A ambição do Brasil é que a COP30 seja uma virada, um “rito de passagem” da era das negociações entre países para a fase da implementação. E o setor privado é parte fundamental desse esforço, afirmou Ana Toni, CEO da conferência deste ano.
Toni foi entrevistada no evento “ClimaCorp: Liderança Empresarial na Era da Transição Climática”, promovido pelo Reset nesta quarta-feira (13). O encontro foi patrocinado por Natura, Itaú, BRF Marfrig, Bradesco, Suzano, Banco ABC Brasil e Eletrobras.
Chamada às pressas para uma reunião no Palácio do Planalto, Toni não pode estar presente. Ela gravou uma entrevista exibida no evento (acima).
Segunda na hierarquia da liderança da COP30, Toni falou sobre as expectativas de resultados das negociações, sobre o futuro das conferências do clima e sobre a mobilização de empresas e instituições financeiras na tarefa de implementar as decisões tomadas ao longo de mais de três décadas de diplomacia do clima.
A seguir, confira a entrevista:
O que a gente pode esperar especificamente de entregas da COP30, em termos práticos? O que vocês estão esperando?
Primeiro, o fortalecimento do multilateralismo. A gente está vivendo num momento geopolítico bastante conturbado, onde há dúvidas do papel do multilateralismo. Simplesmente por mostrar que a nossa COP consegue acordar diversos textos dessa regimentação vai ser muito importante para mostrar que [ele] está forte, está consolidado e que a única maneira de lidar com a mudança do clima é fortalecendo o multilateralismo.
Nos temas mais temáticos, eu acho que a gente vai conseguir entregar um pacote, seja na negociação, seja na agenda de ação, seja em novas promessas, financiamento sobre natureza, que vai ser muito emblemático.
É uma COP na Amazônia, então acho que a gente consegue entregar um pacote que mostre que não há combate à mudança do clima sem considerar a conservação da natureza. Porque muita gente imagina que a gente consegue combater a mudança do clima somente com grandes tecnologias, principalmente no setor elétrico, e esquece da importância da natureza.
Eu diria que um terceiro grande legado vai ser na área de adaptação. O tema é quase o patinho feio das COPs, ele vem a reboque de um debate sobre mitigação, que é realmente muito importante, que lida com as causas da mudança do clima. Tenho certeza que na nossa COP faremos o mesmo, mas agora, com o que a gente já está vendo de desastres climáticos, inundações, secas, ondas de calor, a gente tem que levar muito mais a sério o tema de adaptação.
O custo da inação vai ser muito alto para todo o setor econômico. Então a gente tem que estimular esse debate, e acho que a nossa COP vai entregar também um pacote, seja de novos acordos internacionais, seja grandes agendas de ação, seja de financiamento, para a área de adaptação.
Esses seriam grandes legados, tendo esse pano de fundo que é a aceleração da implementação.
Com as definições mais importantes sobre o Acordo de Paris já tomadas, qual será o papel futuro das COPs na sua visão?
É uma bela pergunta, porque, como você mencionou, o arcabouço legal do Acordo de Paris, dos temas prioritários dessa legislação internacional, foram sendo decididos nos últimos dez anos. De agora em diante, em termos de negociação, e as COPs são [prioritariamente] negociação, entra-se num outro momento, que é de refinamento dessas legislações que foram acordadas.
Como é que vai ser implementado, é quase um regimento da implementação dessa lei internacional. A COP virou essa grande plataforma de debate e aceleração das ações climáticas. É um evento muito grande, se tornou o maior evento das Nações Unidas, chegando a 80 mil, 90 mil pessoas. Tem que ser realmente repensado como a gente usa melhor esse espaço das COPs.
E a gente criou um círculo de ex-presidentes de COP, das últimas 10 COPs, que está sendo liderado pelo ex-ministro de Relações Exteriores da França, o Laurent Fabius, para nos ajudar a pensar quais seriam boas modificações parapensar as COPs e a governança global de clima para o futuro.
Esperamos que esses ex-presidentes de COP nos entreguem um documento com sugestões para a gente olhar nesse rito de passagem – de COPs que eram basicamente grandes negociações para COPs agora como uma plataforma de mobilização e aceleração das implementações.
Você mencionou várias vezes a agenda de implementação, e isso tem sido uma tônica da presidência brasileira da COP. A gente sabe que todas as decisões diplomáticas tomadas nas COPs não são mandatórias. Tem a questão da dificuldade de fazer com que os países, de fato, implementem o que foi decidido.
