A Indie Capital, gestora de ações fundada pelos ex-Pátria Daniel Reichstul e Felipe Montagna, está em fase final de estruturação de um fundo de ações ESG, que deve ser lançado nas próximas semanas.
O produto faz parte do refinamento da estratégia da gestora, que gere R$ 2 bilhões numa carteira de ações. A ideia é, aos poucos ir integrando o ESG a todo o portfólio.
“Temos um lema na Indie de humildade intelectual, queremos ir calibrando e aprendendo a fazer para integrar ao fundo principal”, diz Reichstul.
A casa já tem capital proprietário para dar partida ao veículo, além de um capital semente que deve vir do fundo de fundos da plataforma Vitreo, anunciado na semana passada, e vê interesse de outros investidores.
Com quase metade dos recursos alocados na gestora vindos de fundo de pensão, a Indie viu crescer nos últimos anos a preocupação desse tipo de investidor com as questões ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês).
Ainda que o veículo ESG não mire inicialmente essas fundações, a tendência é que a integração seja uma necessidade cada vez mais premente para acessar esse tipo de bolso, diz Marcelo Bronze, sócio responsável pela área de relações com investidores.
“Nos processos de diligência dos fundos de pensão, cada vez mais tem perguntas ESG. Hoje essa análise já é um dos diferenciais e, em alguns anos, não ter essa integração pode ser um fator impeditivo.”
Outra provocação veio da Wright Capital, a gestora de patrimônio de Fernanda Camargo e Alexandre Lindenbojm, pioneira no estímulo à criação de produtos ESG e de impacto no Brasil para alocar o capital de seus clientes.
“A questão ESG vai fazer preço e as empresas que respeitam os critérios ESG vão ter uma relação risco e retorno melhor. Seja por ter menos risco ou ter mais retorno pelo mesmo risco. São empresas mais completas, mais modernas”, diz Reichstul.
A foto e o filme
A gestora está desde o começo de 2019 trabalhando na integração ESG. Em maio do ano passado, assinou o Principles for Responsible Investments (PRI) e vem capacitando as equipes de gestão e análise e desenvolvendo um método de avaliação ESG proprietária.
Criou um score ESG, focado na materialidade de cada setor, de acordo com os critérios do Sustainability Accounting Standards Board (SASB). São 14 pontos principais a serem respondidos pelos analistas responsáveis pela cobertura dos setores, que se desdobram em questões auxiliares. O resultado é uma pontuação.
Em seguida, essa pontuação é confrontada com um aspecto mais qualitativo, que é o engajamento da gestão da empresa em relação às questões ESG.
“Não basta só ter a nota. A nota é uma foto, e você tem que olhar o filme”, diz Reichstul.
“O filme tem a ver com a atitude de quem manda na empresa. As empresas que têm score alto e atitude pró-ativa nesse sentido são as best-in-class. Por outro lado, tem situações em que a empresa tem ESG ruim na foto, mas está com atitude para mudar. A gente fica atento a elas.”
Apesar do pouco tempo trilhando esse caminho, a gestora já se confrontou com uma dificuldade clássica: a falta de foco das empresas no que realmente importa quando se trata de ESG.
“Aqui é crucial a questão da materialidade. A gente passou por algumas conversas com empresas esperando ouvir de emissão de carbono, que é essencial para o negócio, e a equipe só falou sobre filantropia”, diz Sophia Pawlaski, analista que tem participado ativamente do processo.
Ela chegou à gestora em junho, vinda do Softbank. Enquanto estudava a questão ESG, a Indie decidiu começar a empreitada olhando para a própria casa — o que inclui aumentar a diversidade de gênero. A gestora fez um programa de partnership para reforçar a retenção de talentos, se aproximou de universidades com estágios de férias e está no processo para se tornar uma empresa B.
Parecido, mas não exatamente igual
A ideia é que o fundo ESG não tenha uma carteira muito diferente do fundo principal da casa. Com um detalhe importante: enquanto o Indie FIA só tem empresas negociadas no Brasil, no produto com rótulo ESG a Indie decidiu ampliar o foco e incluir também empresas brasileiras — ou que tem o Brasil como mercado principal — listadas fora do país.
Isso dá acesso a uma série de empresas mais voltadas para tecnologia e com potencial de crescimento exponencial que preferiram abrir o capital nos Estados Unidos nos últimos anos.
“A gente está incorporando aspectos ESG no FIC FIA. Não faz sentido ter uma empresa no fundo ESG e não no fundo principal, a menos que tenha essa diferença do país de listagem”, diz Reichstul. “O que pode acontecer são pesos distintos em algumas empresas.”
No fundo principal, a Indie tem hoje cerca de 25 ações. Entre as principais posições estão a locadora de carros Unidas, a operadora de planos de saúde verticalizados Intermédica, a Natura, de cosméticos, e a Eneva, de térmicas a gás.
A posição em Eneva — que tem também investimentos em carvão, uma fonte altamente poluente — é uma que a Indie não tem certeza se vai entrar na carteira ESG. “Ainda estamos terminando a análise”, diz.
A gestora também entrou na mineradora de ouro Aura, que fez recentemente sua abertura de capital. “Não terminamos a análise ESG dela, mas é um assunto presente em todas as conversas e que com os quais o próprio CEO se envolve.”
Desde que foi lançado, há pouco mais de sete anos, o Indie FIC FIA acumula retorno de 20% ao ano, comparado com avanço de 8% do Ibovespa. Neste ano, a carteira cai 3,6% contra queda de 13% do índice de referência da B3.