As cúpulas do clima e o dilema da pegada de carbono

Como toda conferência internacional, a COP26 será responsável por muitas emissões de CO2. Será que esse dilema tem solução?

As cúpulas do clima e o dilema da pegada de carbono
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É uma contradição inevitável: reunir as lideranças mundiais e seu séquito de assessores, mais dezenas de milhares de ativistas de todos os cantos do planeta, para discutir a mudança climática significa despejar uma quantidade considerável de CO2 na atmosfera.

Na COP26, em Glasgow, não será diferente. Só a conferência terá mais de 25 mil participantes, sem contar os manifestantes que estarão do lado de fora. A ativista-celebridade Greta Thunberg chegou de trem no sábado, mas a maioria deve viajar de avião.

As três últimas conferências do clima emitiram, na média, 53,5 mil toneladas de CO2 cada uma. Desse total, a imensa maioria (46,3 mil) estava associada aos voos ou viagens de longa distância.

Em segundo lugar vêm as acomodações (4,2 mil), seguidas por aquecimento e eletricidade do centro de convenções (2,3 mil) e transporte local (616).

Apesar da contribuição relativamente pequena para a conta, o endereço oficial da COP26, chamado de SEC Armadillo (tatu, em inglês), não pegou muito bem.

O complexo tem nota F (a segunda pior possível) num ranking de eficiência energética elaborado pelo governo escocês. Uma avaliação feita há nove anos recomendou que o espaço deveria melhorar o isolamento térmico e a iluminação.

Em 2019, quando já estava decidida a realização da COP26 em Glasgow, foi anunciado um plano para a instalação de aquecedores solares de água, turbinas eólicas e painéis fotovoltaicos.

As melhorias cortariam 25% das emissões do complexo. Mas os trabalhos nunca foram realizados, por causa pandemia do coronavírus.

“[A COP26] deve ser a primeira cúpula do clima em que as próprias salas do evento são um dos elefantes na sala”, disse uma representante do Greenpeace britânico ao jornal The Scotsman.

O governo britânico afirma que a sustentabilidade é central para o evento, nem que isso signifique algumas soluções com cara de improviso.

Cerca de 250 SUVs elétricos da Jaguar serão usados para transportar as lideranças mundiais durante a COP. Como Glasgow ainda não conta com uma infraestrutura de recarga de baterias, serão instalados geradores.

Em vez de queimar diesel, eles serão abastecidos com óleo vegetal hidrogenado, um nome chique para óleo de cozinha reciclado. Por sorte o país é conhecido pelo amor às frituras – iguarias como barras de chocolate, cheeseburgers e fatias de pizza empanadas e fritas foram inventadas na Escócia.

Cara a cara

A criatividade é louvável, mas não resolve o principal problema: existe uma maneira de fazer um evento verdadeiramente global como uma conferência do clima com uma pegada de carbono menor?

A resposta é ‘provavelmente’. Uma análise da mais recente reunião do Consórcio Europeu para Pesquisas Políticas, realizada via internet, concluiu que, se o evento fosse presencial, teria causado entre 100 e 200 vezes mais emissões.

Em junho, a ONU fez uma reunião preparatória da COP via Zoom. A experiência não foi muito bem-sucedida. Primeiro, por causa das diferenças de fuso horário.

Dificuldades técnicas dos países mais pobres, muitos dos quais têm infraestrutura de comunicações precária, também não ajudaram. (Se é difícil fazer reuniões no Zoom com colegas que estão do outro lado da cidade, imagine com representantes de pequenas ilhas do Pacífico.)

E o olho no olho, especialmente entre quem toma as decisões de fato, é fundamental. O presidente americano, Joe Biden, foi claro ao afirmar que “nada substitui” reuniões presenciais.

Biden fez o comentário no final de semana, e estava mandando uma indireta nada sutil para dois colegas, o russo Vladimir Putin e o chinês Xi Jinping. Ambos pularam a cúpula do G-20, em Roma, e também não vão participar da COP26.

Mesmo com a ausência desses dois pesos-pesados da poluição, ainda seguem vivas as esperanças de algum avanço para evitar uma catástrofe climática – e, neste caso, a pegada de carbono da COP terá valido a pena.