EMPRESAS

Incentivos turbinam construtoras de moradia para baixa renda

Orçamento recorde do Minha Casa Minha Vida amplia vendas de imóveis populares; Itaú BBA recomenda compra de ações do segmento

Incentivos turbinam construtoras de moradia para baixa renda

“As construtoras brasileiras de moradia popular estão vivendo seus melhores dias”. A constatação é do Itaú BBA, cuja área de análise de empresas iniciou a cobertura do segmento de construção civil para baixa renda. Os bons dias são resultado do orçamento recorde do Minha Casa Minha Vida (MCMV),  de R$ 137 bilhões em 2025.

Novas regras do programa de habitação popular do governo federal e a maior alocação de recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) têm apoiado o crescimento do setor. O maior beneficiado por esta maré boa deve ser a construtora Tenda, segundo o banco. 

“A acessibilidade dos compradores de imóveis nunca foi tão forte, as empresas estão aumentando os lançamentos e a velocidade de vendas está em níveis recordes. Tudo isso em conjunto com aumentos de preços e expansão da margem bruta, um cenário otimista que seria difícil de prever alguns anos atrás”, dizem os analistas em relatório divulgado nesta semana.

As reformas no Minha Casa Minha Vida entre 2020 e 2025 ajudaram as empresas do setor: maior orçamento para crédito e subsídios, corte nas taxas de juros do financiamento, teto de preço dos imóveis mais alto e limite de elegibilidade de renda familiar mais elevado. 

O governo federal anunciou uma nova faixa do Minha Casa Minha Vida, com preço máximo de R$ 500 mil. Antes, o teto era R$ 350 mil, disponível para famílias com renda média de até R$ 8,6 mil. Nesta nova faixa, a renda média da família pode chegar até R$ 12 mil.

O orçamento recorde do Minha Casa Minha Vida acompanha o avanço da receita líquida do do FGTS, o principal financiador do programa e que pode ser sacado por trabalhadores para a compra da casa própria. Os depósitos líquidos do fundo apresentaram uma tendência de recuperação nos últimos anos, saindo de valores negativos antes de 2019 para um saldo líquido positivo de quase R$ 40 bilhões em 2023.

O relatório do Itaú BBA estima a capacidade de financiamento do FGTS entre R$ 120 bilhões e R$ 130 bilhões por ano, com entradas líquidas de R$ 30 bilhões a R$ 35 bilhões anuais.

As bolas da vez

O relatório aponta cinco empresas que estão melhores posicionadas para aproveitarem esta combinação de fatores e que possuem maior potencial de retorno para investidores: Tenda, Plano & Plano, Cury, Direcional e MRV. O Itaú BBA recomenda a compra das quatro primeiras e a manutenção da MRV

A Tenda é o destaque das recomendações do Itaú BBA, com preço-alvo de R$ 40 por ação, um potencial de valorização de 46% em relação ao seu valor atual. O banco projeta que o lucro por ação da construtora pode crescer até 65% em 2026. 

A Plano & Plano teve seu preço-alvo estimado em R$ 24, com potencial de valorização acima de 40%. 

Mais veteranas, a Cury e a Direcional podem esbarrar em desafios para sustentar taxas elevadas de crescimento, segundo o banco, pois já operam em escalas muito maiores que suas concorrentes atualmente. O Itaú BBA estabeleceu preços-alvo de R$ 43 e R$ 19,70, respectivamente, equivalente a valorizações de 28% e 27%. 

No caso da MRV, os analistas acreditam ser muito cedo para recomendar a entrada na ação. O preço-alvo sugerido é de R$ 9. No momento, o valuation relativo da MRV é menos atrativo e a empresa estaria sem margem para erros, segundo os analistas. 

Riscos

Entre os riscos do setor, os analistas do Itaú BBA apontam a inflação de construção, com custos crescentes que podem corroer as margens de lucro das construtoras a longo prazo se elas não conseguirem repassá-los aos preços, o que ainda não é o caso. Eles avaliam que a inflação do setor está mais controlada.

As eleições presidenciais em 2026 poderiam trazer incertezas para um setor dependente de incentivos do governo. O Itaú BBA avalia, porém, que dificilmente um novo governo, seja de esquerda ou direita, vai abandonar o Minha Casa Minha Vida, por conta da alta popularidade do programa e dos benefícios socioeconômicos que ele gera. 

Em 2021, porém, o governo de Jair Bolsonaro (PL) cortou 98% dos recursos destinados ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Ele financia as obras da faixa 1 do Minha Casa Minha Vida, que atende famílias com renda mensal de até R$ 1,8 mil. O orçamento de R$ 1,5 bilhão foi praticamente zerado, chegando a R$ 27 milhões. 

À época, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção estimou que 250 mil obras foram paralisadas.

Mais do que dinheiro

Não apenas os incentivos governamentais favorecem o setor. Dados demográficos mostram que, no Brasil, não falta mercado para o segmento. Segundo o Censo do IBGE de 2022, 46 milhões de brasileiros não possuem casa própria, cerca de 21% da população. 

Uma pesquisa do Datafolha deste ano aponta que 93% dos brasileiros que vivem de aluguel sonham com a casa própria e 52% já se planejam para a compra. 

No Brasil, o déficit habitacional é de 6,2 milhões de moradias, segundo dados da Fundação João Pinheiro (FJP) de 2024.

No recorte regional de oportunidades para o setor, o Itaú BBA destaca a cidade de São Paulo, que “aprimorou seus Planos Diretores nos últimos dois anos, aumentando a oferta de terrenos financeiramente atrativos para construtoras e beneficiando o desenvolvimento de unidades residenciais de baixa renda em áreas mais centrais, próximas a infraestrutura, estações de metrô, corredores de ônibus etc”.

Há, porém, falta de transparência se os incentivos para habitações sociais alcançam famílias de baixa renda, segundo um estudo da Fundação Tide Setubal em parceria com o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, divulgado este ano. Ele revelou problemas como famílias de renda mais altas beneficiadas – o que levanta críticas sobre o uso de moradias populares para especulação imobiliária.