O Brasil no epicentro das finanças climáticas: o que você precisa saber

Reunimos sete das principais ideias discutidas em uma semana que contou com autoridades do G20 e os maiores especialistas no tema

O Brasil no epicentro das finanças climáticas: o que você precisa saber
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Nesta semana que termina, o Brasil se converteu no epicentro das finanças verdes globais. 

A reunião dos ministros das Finanças e presidentes dos bancos centrais do G20 sob a presidência do Brasil, em São Paulo, foi cercada de eventos paralelos que trouxeram ao país alguns dos maiores especialistas mundiais no tema.

O mote central foi, claro, como escalar o fluxo de capital para soluções climáticas na medida dos trilhões de dólares anuais necessários para conter o aquecimento global nas próximas décadas, especialmente nos países do Sul Global. E um consenso: o Brasil pode exercer um papel crucial nessa agenda nos próximos dois anos, à frente do G20 e como anfitrião da COP de 2025, em Belém.

Passaram pela cidade Paul Polman, ex-CEO da Unilever e expoente do capitalismo de stakeholder, Mark Carney, ex-presidente dos BCs do Canadá e da Inglaterra, Laurence Tubiana, uma das arquitetas do Acordo de Paris, Adam Wang-Levine, vice-secretário adjunto para clima do Tesouro Americano, Alok Sharma, presidente da COP26, e Erik Berglof, economista-chefe do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, só para citar alguns.

Só o Fórum Brasileiro de Finanças Climáticas, organizado por entidades filantrópicas, recebeu mais de 800 pessoas durante os dias 26 e 27, no elegante Hotel Rosewood, com um lineup de fazer inveja pela qualidade (chora, Lollapalooza). 

Já o evento promovido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no dia 28, a poucos metros das reuniões do G20, no Parque do Ibirapuera, contou com discussões de alto nível entre especialistas. 

Paralelamente, reuniões e jantares fechados também tiveram lugar pela cidade, inclusive com o lançamento do capítulo brasileiro do Gfanz, a principal aliança global de instituições financeiras pela descarbonização.

O resultado de todos esses encontros foi um tsunami de ideias inovadoras, capaz de deixar zonzos até mesmo os mais fanáticos pelo tema. A equipe de jornalistas do Reset acompanhou boa parte das discussões e traz aqui, de forma resumida, algumas das principais tendências apresentadas.

Risco cambial

O governo brasileiro e o BID marcaram um gol ao abrir a semana anunciando um programa inovador para mitigar o risco cambial dos investimentos estrangeiros verdes no país. A iniciativa (que detalhamos aqui, e também em inglês) busca solucionar um dos principais obstáculos à atração de capital estrangeiro para projetos de longo prazo, e colheu elogios durante toda a semana. 

Mark Carney, ex-presidente dos BCs da Inglaterra e do Canadá e co-chair do Gfanz, disse que os instrumentos são ‘inovadores’ e ‘super importantes’ para ajudar a remover os obstáculos que hoje impedem que o dinheiro do mundo desenvolvido chegue aos países emergentes. “Esperamos que ele possa ser replicado e escalado em outros lugares do mundo.”

Custo de capital e risco-país

A solução é “oportuna, bem desenhada e de baixíssimo impacto fiscal e já começou a mudar expectativas de mercado apenas com seu anúncio”, disse o economista e colunista do Reset, Winston Fritsch, que escreveu um paper a respeito em parceria com o também economista Márcio Garcia, divulgado no site da Fazenda. 

Painelista no evento do BID, Fritsch disse, no entanto, que o programa é um “ponto de partida e uma tela em branco”. “Ele só vai ser um sucesso se o setor privado comprar a ideia.” E sugeriu que a equipe econômica trabalhe também em outra frente: “Tem um outro problema que aumenta o custo de capital, que tem a ver com o risco soberano. Não é fácil de resolver e não há instrumentos sugeridos no plano, a não ser uma boa política macroeconômica.” 

Luciana Ribeiro, sócia da eBCapital e líder da força-tarefa de Finanças e Infraestrutura do B20, o fórum empresarial dos países do G20, disse que o grupo está analisando os obstáculos que impedem a atração de capital e apontou exatamente na direção da volatilidade cambial e do risco-país, por trazerem um custo adicional de capital. “Precisamos do capital privado e ele só entra se fizer sentido econômico.” 

Reforma dos bancos multilaterais

O Brasil definiu como um dos objetivos de sua presidência no G20 deixar pronto um roadmap para a reforma dos bancos de desenvolvimento multilaterais, como Banco Mundial e BID. O tema está quentíssimo e vai da reforma da governança, para que países em desenvolvimento também tenham voz, a mudanças que façam o dinheiro fluir em maior volume e com mais eficiência para ajudar a resolver o desafio do clima e da inclusão.

Um painel inteiro do Fórum Brasileiro de Finanças Climáticas foi dedicado a ele e, mesmo fora dele, aqui e ali o tema era trazido à baila por diferentes interlocutores.

“É a primeira vez que vejo que existe tração para reformar o sistema”, disse Erik Berglof, do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura.

“O Brasil estará no epicentro da geopolítica nos próximos dois ou três anos”, disse Kate Hampton, CEO da Fundação Children’s Investment Fund, referindo-se à presidência do G20, do banco dos Brics e também como anfitrião da COP do ano que vem. “O que precisamos agora é de decisões que reflitam as necessidades das pessoas em todo o mundo, e não apenas as necessidades daqueles que venceram a Segunda Guerra Mundial.”

