vai ser colhido. Vamos ter um conjunto robusto para qualificar aquela soja que vai ser produzida e poder mostrar para o mercado e dizer quais são os diferenciais [da commodity]”, afirma Charton Locks.

Todo o desenvolvimento do protocolo – e eventuais mudanças mais à frente – será acompanhado por um comitê técnico que vai reunir pesquisadores acadêmicos e representantes das empresas.

Experiência

A ideia da Produzindo Certo é expandir o consórcio nos próximos anos, tanto em número de produtores, quanto de empresas – e até mesmo para fora do país, chegando à Argentina.

Como o trabalho de assistência técnica exige bastante capital, a participação de mais empresas é fundamental para que o projeto continue, segundo Aline Locks.

Além disso, afirma ela, também há a intenção de ampliar a quantidade de empresas pagando prêmios ao produtor.

“As empresas que compram [do produtor] não entram no consórcio pagando uma cota, [por exemplo]. O compromisso dela é pagar esse prêmio adicional. Queremos mais empresas com compromisso de pagar esse adicional ao produtor”, afirma.

Apesar de criada há apenas cinco anos, em 2019, a Produzindo Certo acumula know-how de promoção de sustentabilidade no campo.

A agtech é um spin-off da ONG Aliança da Terra, que existe desde 2004, e tem foco no combate aos incêndios florestais.

A Produzindo Certo faz a intermediação entre as companhias que pretendem qualificar suas cadeias e os produtores, dando assistência técnica para o cultivo sustentável e, ao mesmo tempo, monitorando sua produção.

Na carteira de clientes, estão gigantes do agronegócio como Bunge, Unilever, BAT (a antiga Souza Cruz), Cargill e Amaggi.

A agtech tem atuação também internacional, alcançando países como México, Paraguai, Colômbia e Argentina, e acumula 8 mil propriedades rurais em sua plataforma, monitorando 7,4 milhões de hectares.

O Reg.IA é o resultado dessa experiência acumulada, segundo Charton Locks.

“A gente ajudou algumas empresas a desenvolver protocolos de agricultura regenerativa. [Agora], nós fizemos uma abstração de tudo que era comum nesses outros protocolos e que fazem sentido no campo brasileiro e latinoamericano”, diz.

O repórter viajou a convite da Produzindo Certo