Quando você pensa em setor privado, governos subnacionais, quando você pensa nessa agenda de implementação que vai demandar a ação desses outros entes, o poder de fazer acontecer é ainda menor. Como de fato fazer com que essa agenda de implementação saia do discurso para a ação?
Acordos internacionais são acordos, e é muito difícil de implementá-los. Mas, se a gente olhar para o que já aconteceu, quando [foi firmado] o Acordo de Paris o mundo estava em direção [a um aumento de temperatura de quase 4,5°C, 5°C até 2100.
Com as NDCs que já estão na mesa de 2030, a gente está caminhando para 2,7°C. Esses grandes acordos têm efetividade. Eles estão sendo implementados, a transição já começou.
Ainda estamos longe do nosso objetivo, que é [um aumento máximo de] 1,5°C, mas não dá para não considerar que isso já está acontecendo. Quando a gente olha tudo o que aconteceu na China, essa revolução industrial que aconteceu com o painel solar, eólicas, carros elétricos, elas foram estimuladas a partir do acordo internacional, aquelas convenções, o Acordo de Paris.
A revolução que está acontecendo na nossa própria agricultura, de agricultura regenerativa, agrofloresta. Sim, havia essa preocupação de como é que a gente ia responder a esse acordo internacional. O comando e controle é fundamental, mas a gente também sabe que não é uma bala de prata, que não vai resolver todos os problemas.
Por isso é tão importante a participação do setor privado. Ele tem soluções, porque [as empresas] estão sentindo na pele. Os agricultores já estão lidando com menos chuva, então eles já estão desenvolvendo uma agricultura mais regenerativa, mais de agrofloresta.
No setor elétrico estão acontecendo milhares de coisas. Agora a gente tem que fazer mais e mais rápido. Então eu digo: nosso grande inimigo é o tempo, porque essa transição é inevitável, todo mundo sabe que estamos caminhando para uma economia de baixo carbono, só que a emergência climática nos obriga a acelerar.
E a mudança cultural, a mudança econômica, os novos instrumentos econômicos… demora até eles ganharem força. Então a economia é baseada num processo do passado, a gente tem um poder político ainda muito baseado numa economia do passado.
Mas estamos no meio dessa transição, e o que a gente precisa agora é acelerar.
Você e o embaixador André Correa do Lago têm obviamente tido contato com muita gente, têm estado em todos os lugares, viraram onipresentes. O que você sente das interações com o setor privado no Brasil nesse momento? Isso está na cabeça da alta liderança? Quem está com a caneta na mão e quem decide tem que estar consciente e convencido de que esse é o caminho.
Quando a gente conversa com os CEOs, principalmente os brasileiros, mas também de fora, todos sabem que essa transformação é inevitável. Por quê? Porque ela também está trazendo prosperidade. A gente sempre pensou no combate à mudança do clima como um custo. Sim, tem um custo. Não vamos dourar essa pílula.
Mas percebeu-se que também essa nova economia de baixo carbono é alavanca de uma nova prosperidade. São novos empregos, novos setores, novas energias, novos business que estão surgindo por causa disso.
Vamos lembrar o que era energia solar há dez anos. É mostrar que isso é possível. São escolhas que a gente tem que fazer. Algumas são difíceis, mas a gente tem que fazer esse rito de passagem. O modelo de desenvolvimento baseado em combustível fóssil, baseado em derrubar floresta, que foi feito pela Europa, pelos Estados Unidos, que trouxe riqueza para esses países, não é mais possível para os outros.
O Brasil tem uma vocação impressionante de ser um Brasil de biodiversidade, de uma sócio-biodiversidade muito rica. Temos muito a ganhar em uma economia de baixo carbono. Não podemos vender que é [tarefa] fácil. Muitos do setor privado falam: ‘Olha, estou tentando fazer, mas tem uma dificuldade aqui porque o meu fornecedor não está alinhado com o meu objetivo, o meu consumidor também não’.
A gente saiu de um debate de ‘eu quero’, ‘eu posso”, ‘vou fazer uma promessa’ [para algo] muito mais detalhado, ‘como é que eu trago a minha cadeia de valor inteira?’. O setor financeiro, por exemplo, já [está] preparado para financiar e diz, ‘Olha, não tenho projeto, cadê os meus projetos?’