Nova arquitetura financeira

“Ninguém é triple A se não tivermos um planeta”, resumiu Mark Carney. A frase sintetiza a ideia de que o mundo precisa de uma nova arquitetura financeira global para que a transição para a economia de baixo carbono seja global.

Ele deu os créditos ao pai da ideia, o economista de Barbados, Avinash Persaud, que estava sentado na primeira fila e moderaria o painel seguinte. (Leia a entrevista que Persaud deu ao Reset na COP28).

“Estamos presos numa espécie de paradoxo coletivo da prudência”, disse. “Temos instituições financeiras que individualmente estão sendo prudentes e não emprestam para projetos arriscados em setores intensivos em emissões. Mas, coletivamente, isso significa que o capital não está chegando onde precisa para resolver o problema, contribuindo para a catástrofe do clima.”

Subprime do bem

Uma das ideias mais ousadas para fazer o capital fluir para onde precisa foi ventilada por ao menos três expoentes.  

A francesa Laurence Tubiana, uma das arquitetas do Acordo de Paris e CEO da European Climate Foundation, iniciativa filantrópica que promove políticas climáticas, falou em criar um ‘subprime do bem’, para “atacar diretamente o diferencial entre risco e retorno de projetos de transição que visam à neutralidade de carbono.”

“Esse termo virou quase um palavrão [depois da crise financeira de 2008]. Mas o princípio é justamente criar ativos que têm uma escala de risco e o investidor possa escolher aquele que considera aceitável”, disse durante o Fórum Brasileiro de Finanças Climáticas.

Subprime do bem também foi a expressão usada pelo economista Luiz Awazu, ex-diretor do BC e do Banco de Compensações Internacionais, o BIS. “Poderíamos fazer tranches com riscos distintos, construir um subprime do bem, endereçando diferenciais de risco e retorno”, disse. Os bancos multilaterais assumiriam a tranche de maior risco. “Para isso, precisam de mais capital, para aceitarem maior alavancagem em seus balanços.”

Ajay Banga, presidente do Banco Mundial, disse que o laboratório de setor privado da instituição trabalha na ideia de um marketplace de empréstimos climáticos securitizados, algo que facilitaria a análise e escolha por fundos de pensão e outros investidores.

O principal desafio, disse, é que hoje cada um desses créditos é feito sob medida. “Você não consegue criar um mercado de securitização com base em créditos sob medida. É preciso algum grau de padronização”, disse. “Essa provavelmente é a solução de mais longo prazo e algo no qual ainda estamos trabalhando.”   

Transparência e dados

Até hoje faltam dados para que os investidores possam abastecer seus modelos e tomar decisões de investimento, algo que começa a mudar com a criação do padrão global de reporte de sustentabilidade, o International Sustainability Standards Board, lançado no ano passado.

O ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, um dos expoentes das finanças climáticas no Brasil, disse que o ISSB fará com que as finanças mudem de forma bastante dramática.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) foi o primeiro regulador do mercado de capitais no mundo a adotar oficialmente o padrão, que se tornará obrigatório a partir de 2025 para companhias listadas em bolsa. “Poucos países levaram isso tão a sério quanto o Brasil”, disse Levy.

Mark Carney elogiou o pioneirismo do Brasil e defendeu que todos os países do G20 façam o mesmo. “Você, país do G20, assuma o seu compromisso com a implementação obrigatória da divulgação porque temos que acabar com essa lacuna de dados.”

“Se mais economias grandes tornarem o ISSB obrigatório, em alguns anos, teremos muito mais transparência sobre quais serão as trajetórias das grandes empresas. E isso forçará a repensar o direcionamento do capital para locais onde produzir energia verde é mais competitivo, por exemplo”, disse Levy.

Nova fronteira e justiça climática

“A próxima fronteira da inovação financeira é em torno da interseção entre natureza e clima”, disse Mark Carney. “O clima se tornou o destruidor dominante da natureza, 70% da população de vida selvagem se foi durante a minha vida, 40% do nosso capital natural [se perdeu] desde o início dos anos 1990, e inversamente, soluções baseadas no clima e na natureza podem ser a forma mais barata de reduções de emissões, se fizermos direito.”

A grande dificuldade, segundo Leon Clarke, diretor de rotas de descarbonização do Bezos Earth Fund, é que o valor econômico da restauração da natureza ainda não está no mercado. “Como internalizamos esses custos? Mercados de carbono são uma maneira de fazer isso”, pontuou.

“Precisamos de inovação nas finanças que reconheça que somos parte da natureza, e não separados ou parte dela. Esse valor natural deve reconhecer o valor da natureza para os povos indígenas, para as comunidades locais e para todos os que vivem neste planeta hoje e amanhã”, arrematou Carney.

A ideia de que é necessário assegurar que o dinheiro da economia verde chegue a quem precisa perpassou todos os encontros.
Luana Génot, fundadora do Instituto Identidades do Brasil, fez uma das falas mais contundentes e aplaudidas. “Estamos falando de geração de riqueza. Não podemos falar de transição energética e criar mais concentração de renda. E a concentração de renda tem a sua cor, a sua raça”, disse ela, que deixou a sugestão de que o Fundo Amazônia, gerido pelo BNDES, passe a monitorar quanto dos recursos vão, de fato, para as populações marginalizadas.

* Com a colaboração de Sérgio Teixeira Jr., Ilana Cardial e Italo Bertão