Plano para acabar com desmatamento associado à produção de commodities agrícolas recebe críticas

Correção: A nota à imprensa do Cade com a decisão do julgamento da medida preventiva que suspendia a moratória da soja, divulgada ontem, estava errada, ao afirmar que a medida havia sido mantida. A reportagem do Reset se baseou na comunicação oficial da autarquia (confira a íntegra no fim do texto). Posteriormente, ao acessar o áudio da sessão de julgamento, constatou o erro. Abaixo segue a versão corrigida da reportagem.   

O plenário do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) decidiu nesta terça-feira (30) manter vigente até o fim deste ano a moratória da soja, um acordo entre as grandes comercializadoras de commodities que proíbe a compra de soja proveniente de áreas desmatadas da Amazônia. 

Por 4 votos a 2, os conselheiros derrubaram, até 31 de dezembro, a medida preventiva que suspendia a moratória. Eles deram esse prazo de três meses para que as partes (tradings e produtores) negociem uma solução que seja consenso. A decisão acompanhou a orientação do Supremo Tribunal Federal (STF), onde há ações sobre o tema, de buscar um acordo entre as partes.   

A decisão desta terça-feira foi apenas com relação à medida provisória, pedida pelos produtores representados pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) e Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). O julgamento do mérito – se o acordo configura prática anticoncorrencial – ainda não tem prazo para acontecer. 

Se as partes chegarem a um novo arranjo, ele deve ser apresentado ao Cade até dezembro. Até lá, o órgão também pode incorporar a decisão do STF sobre o tema. Caso nenhuma dessas duas coisas aconteça, em tese, a suspensão à moratória pedida pela medida preventiva volta a valer em 1º de janeiro de 2026.

A Abiove, associação de tradings e processadoras de soja, avalia que o prazo dado pelo Cade será destinado a permitir que agentes privados e públicos dialoguem em busca de uma “solução” para o tema.

“A Abiove continuará acompanhando os desdobramentos no Cade e segue à disposição para colaborar com as autoridades competentes, em prol da segurança jurídica e da previsibilidade regulatória do setor”, afirmou em comunicado.

Em vigor desde 2006, a moratória é um acordo voluntário firmado primeiro entre as compradoras de soja e organizações da sociedade civil. Posteriormente, o governo brasileiro também se juntou à iniciativa. 

As empresas signatárias se comprometem a não comprar soja cultivada em áreas da Amazônia desmatadas após julho de 2008, respondendo a uma demanda de compradores estrangeiros.

Os produtores de soja, que moveram a ação no Cade, celebraram a decisão. 

“Os votos do relator e do presidente do Cade sobre as medidas preventivas (…) reforçam os indícios de cartel e as distorções geradas por esse mecanismo e suas práticas anticoncorrenciais que lesam o ambiente de mercado justo e competitivo”, diz a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT). 

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), afirmou, em nota, estar confiante que a moratória será encerrada até 1º de janeiro de 2026. A entidade reafirmou que o acordo seria “ilegal e prejudica os produtores rurais”.

Queda de braço

A moratória da soja se tornou alvo de disputa legislativa, judiciária e administrativa no Brasil. 

A queda de braço entre produtores e a indústria vem desde o ano passado. Começou com a proliferação de projetos de lei em assembleias estaduais retirando incentivos fiscais concedidos às empresas que participam de acordos do tipo. O Mato Grosso, maior Estado produtor do país, sancionou sua lei em outubro. 

O tema chegou ao STF, com duas ações questionando a constitucionalidade das legislações estaduais. 

À frente da ofensiva contra a moratória está a Aprosoja-MT. Foi ela que apresentou, em dezembro do ano passado, denúncia formal ao Cade, alegando que as tradings formam um “cartel de compra” com práticas coordenadas para limitar o mercado. 

Se juntaram ao processo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e dois congressistas: a deputada federal Coronel Fernanda; (PL-MT) e o senador Marcos Rogério (PL-RO).

O principal argumento é de que o acordo é mais rígido que a legislação nacional em vigor, uma vez que o Código Florestal permite a supressão vegetal de até 20% das propriedades rurais na Amazônia, mas as signatárias da moratória não compram soja de áreas desmatadas ainda que legalmente. 