Agora estamos olhando para a economia muito mais em termos de portfólio, em termos de cadeias de valores. Não adianta só você pegar uma empresa, um setor, você tem que olhar a cadeia de valor inteira.
O Brasil quer explorar mais petróleo, e a gente também acabou de aprovar um projeto de lei descrito como um grande retrocesso, maior retrocesso na história da legislação ambiental brasileira. De que forma essas duas coisas interferem na liderança brasileira na COP?
Eu acredito que sim, interfere, mas interfere pouco. Por quê? Porque essas contradições, eu vou chamar de contradição, estão acontecendo em diversos países, infelizmente. São as escolhas difíceis. O mais importante é que aqui no Brasil [estamos] tendo uma oportunidade, com a COP30, de debater esses temas em grande detalhe com a sociedade brasileira.
Porque não depende só de uma canetada, depende de toda a sociedade estar bem informada, por exemplo, [sobre] que decisão o Brasil vai [tomar] sobre exploração de petróleo. Quem decide? Como decide? Que tipo de questionamentos a gente precisa trazer? E essa COP está sendo essa plataforma desse grande debate.
Explorar combustível fóssil na foz da Amazônia: isso é bom ou isso é ruim? Vai trazer riqueza para quem? Vai custar para quem? Quem paga esse custo? É importante ter esses debates de uma forma qualificada, e nós estamos fazendo isso. Nosso Plano Clima está fazendo isso. A gente vai poder mostrar na nossa COP a riqueza desse debate com a sociedade brasileira.
Não tem certo ou errado. O que a gente precisa é debater e fazer essa transição o mais rápido possível. Precisamos considerar, não tomar, essa decisão o mais rápido possível. A gente está fazendo com que algumas pessoas sofram, sofram muito, percam suas casas, percam seus entes queridos. Trazer essa realidade, esse peso da decisão que a gente tem que tomar como sociedade, é muito importante.
Ninguém gosta de tocar nesse assunto, não era o que a gente gostaria de estar falando.
Já sei o que você vai trazer.
Exato, mas o assunto está colocado, não tem como fugir. Vários países já colocaram isso, essa queixa pro Brasil de que tem uma dificuldade logística com a realização da COP em Belém. Principalmente, até hoje, focada em hospedagem, mas a gente acredita que tem outras questões ali. No Reset falamos todos os dias com as empresas e escutamos o mesmo tipo de dificuldade. Sabemos que é fato. A gente vai conseguir?
Belém não tem a quantidade de hotéis necessária para acomodar o tamanho que as COP hoje em dia têm, uns 50 mil, 60 mil, 80 mil pessoas. Mas é uma cidade grande, e o governo entrou em conversas [sobre] outras possibilidades de acomodação, que são casas, propriedades privadas, condomínios.
Mas o problema não é quantidade de acomodação, [é] preço. E aí, certamente, as críticas que a gente está vendo são muito qualificadas: o preço da acomodação de Belém está muito, muito alto.
O governo brasileiro, [o ministério da] Casa Civil, junto com o governo estadual e municipal, estão lidando com esse tema de como a gente controla os preços.
Temos que dar respostas para o preço. Mas nos outros aspectos eu diria que vai ser uma COP diferente. Belém não é Dubai, mas as pessoas vão estar muito felizes de ter uma COP tão emblemática na Amazônia, se a gente resolver o tema dos preços da acomodação.
A nossa plateia no Reset Climacorp é formada por CEOs e executivos de grandes empresas, bancos brasileiros. Qual mensagem você gostaria de deixar para eles?
A mensagem que gostaria de deixar é [de] uma COP de aceleração da implementação. Precisamos do setor privado, que está na linha de frente da implementação, para ajudar a pensar [como] escalar as soluções que as nossas empresas já têm.
[Queremos] o engajamento das empresas brasileiras no coração da COP30, através da agenda de ação, ocupando os pavilhões temáticos, trazendo as soluções brasileiras, usando a COP para essa grande promoção do Brasil como um provedor de soluções climáticas.
Esperamos muito que vocês, junto com a presidência da COP, junto com o governo brasileiro, a gente se una para mostrar esse Brasil que a gente tanto ama, que tem tantas soluções climáticas, [para] colocar essa vocação brasileira da nossa sociobiodiversidade, mostrar para o mundo que a gente tem soluções escaláveis, [e] muitas já têm escala.