Com orçamento de R$ 100 milhões, ICS articula filantropia climática no Brasil

Comandado por Maria Netto, Instituto Clima e Sociedade entra em nova fase “mais econômica, estratégica e técnica”

Maria Netto, diretora-executiva do ICS
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Criado há 9 anos, o Instituto Clima e Sociedade (ICS) se consolidou como uma das principais entidades filantrópicas na agenda climática do Brasil.

Diferentemente de outras fundações, não existe um indivíduo ou família doadora por trás da iniciativa. O ICS já canalizou recursos de cerca de 40 financiadores estrangeiros e, mais recentemente, também do Brasil, como os institutos Itaúsa e Moreira Salles. Seu papel é de um ‘regrantor’, como se diz lá fora. 

De 2016 a 2023, foram quase 920 doações para 463 organizações. Seu orçamento é, provavelmente, o mais parrudo entre seus pares, cerca de R$ 100 milhões anuais. 

Além da multiplicidade de doadores, outra marca é sua forma de atuação, como articulador e capacitador, ajudando a criar e fortalecer a infraestrutura das políticas e investimentos climáticos no país. O ICS é o ‘paciente zero’ por trás de várias iniciativas em andamento no país.

“Não investimos capital em projetos. Outras filantropias têm esse papel de colocar recursos em equity. Nós atuamos ajudando a fazer o blueprint [das inovações necessárias], trazer os atores juntos para entender o que precisa ser feito, pensar quais as barreiras regulatórias que impedem algo de acontecer”, diz Maria Netto, diretora executiva do ICS. 

Ela, que fez carreira na área de finanças climáticas em bancos de desenvolvimento como o BID e na ONU, assumiu no ano passado no lugar de Ana Toni, que se desligou da entidade para se tornar secretária de Mudanças do Clima do Ministério do Meio Ambiente.

Nova fase

A mesma troca de governo que ocasionou a chegada de Netto ao ICS abriu também uma nova fase para o instituto.

No governo de Jair Bolsonaro, com o desmatamento e o negacionismo climático em alta, o ICS passou a ter um papel de apoiar a resistência e também dar continuidade à agenda do clima no país.

“Agora a agenda foi transformada numa conversa muito mais econômica, estratégica e técnica, e tivemos que reorientar nossa atuação a partir do ano passado”, diz Netto. 

Hoje, diz ela, o cenário caminha cada vez mais para discussões de cunho econômico, como rastreio da cadeia de commodities ligadas a desmatamento, aplicação de tarifas transfronteiriças pela União Europeia por conta do conteúdo de carbono dos produtos e subsídios massivos dos Estados Unidos para energia renovável – e como o Brasil pode se inserir nesse contexto. “A agenda tornou-se muito mais sofisticada.”

Nessa linha, recentemente, o ICS foi um dos articuladores de dois eventos em São Paulo para discutir o financiamento da transição para uma economia de baixo carbono. Um deles na esteira da presidência brasileira do G20 e outro para trazer ao Brasil uma iniciativa global de capacitação de profissionais da área.

“Uma grande barreira no enfrentamento à mudança climática é justamente como escalar o financiamento. É preciso escalar as soluções baseadas na natureza, o restauro, a bioeconomia, para poder ter um retorno econômico real”, diz Netto. No âmbito do G20, por exemplo, o ICS está financiando um trabalho para reunir estudos de caso que deram certo no financiamento de soluções baseadas na natureza.

Transição energética

O financiamento climático é apenas uma das vertentes que se tornaram prioritárias para o ICS nessa nova fase. 

Na área de transição energética, o ICS trabalha para promover o potencial de energias renováveis no Nordeste do país. “Estamos falando de solar, eólica, mas também das novas tecnologias de hidrogênio verde, de trazer investimentos de cadeia de valor de novas indústrias que têm uma dependência energética alta para virem fabricar e produzir nessa região”, diz ela.

“E assegurar que a sociedade civil participe, que isso crie empregos locais e benefícios para as comunidades, porque houve muito problema com a instalação das renováveis nessa zona, com pouca consulta e experiências negativas.”

Ainda em energia, diz ela, o ICS vem financiando estudos para subsidiar o Ministério de Minas e Energia e a Petrobras sobre rotas de descarbonização, incluindo biocombustíveis e também investimentos em soluções baseadas na natureza que ajudem a compensar as emissões. 

Outra frente se dá no apoio a iniciativas de transição e competitividade da indústria, como a criação do think tank E+. “Vemos um potencial importante de ajudar a criar métricas e posicionamento vis-à-vis as demandas internacionais, para valorizar o fato que os produtos brasileiros são verdes. O país precisa ter uma estratégia em relação a isso.”

No segmento de mudanças do uso da terra, além de ajudar a escalar bioeconomia, concessões florestais e outras soluções, Netto diz que a agricultura regenerativa também está no radar. “Estamos falando de sistemas alimentares, de olhar a agricultura do ponto de vista da mitigação e também da adaptação, porque haverá um impacto da mudança do clima na agricultura.”

Por fim, de olho na preparação do Brasil para liderar a COP30, que será em Belém, o ICS está voltado este ano a coordenar esforços de vários dos donatários de sua rede para manter viva a meta de limitar o aquecimento global a 1,5º – e com uma visão “economy-wide”, ou seja, que leve em conta o planejamento econômico para se chegar lá, diz Netto. 

“O governo está fazendo bons esforços, mas é preciso muita discussão e engajamento setoriais. O Brasil, além de liderar as negociações, tem que liderar pelo exemplo.”