Por que o plano net zero das gigantes do agro teve recepção morna

Ambientalistas brasileiros elogiam compromisso antidesmatamento, mas apontam omissões importantes na estratégia coletiva, que inclui JBS, Marfrig e Amaggi

Plano para acabar com desmatamento associado à produção de commodities agrícolas recebe críticas
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Sharm el-Sheikh – Como prometido na COP do ano passado, 14 das maiores empresas do setor de commodities agrícolas do mundo apresentaram em Sharm el-Sheikh um plano conjunto para acabar com o desmatamento associado à produção de carne, soja e óleo de palma.

Apesar de saudar a promessa de desmatamento zero a partir de 2025, entidades ambientalistas não se mostraram impressionados com o que viram.

Os integrantes da aliança, que inclui os frigoríficos JBS e Marfrig, a trading Amaggi e outras multinacionais com forte presença no Brasil, se comprometem a atuar ao longo de toda a sua cadeia de fornecimento para evitar que a temperatura global aumente mais que 1,5°C no fim do século.

Mas o roadmap apresentado contém algumas inconsistências e imprecisões que saltaram aos olhos de entidades que acompanham dois dos produtos mais importantes da pauta de exportação agrícola brasileira.

Outro problema é o risco de que haja um nivelamento por baixo, já que as companhias têm compromissos e níveis de amadurecimento diferentes.

“Estabelecer [esse plano conjunto] como referência pode gerar retrocessos nos esforços emergenciais para eliminar o desmatamento”, afirma Jean-François Timmers, gerente de políticas públicas para cadeias livres de desmatamento e conversão da rede WWF.

Metas baseadas na ciência

Entre os objetivos declarados estão o estabelecimento de metas baseadas na ciência (das brasileiras, somente a Marfrig teve o plano chancelado pela principal entidade que certifica esses compromissos) e a divulgação de suas emissões de gases de efeito estufa em acordo com protocolos internacionais.

Crucialmente, as empresas terão de declarar até julho de 2024 o impacto de carbono em sua cadeia causado por mudanças do uso da terra.

Esse levantamento é complexo – as traders costumam trabalhar com milhares de produtores, dos mais variados tamanhos ­– e também crítico na busca da neutralidade global de carbono até 2050.

Segundo os relatórios do IPCC, o painel científico da ONU que orienta as negociações climáticas, cerca de 22% das emissões são causadas por agricultura, negócios florestais e outras atividades relacionadas à terra.

Desse total, metade vem de mudanças do uso da terra – no Brasil, a destruição dos biomas para abrir espaço para pastos ou plantações.

Uma das críticas em relação ao plano diz respeito a esse ponto. “Não sabemos se a moratória da soja é parte desse compromisso”, afirma Lisandro Inakake, responsável pela área de cadeias agrícolas da ONG Imaflora.

A moratória da soja é um pacto, firmado em 2006, que estabelece a proibição da venda de grãos colhidos em áreas desmatadas da Amazônia. O programa é considerado um sucesso e, na avaliação de especialistas, deveria integrar o compromisso. A falta de uma menção específica a ele pode gerar “incertezas no mercado e também entre os stakeholders”, na opinião de Inakake.

Outro ponto que abre margem para dúvidas: o texto fala em florestas, mas é a vegetação nativa do Cerrado a mais ameaçada pela indústria da soja no país.

“Se o foco é na Amazônia, a pressão sobre o ecossistema savânico pode se redobrar. Em vez de contribuir para o corte de emissões, o resultado pode ser o oposto”, afirma Timmers.

Competitividade internacional

Compradores europeus já demandam produtos agrícolas sem ligação com o desmatamento – e agora essa preferência pode virar lei. O Parlamento da União Europeia aprovou um projeto proibindo essas importações. A proposta está sendo apreciada pelos 27 países que integram o bloco e há grandes chances de que se transforme em lei.

Os chineses, que compram 70% da soja exportada do Brasil, não devem demorar a apresentar demandas semelhantes, afirma Inakake.

“A China vai dar os passos com cuidado, para não comprometer seu abastecimento”, afirma ele. Mas é questão de tempo para que soja e carne que provoquem destruição da natureza comecem a perder competitividade.

O inverso também é verdadeiro, diz Inakake. Avançar sobre áreas degradadas vai representar um serviço para o clima, o que será reconhecido.

A garantia de que não haverá novas perdas de vegetação nativa para a lavoura será “recompensada com créditos de carbono”, afirma o especialista do Imaflora.

O impacto climático das gigantes do agronegócio se estende muito além das fazendas. “Se as tradings não fizerem mais [para cortar suas emissões], milhares de outras companhias do mundo inteiro que são suas clientes” também não serão capazes de atingir o net zero, aponta um comunicado da WWF sobre a aliança.

* O jornalista viaja a convite da International Chamber of Commerce