Moda brasileira avança devagar em transparência climática

Em um contexto de urgência climática global e com o Brasil a poucos dias de sediar a COP30, o setor da moda nacional ainda hesita em adotar a transparência como pilar fundamental rumo à transição e a saúde do planeta.

O Índice de Transparência da Moda Brasil – Edição Clima 2025 traz resultados alarmantes. Ele será lançado nesta segunda-feira (3) pelo Fashion Revolution Brasil, entidade que trabalha com transparência e sustentabilidade no setor. 

Das 60 maiores marcas que operam no país, quase a metade – 27 delas – teve nota zero, ou seja, não publica qualquer informação sobre suas emissões, metas de descarbonização, propostas contra o desmatamento, uso de energia renovável e compromissos com uma transição justa.

Entre as empresas que não pontuaram estão marcas populares, como Líder, Torra, Havan e Besni. Mas também algumas do segmento premium, como Osklen, Ellus e Brooksfield. 

“Sabemos que existem ações que algumas empresas preferem não reportar por ainda não se sentirem maduras, que existe o greenhushing, medo de errar e serem atacadas por ativistas, mas este é um pensamento muito retrógrado, que não cabe mais”, diz Isabella Luglio, coordenadora de pesquisa do Fashion Revolution Brasil. 

Greenhushing é a prática de se abster de divulgar iniciativas de sustentabilidade por receio de críticas e acusações de greenwashing (falsa propaganda verde) ou de estarem distantes de suas próprias metas. 

Para a escolha das 60 marcas avaliadas, segundo Luglio, o Fashion Revolution elencou diferentes nichos, entre eles infantil, calçados, praia e esportes. “Não queríamos apenas as maiores do setor como um todo, ou ficariam só as grandes varejistas”, ela explica. A lista destes 60 nomes foi fechada para a edição de 2023 do índice, que existe desde 2018, e foi mantida este ano para possibilitar a comparabilidade. 

Esta é a primeira versão dedicada exclusivamente a clima. “Por conta da COP30 no Brasil, achamos importante ter dados nacionais sobre a transparência do mercado de moda rumo à transição.” 

O objetivo é que o índice funcione como um instrumento de mobilização e pressão para que o setor assuma sua responsabilidade com o meio ambiente e com os trabalhadores, posicionando-se de forma relevante no contexto da conferência da ONU.

Desafios do setor

A pesquisa, conduzida em parceria com a consultoria ABC Associados, avaliou a divulgação pública de informações em cinco áreas críticas: rastreabilidade; emissões de carbono; descarbonização e desmatamento zero; aquisição e uso de energia renovável; transição justa. E considerou 35 indicadores.

“Nós utilizamos apenas dados que podem ser encontrados a partir do que as marcas disponibilizam em seus websites. Ou seja, focamos exclusivamente no compromisso com a transparência”, explica Aron Belinky, da ABC Associados. “Por isso os baixos resultados encontrados são tão preocupantes: eles mostram que, para essas marcas, ainda não há sequer a preocupação com divulgar informações sobre o assunto. Em contraste, o índice valoriza muito a atitude daquelas que são transparentes e, com isso, se comprometem a avançar em sua contribuição para o bem-estar das pessoas e do planeta.”

A pontuação média geral entre as 60 marcas foi de apenas 24%. Além das 27 que não pontuaram, 48 (80% do total) pontuaram menos da metade dos indicadores disponíveis e apenas 6 pontuaram na faixa acima de 61%. Nenhuma marca pontuou acima de 76%.

As dez marcas mais transparentes quanto às suas ações climáticas, segundo o relatório, são Renner (76%), Youcom (76%), Adidas (65%), Ipanema (65%), Melissa (65%), C&A (64%), Riachuelo (57%), Malwee (56%), Arezzo (54%) e Reserva (54%). 

A área com pior pontuação geral foi a de transição justa, com uma média de apenas 9%. 65% das marcas ficaram com nota zero neste item, sem apresentar qualquer iniciativa para proteger trabalhadores e comunidades em que estão inseridas.

“A moda tem uma dívida histórica neste ponto”, diz Luglio. “É uma indústria que foi construída com base em mão de obra barata, e isso tem mudado muito pouco. Muitas empresas ainda acreditam que o lucro só é possível com essa exploração. Mas quando falamos de crise climática, sabemos que todos são afetados, mas não da mesma forma. Não existe transição sem justiça social.”

Emissões

Embora tenha havido progresso na transparência sobre emissões de gases de efeito estufa (GEE), metas de descarbonização e uso de energia renovável, ele ainda está muito aquém do que a urgência climática exige. 

Mais de 60% das marcas não divulgam inventários completos de emissões, informação considerada padrão em reportes globais de sustentabilidade. Apenas 37% reportam dados do escopo 3 (emissões indiretas, da cadeia de valor), responsável por 96% da pegada climática da moda. 

O total de escopo 3 divulgado (por apenas 22 marcas) soma 59,3 milhões de toneladas de CO2, mais do que as emissões anuais de Portugal.

Para 88% das marcas avaliadas, o progresso em direção à redução de emissões segue pouco claro ou inexistente. Apenas 12% mostram redução real de emissões em relação ao ano-base de suas metas. Além disso, apenas 27% publicam metas climáticas validadas cientificamente pelo SBTi (Science Based Targets Initiative), entidade que dá o selo de maior prestígio para os planos de descarbonização das empresas. 

Desmatamento é outro tema preocupante: 80% das marcas não possuem compromissos públicos e com prazo determinado de desmatamento zero para pelo menos uma de suas matérias-primas. O desmatamento, impulsionado pela demanda por couro, algodão e viscose, é um elemento central na problemática climática do Brasil.

Muitas marcas se valem de certificações para indicar a procedência da matéria-prima que usam. Mas a rastreabilidade ainda é limitada, na prática. Apenas 23% das marcas informam quem fornece suas matérias-primas, a etapa onde se concentram os maiores riscos de desmatamento, exploração de trabalho e degradação ambiental.

Contexto global

O Índice de Transparência da Moda Brasil utiliza uma metodologia adaptada a partir do relatório global da Fashion Revolution. Apesar das diferenças entre os dois, é possível traçar algumas comparações. 

“What Fuels Fashion?”, a versão global, analisou 200 marcas este ano e teve resultados de transparência superiores aos verificados no Brasil. No cenário mundial, 55% das marcas publicam metas de descarbonização validadas pelo SBTi, por exemplo. 

Seis anos após o indicador ser incluído no Índice Brasil, apenas 45% das marcas publicam suas emissões de escopos 1 (diretas, de sua produção) e 2 (referentes ao consumo de energia). No mundo, são 72%. Enquanto no país 37% reportam dados do escopo 3, globalmente são 62%. 

A marca mais bem pontuada no “What Fuels Fashion? 2025” foi a varejista sueca H&M, que chegou ao Brasil em agosto, com 71% por sua transparência e compromisso com a energia limpa. Em 2024, a empresa investiu cerca de U$ 180 milhões em atividades de descarbonização, em sua cadeia de valor. 

“A maior parte foi destinada à substituição de materiais convencionais por alternativas recicladas ou de origem sustentável, bem como à eliminação gradual de combustíveis fósseis e ao apoio a iniciativas de eficiência energética”, disse um porta-voz da H&M.