O Cade analisa apenas o impacto concorrencial da moratória. “Questões ambientais ou de constitucionalidade do acordo são competências de outros órgãos”, diz Patrícia Carvalho, sócia da área de direito da concorrência do TozziniFreire Advogados.

Esse aspecto foi abordado durante o julgamento. O conselheiro Gustavo Augusto disse que, com a extensão do prazo, órgãos ambientais têm a possibilidade de normatizar o acordo como política pública, o que poderia ser feito por meio de medida provisória, decreto, resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) ou outro instrumento. 

“Eu não vou dizer qual o instrumento, porque isso não me cabe, mas faz-se um normativo, garantindo que seja de uma forma não discriminatória”, afirmou Augusto, que também é presidente do Cade. 

A advogada do TozziniFreire cita como exemplo a União Europeia, onde há diretrizes que flexibilizam regras concorrenciais para acordos ambientais – algo que não existe formalmente no Brasil. “Na Europa há um guia claro sobre quando acordos de sustentabilidade podem receber tratamento diferenciado do ponto de vista concorrencial. Aqui, não temos uma orientação formal, o que torna o debate mais complexo”, disse.

Confira abaixo a íntegra da comunicação oficial do Cade divulgada nesta terça (30 de setembro): 

Tribunal do Cade mantém medida preventiva sobre moratória da soja, com efeito a partir de 2026

Entidades tem [sic] até 31 de dezembro deste ano para se adequarem a determinação da autarquia

Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) decidiu, nesta terça-feira (30/9), manter a medida preventiva imposta pela Superintendência-Geral (SG) às entidades do Grupo de Trabalho da Soja e às empresas exportadoras signatárias da Moratória da Soja, mas com aplicação apenas a partir de 1º de janeiro de 2026. A decisão foi tomada pelo Tribunal durante a 255ª Sessão Ordinária de Julgamento.

A medida preventiva determina que as empresas se abstivessem de coletar, armazenar, compartilhar ou disseminar informações comerciais referentes à venda, produção ou aquisição de soja – tanto de produtores rurais como de empresas exportadores –, com destaque às informações referentes a preço, volume e origem do produto comercializado, dentre outras medidas. Essa determinação foi adotada em agosto deste ano no contexto do processo que investiga possíveis condutas anticompetitivas no mercado nacional de produção e venda de soja, diante de preocupações de que a troca sistemática de informações sensíveis pudesse afetar a concorrência.

A investigação teve início a partir de uma representação encaminhada pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados. O documento apontava que os signatários da Moratória da Soja teriam acordado em não adquirir grãos de produtores com áreas cultivadas em regiões desmatadas do bioma amazônico após 2008. O compromisso particular, firmado entre empresas do setor, aplica-se exclusivamente à soja, não abrangendo outros tipos de cultivo.

Segundo apuração da SG/Cade, empresas privadas concorrentes criaram o chamado Grupo de Trabalho da Soja, com a finalidade de monitorar o mercado e viabilizar um acordo que estabelecesse condições para a compra da commodity no país. Para a SG, tal prática constitui um acordo anticompetitivo entre concorrentes que prejudica a exportação de soja. Diante desse cenário, foi adotada a medida preventiva, que também determinava a suspensão de auditorias, a retirada de documentos relacionados à moratória de sítios eletrônicos e a abstenção de divulgar listas e relatórios que instrumentalizassem o acordo.

O caso foi julgado pelo tribunal da autarquia depois que entidades envolvidas no processo apresentaram recursos voluntários solicitando a suspensão da medida. O conselheiro-relator, Carlos Jacques, votou pelo não provimento dos recursos, defendendo a manutenção integral da medida preventiva. Para ele, mesmo quando não envolvem preços, informações como fornecedores e volumes de compra podem reduzir a competitividade no setor e gerar efeitos anticompetitivos duradouros.

O conselheiro José Levi divergiu do relator e votou pelo parcial provimento dos recursos, propondo a suspensão da eficácia da medida preventiva até 31 de dezembro de 2025, a fim de criar um período de diálogo entre agentes públicos e privados.

O Tribunal, por maioria, conheceu os recursos voluntários interpostos e, no mérito, deu parcial provimento para suspender a eficácia da medida preventiva até o fim de 2025, nos termos do voto do Conselheiro José Levi.