Brasília – A urgência para regular a instalação de usinas eólicas em alto-mar fica mais evidente quando se observa o volume de empreendimentos parados nas prateleiras do Ibama, órgão de licenciamento federal responsável por analisar a viabilidade ambiental dos empreendimentos que pretendem povoar o litoral brasileiro.
O Reset reuniu informações atualizadas sobre o volume de projetos que apresentaram pedido formal para instalar seus cataventos. Trata-se de um enorme volume de usinas eólicas, cujo potencial total, se fosse realmente entregue, superaria a capacidade elétrica que hoje está em funcionamento em todo o país, somadas todas as fontes de energia utilizadas.
O Ibama já recebeu, até a última semana de novembro, 98 pedidos formais de licenciamento de parques eólicos em alto-mar. Juntos, esses projetos pedem autorização para instalar 15.501 torres, o que equivale uma capacidade total de 234,2 gigawatts. O potencial elétrico nacional todo, hoje, chega a 207,7 gigawatts.
Mas, se este cenário for observado com mais detalhes, o que se vê são diversos casos de projetos que se sobrepõem, ou seja, mais de uma empresa tendo apresentado pedido de autorização para operar no mesmo local. Se considerada a extensão de cada polígono marítimo solicitado pelas empresas, mais de 60% deles estão sobrepostos.
Essa confusão fundiária do litoral brasileiro é reflexo da falta de regras para exploração do potencial dos ventos, um assunto que tramita no Congresso desde 2021, ainda sem definição.
Nesta terça-feira (10), a Comissão de Infraestrutura do Senado aprovou, na íntegra, o relatório do senador Weverton Rocha (PDT-MA), relator do projeto de lei das eólicas offshore. A votação no plenário do Senado está prevista para ocorrer nesta quarta (11).
Houve tentativa, durante o debate, de retirar as emendas relativas a gás e carvão do texto apresentado, mas a proposta foi vencida por 14 votos a 3. Se o PL for aprovado pelo plenário do Senado, seguirá para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O governo, que se posicionou contra as emendas feitas pela Câmara em relação ao gás e carvão, pode vetar os trechos do texto que receber do Senado. Ainda assim, um eventual veto do presidente Lula pode ser derrubado pelo Congresso por meio de um decreto legislativo.
Os “jabutis” incluídos pela Câmara podem ter impacto econômico de R$ 658 bilhões nos próximos 30 anos, ou R$ 25 bilhões por ano, o que representaria um aumento de 11% na conta de energia dos brasileiros.
Enquanto interesses lobistas se colocam na frente dos projetos eólicos no mar, empresas e o governo aguardam um sinal verde do Legislativo, para seguirem adiante com os projetos.
Disputa em alto mar
Dos 98 pedidos de licenciamento registrados pelo Ibama, 42 têm sobreposição de área. São 6.716 unidades eólicas sobrepostas, ou cataventos cujo licenciamento foi requisitado ao Ibama. Se o critério for a potência elétrica, os projetos que pretendem ocupar os mesmos pedaços do oceano equivalem a cerca de 44% do total.
Os dados obtidos pelo Reset mostram que oito Estados litorâneos estão no alvo das empresas. Dos 98 pedidos de empresas, a maior parte se concentra no Rio Grande do Sul (27), seguido por Ceará (25), Rio de Janeiro (16), Rio Grande do Norte (14), Piauí (6), Espírito Santo (6), Maranhão (3) e Santa Catarina (1).
Dividida por região, a maior parte da geração eólica offshore é esperada do Nordeste (109 gigawatts), seguida pelo Sul (75,3) e pelo Sudeste (49,9).
A maior concentração de áreas sobrepostas foi identificada no Rio Grande do Norte, com 45,7% do total requerido apresentando alguma disputa por espaço. Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Ceará também estão entre os Estados com maior ocorrência de problemas.
O perfil de projetos recebidos pelo Ibama mostra que a maioria dos parques eólicos se concentra em uma faixa de 10 km a 40 km da costa.
Questionado pelo Reset, o Ibama sinalizou que aguarda a definição do marco legal do setor para, finalmente, dar andamento aos projetos que são viáveis e aqueles que não são. Se hoje fossem atendidos todos os empreendimentos previstos para o Rio de Janeiro, por exemplo, boa parte das entradas portuárias cariocas ficariam seriamente comprometidas, dada a localização dos cataventos.
“O Ibama se reuniu com o proponente do projeto de lei e o respectivo relator para tratar da questão das sobreposições. Foi destacado que elas poderiam acarretar problemas de cunho socioambientais para o licenciamento ambiental e insegurança para quem desenvolve os projetos”, afirmou o órgão ambiental.
Como saída para o problema, ficou estabelecido que o licenciamento ambiental só será realizado após cada empreendimento receber uma outorga de primeira fase, a ser emitida pelo Ministério de Minas e Energia (MME).
“Isso otimizaria a disponibilidade de técnicos [do Ibama] para análise dos processos, evitando esforços em analisar projetos que podem não se materializar”, afirmou o órgão federal.
‘Plano diretor’ do oceano
Antes de chegar ao estudo que comprove a sua viabilidade ambiental, o projeto eólico offshore terá de passar pelo crivo do Planejamento Espacial Marinho (PEM), um mapeamento detalhado das potencialidades e ocupações diversas do litoral brasileiro. A avaliação está sendo realizada pela Marinha do Brasil, em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O PEM é o documento técnico que vai detalhar diversos regramentos que deverão ser observados, como restrições e adequações necessárias para o desenvolvimento de qualquer projeto eólico no mar.
O estudo é realizado por região do país. Os 8,5 mil km da costa brasileira têm sido chamados de “Amazônia Azul”, dada a sua extensão. Em novembro, o BNDES lançou um edital para contratar a empresa que fará o PEM da região Norte do país, englobando as regiões costeiras de Pará, Amapá e Maranhão. O prazo para conclusão do estudo é de 36 meses e serão usados até R$ 13,3 milhões de recursos não-reembolsáveis do Fundo de Estruturação de Projetos do BNDES (BNDES FEP).
Outras áreas já estão com estudos em andamento. Com financiamento de R$ 7 milhões não-reembolsáveis, o PEM começou a ser feito na região Sul, em fevereiro de 2024, pela empresa Codex Remote. Outros R$ 12 milhões serão destinados ao PEM Sudeste, para o projeto a ser realizado pelo consórcio “Sudeste Azul”, formado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a empresa Environpact Sustentabilidade.
O PEM da região Nordeste (exceto Maranhão) tem financiamento de R$ 10,6 milhões em recursos do GEF Mar, gerido pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), e será executado pela Fundação Norte-Rio-Grandense de Pesquisa e Cultura (Funpec), ligado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Um inventário dos ventos realizado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) aponta que o litoral brasileiro é dono de um potencial técnico de geração de energia de aproximadamente 700 gigawatts, mais de três vezes o tamanho da matriz elétrica nacional atual. Esse número considerada apenas locais com profundidade de até 50 metros e as tecnologias conhecidas até o momento.
Em termos de investimento, estimativas internacionais apontam que cada gigawatt de energia demandará recursos da ordem de US$ 2,5 bilhões a US$ 3 bilhões.