Era março de 2019. Em um jantar em Washington , o presidente Jair Bolsonaro resumiu o que seriam seus quatro anos no governo: “Nós temos de desconstruir muita coisa, de desfazer muita coisa para depois recomeçarmos a fazer”. A desconstrução já estava em curso, iniciada em 1º de janeiro daquele ano, primeiro dia do governo.
Vendo a natureza somente como ônus, Jair Bolsonaro fez da desconstrução das políticas ambientais uma peça chave de seu mandato: em 40 meses, foram editados 2 mil atos com impacto às políticas ambiental e climática.
Eles contribuíram para o aumento do desmatamento e dos gases de efeito estufa. Desse estoque, 401 atos precisam ser parte de um “revogaço” tão logo o novo governo eleito assuma, segundo minuciosa análise da Política por Inteiro.
O governo que chegará ao fim em dezembro de 2022 declarou guerra ao Ibama, à Funai, ao ICMBio, ao Conama, ao Fundo Amazônia, entre outros que se encontram paralisados, para todos os fins e efeitos.
Em primeiro plano, enfraqueceu o controle social. Com o terreno limpo, buscou resetar a lógica das políticas públicas socioambientais desenhadas a partir da Constituição Federal de 1988.
Fez isso por meio da edição de decretos de reforma institucional e depois, passou a operar via desregulação e flexibilização.
Foram ainda registradas dezenas de ataques à ciência, segundo monitoramento do Centro de Análise da Liberdade e Autoritarismo (Laut), na forma de cala-bocas a cientistas, cortes orçamentários e recusa em apoiar políticas baseadas em evidências.
Tiro pela culatra
As famigeradas “boiadas” e o desdém à ciência sequer são originais: o método foi importado, copiado e colado do modo Trump de governar bens públicos.
O efeito disso tudo não foi tornar o ambiente de negócios mais leve e funcional, como poderiam supor aqueles que querem ver uma redução do papel do Estado na economia.
Na realidade, o contrário ocorreu: a instabilidade provocada por discursos, atos e decisões erráticas do governo federal, principalmente via Ministério do Meio Ambiente mas também via Economia, aumentou o custo de se fazer negócios no país.
Os “bons mocinhos” que estão tentando atuar de forma sustentável na Amazônia, por exemplo, tiveram que enfrentar a concorrência desleal em mercados inundados de produtos oriundos da ilegalidade. Os vilões tomaram conta, com patrocínio estatal.
Os “que não tem nada a ver com aquele lugar distante chamado Amazônia”, como exportadores de maçã de Santa Catarina ou gestores de ativos do Leblon e da Faria Lima, tiveram que passar a responder a perguntas de investidores em potencial e parceiros comerciais sobre queimadas e grilagem de terras.
O desmatamento cresceu e acelerou, tornando-se um risco sistêmico aos negócios e à economia, impactando potencialmente o custo de capital. Quem diria?
Portanto, se há uma lição aprendida com a gestão Bolsonaro na seara ambiental é que destruir a natureza não é, definitivamente, uma agenda economicamente interessante.
Simplificar regras e desentulhar regulações, sim. Provocar danos irreversíveis ao ambiente e a nossa sociedade, nunca mais. Não faz parte da verdadeira cartilha liberal.
A despeito de Jair
De outro lado, esse jeito de “desgovernar” acabou potencializando o controle social e ativando um vibrante campo de atores comprometidos com a ação climática.
Estima-se que mais de 350 empresas brasileiras, 17 estados e 15 municípios tenham aderido a compromissos de carbono-zero até 2050.
Tanto partidos políticos como organizações civis foram às cortes contra retrocessos. Estima-se que há 40 ações judiciais contra boiadas, cupinização institucional e outros métodos de desconstrução adotados. Dessas, duas tiveram decisões emblemáticas do Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a proteção do clima como dever constitucional.
Autoridades locais também reagiram aos padrões desfeitos no nível federal. Os Estados se uniram em torno de um Consórcio de Governadores.
No Pará, por exemplo, o SeloVerde foi um movimento antecipado do governo estadual em relação à rastreabilidade da produção (nesse momento só de carne, mas será ampliado) e acesso a mercados internacionais.
O estado governado por Helder Barbalho também captou R$ 12 milhões para seu Fundo da Amazônia Oriental (FAO), criado após a paralisação do Fundo Amazônia pelo MMA.
E até mesmo autoridades federais, como o Banco Central, incluíram o risco climático em suas decisões. A despeito de Jair Bolsonaro.
O fim da era Bolsonaro no Palácio do Planalto marcará um desejado adeus aos sinais pró-desmatamento e carbonização que se avolumaram nos últimos quatro anos.
Finalmente, a miragem de que a desproteção do meio ambiente e do clima é vantajosa poderá ser desfeita.
Espera-se agora a retomada de padrões ambientais por Lula e Alckmin, começando com o Fundo Amazônia e a revisão da contribuição brasileira (NDC, na sigla em inglês) ao Acordo de Paris.